Por Bernardo J. B. Figueiredo

Camargo, presidente do Banco Regional de Ipanema, sentado junto a sua escrivaninha, tendo a secretária, Leda, em seu colo. Ela afaga-o carinhosamente quando o telefone toca. É Cláudia, esposa de Camargo, e Leda atende.
– Alô!
– Sou eu, Leda, chame o Camargo.
– Eu quem?
– Deixe de gracinha! Não reconhece mais a minha voz?
– Leda, tapando o fone. É sua mulher, o que digo? Ele por mímica, avisa que já foi embora.
– Já foi embora, quer deixar algum recado?
– Já foi, há essa hora?
– Passa do meio-dia!
– Costuma ficar até uma.
– Hoje foi embora mais cedo.
– E você, o que está fazendo aí?
– Leda, afagando o chefe com sorriso cínico. Botando as coisas dele em dia.
– Espero que nem toda as coisas. Deu para me entender?
– A senhora está maldando! Fique sabendo que sou honesta e boa profissional!
– Sei muito bem que profissão é essa… Antiiiga!… Para não me sentir ofendida tomo o que disse como um mau gracejo.
– É melhor. Foi mesmo uma pilhéria sem graça.
– Afinal, quer deixar algum recado?
– Avise ao bode velho do seu patrão, que suponho que esteja aí, que o Congresso acabou e que só volto à tardinha. Surgiu um almoço profissional que não deu para escapar. Para não se preocupar comigo. Continuarei sã e salva aqui em São Paulo.
– Um almoço executivo!
– Isto mesmo. Um negócio importante demais, de última hora, que não deu para escapar!
– O Ronaldo fica também para esse almoço?
– Foi ele quem convidou o cliente.
– Cliente!… No restaurante do hotel ou em lugar mais discreto?
– Quem está maldando agora é você!
– Pro seu bem! Camargo é ciumento e pode imaginar… Coisas!…
– Camargo, vociferando contrariado em voz sussurrada… Eta meu tchan!
– Imaginar é direito de todos. Só, queridinha, que não vai acontecer nada!
– Leda, sufocando o riso… Nadinha!
– Cláudia, irritada… Nadinha!… Sou, antes de tudo, uma mulher honesta!
– Fidelíssima!
– Olha como fala!… Não lhe dei esta confiança!
– Desculpe, não fiz por mal!
– É!… Tomo como outra brincadeira!
– É que estamos bem-humoradas, brincalhonas!
– Deve ser. Não vá se esquecer do meu recado
– Avisar ao Camargo que vai almoçar, aí, com Ronaldo.
– Com um cliente!… Não ponha Ronaldo no meio!
– Meu receio é que ele ponha… Quero dizer, se ponha no meio de vocês e confunda a cabeça do Camargo. Ele não gosta, por ciúme, dessa sua intimidade com Ronaldo.
– Ronaldo é da LPC Propagandas, meu chefe!… Não malde!…Se foi outra piadinha, eu não gostei! Está se arriscando comigo! No meu baralho…
– No seu o quê?
– Baralho!… Com “b” de bosta, bem pronunciado!… Neste que você pensou, com a letra seguinte, dou-lhe um aviso, deixe-o em paz!
– É todo seu!… Pela posição da carta, já está fora do jogo há muito tempo, comido pelo bispo, na santa Paz de Deus!
– Engano seu!… Voltando ao baralho com “b” o que quis dizer é que no meu baralho, mulher de presidente vale muito mais do que secretária!
– Leda, alisando a testa do Camargo; pelo visto gostamos de jogar com o mesmo baralho.
– O quê!… Seja mais explícita!
– O que disse e o disse com a letra de bola, bem pronunciado, e não na letra posterior que está em seu pensamento, que gostamos de jogar com o mesmo baralho, mas sei que suas cartas valem muito mais do que as minhas. O que foi que pensou?
– Nada!… Sou, antes de tudo uma mulher honesta!
– Fidelíssima!
– Olha como fala!… Não lhe dei essa confiança!
– Desculpe, não fiz por mal!
– É… Tomo como uma brincadeira no jogo de letras que inventou.
– É que estamos bem-humoradas, brincalhonas.
– Deve ser! Não vá se esquecer do meu recado.
– Avisar ao Camargo que vai almoçar com Ronaldo.
– Com um cliente!… Não ponha Ronaldo novamente no meio!
– Não tenho nada a ver com seus pensamentos!
– Então faça o que te pedi bem depressa!
Leda desliga e pula fora do colo do Camargo.

– Ela disse que não pode vir agora porque tem um almoço executivo importante pacas! Volta à tardinha.
– Camargo apreensivo; almoços executivos em fim de congresso são perigosíssimos! Que diabo ela está aprontando!
– O mesmo que nós!
– Naaaão!… Cláudia é Santa!
– Do pau!… oco! Surgindo oportunidade, é normalíssimo que queira uma aventura sexual, depois de tantos anos de casada, sendo constantemente corneada.
– Cale essa boca agourenta! Normalíssimo para as putas das mulheres dos outros, que, aliás, já comi muitas!
– Pensa que a sua é exceção! Vai ver ela quer conhecer outro “c” maior que o seu!
– Pare com esse jogo de letras! Ela me é fiel, não tem maldade na cabeça! Vai ver é consequência de seu profissionalismo exacerbado. Do seu senso de dever. Se ficar é porque está mesmo agarrada a um grande negócio.
– Agarrada sei bem aonde!… no “C” do Ronaldo!
– Não gosto dessa sua brincadeira com letras! Será que o “c” do Ronaldo é grande?
– Médio!
– Quer dizer que conhece bem o “c” dele!… Olha eu entrando na sua brincadeira com letras!
– Não vou mentir! Já fui apresentada ao “c” dele algumas vezes!
– Trata-se de um glutão que come todo mundo!
– Congresso é o paraíso de novos amores, de novas conquistas, de bons momentos de sexo. É como o bairro de Ipanema, onde essas festas há misturas de c com c, b com b, num jogo imoral de misturas de letras, onde muitos “c” começam por cima e acabam por baixo, na pirâmide que se forma no centro da sala! Você até me pegou num deles.
– Mas, sem nunca entrar na pirâmide! Sempre fui machão! Foi no Grande Hotel de Ipanema! Numa feira de livros de sacanagens.
– Pare com essa maledicência! Assim me deixa nervoso! Fui lá catar clientes para o Banco, pois esses veados costumam ser muito ricos. Aplico esses dinheiros no CDB, com grande lucro para o Banco!
– Essa mistura de letras, “CDB”, eu desconheço. É uma sacanagem nova?
– Significa “Crédito Direto ao Banco”. Pare de especular com as letras! Assim você me deixa nervoso!
– Nervoso porque você não larga da barra da saia de sua mulher! Está me saindo um camisolão!
– Gosto dela
– Bem mais do que eu, não é?
– É diferente!… Não dá para comparar!… É como vinho branco e tinto, cada qual tem a sua ocasião!
– Pelo menos tenho o consolo de ser melhor de cama.
– Ah, isto é verdade!… Você é sacana, libertina, bem putinha!
– Eu, puta!… Ela, não!
– Ela é de uma pureza angelical!
– Pois deve estar com a “pureza” toda molhada de tanto se esfregar na “safadeza” do Ronaldo!
– Está rogando praga?
– Quem dera! Estou é constatando uma realidade. Ronaldo é um cara jovem, bonito, comilão, e tem um olho espichado para sua mulher. Não iria jogar essa oportunidade fora. Conheço muito bem o Ronaldo!
– Não consigo me imaginar chifrado!
– Leda cantarola: Se chifre fosse flor/ eu seria seu regador!… Dá samba!
Leda, cantarolando, inicia um strip-tease em frente a ele, jogando suas roupas sobre a poltrona que há na sala. Quando se vê de calcinha e sutiã, puxa-o da cadeira para junto de si e beija-o voluptuosamente. Ovelino, diretor do Banco, entra na sala sem ser notado e dá um sorriso de satisfação pelo que vê. Pigarreando nas costas dele, dá-lhes um susto. Eles se desgrudam.
– Porra, Ovelino, não aprendeu a bater na porta! Não vê que estava tirando um cisco do olho da dona Leda! O susto que nos deu poderia ter aumentado o meu sopro e machucado o olho dela!
– Um cisco!… Pelada desse jeito?
– Ela estava no banheiro e veio desse jeito para eu tirar o cisco. Porra, Ovelino, não aprendeu a bater na porta antes de entrar! Aonde foi parar a sua educação, na latrina!… Seu pulha!… Asno!
– Ovelino, tendo tiques afeminados. O Senhor disse que…
– Disse porra nenhuma!…
– Que eu, sendo Diretor, podia entrar direto, sem bater na porta!
– Não na minha hora de almoço!… Invadiu a minha privacidade!… Réptil!… Anta!
– São quinze para as dez!
– Minha hora de almoço começou mais sedo!
– Estou vendo que a comidinha é boa!… Desejo-lhe um bom apetite!… Mas entrei aqui porque…
– Pois então saia, seu quadrúpede!… Pústula!…
– Pensei que…
– Verme não pensa!… Dê o fora!…
– Deixe-o falar!… Deve ser importante! – Leda replicou.
– Fale, vírus de gripe!…
Ovelino faz uma série de cacoetes afeminados, mostrando que joga no time adversário.
– Você, Ovelino, com esses trejeitos, está mais para vírus de bruços!

– É que!… É que!… Saiu o balanço do Banco!
– Porque, veado sem chifre, não me disse isto antes?
– Lucro para cacete! – aduziu Camargo.
– Aknatoniano!
– Que eu saiba, Aknaton foi um faraó do Egito!… Mas, porra, Ovelino, o que essa Múmia tem a ver com o lucro do Banco?
– Lucro do tamanho do cacete de Aknaton, que era enorme!
– Vá entender de múmia assim na…
– Puta que me pariu!… Na cona da minha mãe!…
– Afinal, de quanto foi esse lucro?
– Setecentos milhões de dólares!
– Camargo, assobiando com expressão de espanto. Fiiuuuu!… Tudo isto no semestre!… Graças as pirâmides que você frequentava!… Começavas por cima e acabava por baixo!… Foi o que fiquei sabendo!
– Deveria estar no seu lugar e você no meu! Tudo isto num semestre!… Graças as pirâmides que frequentei!
– O Banco Central vai cair em cima da gente, é pule de dez!
– Temos que resolver logo como explicar esse lucro Aknatoniano. O Balanço do Banco terá que ser publicado até o fim do mês
– Põe a culpa na inflação! – aduziu Leda.
– Não existe mais. O FHC acabou com essa mina de ouro e o Lula deu continuidade ao equilíbrio fiscal. Temos que arranjar outra desculpa. Não dá para abaixar esse lucro? – Perguntou Camargo ao Ovelino.
– Fiz o meu dever de casa, mas, se mudar os valores, errando na vírgula, os auditores vão chiar, apesar de um deles seja frequentador das pirâmides junto comigo. Ameaçam fazer ressalvas nas notas explicativas!
– Ressalvas, porra nenhuma! Pago bem a essa gente para assinar o relatório do balanço que eu mandar. Caso contrário, não serão mais nossos auditores no ano que vem!
– Engraçado!… Eles se dizem independentes! – aduziu Leda.
– Para Inglês ver!… Vamos partir para o pau, no bom sentido, com o veredito da Bolsa de Valores que é muito elástico. Esse é que me interessa! O resto, vamos enfrentar!
– O Banco não teve prejuízo grande com a falência com a empresa Crecifo? – perguntou Leda.
– Aonde foi parar esse prejuízo, Ovelino? – inquiriu Camargo
– Havia uma fazenda de soja em Bauru dada em garantia hipotecária. – Exclamou Leda
– Adjudicamos pela bagatela de dez milhões de dólares. – Respondeu Camargo
– Se nos deviam trinta e recebemos dez, perdemos vinte! – disse Leda.
– A aritmética de leda está certa, – Respondeu Camargo
– Houve um terrível porém. Dei um milhão ao juiz para aceitar a adjudicação por esse valor bem barato. – Respondeu Ovelino a sorrir.
– Esse Juiz não é aquele punido pelo Tribunal de Justiça? – Perguntou Leda.
– Ele e mais dois, saiu em todos os jornais. Mas não foi por nossa causa. Foi por outros motivos. Já está de pijama ganhando uma aposentadoria milionária. – Respondeu, Ovelino. – Com nosso milhão de dólares no bolso fez ótimo negócio. – Concluiu Camargo.
– E a vergonha, aonde foi parar? ´Perguntou Leda.
– Aonde, Leda, vão parar todas as vergonhas nacionais? – perguntou Ovelino, com sorriso debochado.
– Na Suíça, numa conta numerada como a do Camargo! – Replicou Leda.
– Fale baixo!… Um dia, o dono acionário do Banco, o Jacó Salafra, me disse: mais vale uma conta recheada na Suíça do que uns dias de orelha vermelha no Brasil.
– O dono desse Banco é um gênio! Respondeu Ovelino com sorriso debochado.
– Mais voltando para a Crecifo. Parabéns, Ovelino, conseguiu à final um belo prejuízo. Concluiu Leda.
Eu disse que havia um, porém. Vendi a fazenda para um australiano por cinquenta milhões. Ganhamos vinte. Não foi um negócio da China!
– Da China, pode ser!… Mas, aqui, no Brasil, não!… Você é um asno!… Essa sua falta de lucidez econômico-financeira ainda vai nos arruinar!… Nosso setor não produz nada e não para de crescer abusivamente!… Provocando assim a ira da sociedade da qual pertencemos. Seremos, um dia, lixados na rua!… temos que tomar cuidado com nossa galinha dos ovos de ouro.
– Não me diga que está com medo desse lucro gerado pela nossa galinha de ouro. – Resmungou Leda.
– Seria um total idiota se não estivesse. É hora de ficar encolhido atrás do toco e lembrar que prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
– E aquele incêndio na sucursal de Curitiba? – Perguntou, Leda.
– Queimou toda!… Não sobrou uma cadeira! – Respondeu Camargo.
– Esplêndido! – Exclamou Leda.
– Pus no seguro por um valor muito alto. Ganhamos dois milhões de dólares em relação ao registrado na contabilidade. – Respondeu Ovelino de cabeça baixa.
– Já é burrice demais!… Te pago caro é para produzir prejuízo e não Lucro. Para nos dar lucro bastam as medidas e resoluções do Banco Central, Caixa Econômica e BNDS, cujos presidentes, tradicionalmente, são escolhidos pelos banqueiros e fazem o nosso bolo crescer. Saia daqui seu merda!
– Ainda vou me sentar na sua cadeira, por me tratar desse jeito, e despedi-lo a pedido dos acionistas.
Ovelino, praguejando, retira-se do ressinto, enquanto Camargo pega o balanço para examinar
– Leda, arranca o balanço contábil de sua mão e diz: Essa não, violão!… Já que sua mulher está em São Paulo, vamos fazer amor, enquanto ela não vem!
-O tradicional “papai e mamãe?”
– Deixo essa posição para Cláudia. Que tal dama e valete, guerra na Síria, frango desossado, Putin na banheira aquecida, bicicleta francesa. Ah, já sei!… Rodeio Americano!… Aprendi com um deputado gaúcho quando estive em Brasília. Você fica de quatro…

– Negativo!… Foi assim que Napoleão perdeu a guerra para a Alemanha. Não é postura recomendável para banqueiro.
– Leda puxa-o para a sala de reunião anexa e diz: Vamos logo para o nosso ninho de amor, antes que sua mulher chegue.
Logo a seguir Cláudia e Ronaldo entram na sala da presidência e se desapontam.
– O safado do Camargo não está mais aqui. – Recebi uma denúncia anônima que iria encontrá-lo transando com a Leda.
– Eu te preveni que não adiantaria fingir que ainda estava em São Paulo, porque esse flagrante não iria dar certo. Não são trouxas e foram para um motel. – Aduziu Ronaldo.
– É verdade, não iriam dar chance ao azar. Armei a cilada à toa.
– Ronaldo, esparramando-se no sofá. Porque não aproveitamos o embalo e pomos nesse sofá um chifre nele. Formamos um belo par e esse sofá é convidativo. Assim você se vinga dele.
– Comigo!!
– Formamos um casal perfeito e esse sofá é bem convidativo.
– Você está a me dizer que quer sexo comigo? Não sei ser mulher de dois homens!
– Um de cada vez!
– Sou ainda uma mulher honesta, – Não tenho coragem de jogar fora vinte anos de casada, assim, de repente, por conta de uma reles vingança.
– É sua última palavra?
– Sem pestanejar!
– Se dessa cartola não sai coelho, não tenho mais nada que fazer aqui.
– O melhor é você ir embora enquanto seu lobo não volta. Se te encontra aqui, contigo, vai pensar mal de mim.
Cláudia deita-se no sofá a espera do marido. Camargo e Leda, deixando a sala de reuniões contiguo, retornam ao gabinete da presidência. Tomam um susto ao verem a Cláudia deitada no sofá. Camargo, mais que depressa, empurra a Leda de volta à sala de reunião e bate a porta. Com o barulho, Cláudia senta-se e o encara. Ele finge ter chegado da rua naquele instante,
– Você aqui!… Leda deu-me o seu recado e pensei que estivesse almoçando em São Paulo
– Ela te deu foi outra coisa!… Onde está Leda?
– Sei lá!… Por que quer saber dela?
– Tenho forte suspeita que estivesse transando com ela na sua hora de almoço. Recebi uma denúncia anônima bem fidedigna. Onde esteve até agora?
– Fui almoçar com um cliente.
– Liguei antes da hora de seu almoço e Leda disse que já tinha ido embora.
– O que tem isto demais?
– Quem é esse cliente?
– É… É… Não digo! Primeiro quero saber da razão desse interrogatório estupido. Nego a acreditar que deu ouvido a essa fofoca anônima.
– Jura que não me traiu?

– Pela sua mãe morta!… Quero vê-la estendida, aqui, mortinha, se estou falando mentira!
– Pela sua!
– Claro, pela minha!
– Jura que não são amantes?
– Que ideia absurda. Leda é uma pobre coitada que precisava desse emprego. Chegou aqui quase esmolando, com uma mão à frente e outra atrás!
– A safada foi logo tirando a mão da frente, quem sabe até a detrás. Aonde se escondeu essa putinha!
– Camargo pegou o telefone interno e fingiu ligar para sua segunda secretária e disse: Virgulina, você sabe aonde está a Leda? … Hum… foi para casa… A mãe está doente, passando mal… Sei… Não volta hoje… Sei…Obrigado! Ouviu, Cláudia!… Ela está em casa.
– Ligue novamente para lá, quero checar com a própria.
– Vai dizer o quê?
– Confirmar com ela a sua história.
– Camargo pega novamente o telefone e liga para a sala de reunião. Leda atende. Alô!
– Quer me chamar a Leda?
– Que ideia de jerico é esta?
– Aqui é Camargo, quer me chamar a Leda?
– Não me meta nesta trapalhada, pelo amor à Deus!
– Não pode atender. Está ocupada com a mãe.
– Não tenho pressa, eu espero.
– Ela aguarda.
– Deixei a minha roupa em cima da Poltrona. Está a sua vista?
– Camargo fazendo uma careta. Está… Sua!…Sua!
– Claudia ajudando-o a encontrar a palavra… Mãe!
– Mãe!… Sua mãe melhorou? Que ótimo!
– Tire a moreia da sua mulher daí. Quero me vestir!
– Oi, Leda. Já sei que sua mãe melhorou. Sua irmã me disse!
– Vá à merda!
– O mesmo para sua mãezinha! Não se desespere!
– Vê se pega a minha roupa e me passe pela fresta da porta. Vou deixá-la entreaberta.
– Vai ser difícil.
– O que vai ser difícil? – Perguntou Cláudia.
– Ela voltar para o escritório. Um momento, que Cláudia quer falar contigo!
– O que houve com sua mãe, Leda.
– A minha velhinha quase que apaga!
– Que velinha!… Fez alguma promessa?
– Tenha dó, Claudia!… Estava a falar da minha velha!
– Da velha!… Desculpe, Leda pela gafe; posso ajudar em alguma coisa?
– Pode!… Vá ver se estou lá na esquina!
– Zangou-se!
– O que quer de mim?
– Saber que realmente estavas em casa. Para mim foi um alívio!
– Desconfiava de mim com seu marido, não é?
– Acertou na mosca!… Não tenho vergonha de confessar. Dei uma inserta na hora do almoço.
– Passei ou levei pau!
– Passou!
– Por que não faz o teste da banheira?
– Teste da banheira?
– Mergulhe-o numa banheira com água morna e bem salgada para aumentar a densidade. Mexa bem. A senhora mexe bem?
– Olha a ironia!
– É que há muitas mulheres que não sabem mexer e uma boa mexida é fundamental
– E aí?
– Agora vem o epílogo!… Se o saco boiar é porque estava vazio. Aí, pau nele!
– Prefiro o teste de São Tomé, o de ver para crer!
– Sendo assim aproveite o sofá. Dizem que ali é um bom lugar para pô-lo à prova!
– Vá a merda, Leda! – desliga o telefone.
Enquanto conversavam, Camargo, mais que depressa, pegou as roupas da Leda e escondeu atrás das costas. Em seguida, sem que a esposa percebesse, levou-a até a cadeira de sua escrivaninha e deixou-as lá.
– Cláudia tirou a roupa ficando apenas de calcinha e sutiã disse: Este escritório me excita. Foi aqui que me beijou pela primeira vez. Lembra-se?
– Veio me pedir um empréstimo para comprar um apartamento. Aí, jogou-me o seu charme que me enfeitiçou!
– Você, tarado, tirou proveito e me assediou sexualmente. Este sofá tem história. No entanto eu resisti. Trocamos apenas um beijo de amor para conseguir o empréstimo
– Levou vantagem, pois troquei aquele beijo na boca pelo empréstimo.
– Era virgem!
– Fiquei no ora-veja. Eras muito pudica!
– É o que me diferencia das outras!
– Então ponha de volta a sua roupa. Aqui, não!
– Tranque a porta!… Foi há três anos. Eu não queria que fosse aqui, no sofá, mas você insistiu.
– Já éramos casados e você assim mesmo tentou me repelir. Quebrou o clima e foi uma merda de transa. Só eu gozei. Por que não quis que fosse aqui?
– Porque esse lugar lembra pecado! Iria me sentir puta, suja.
– Às vezes é bom para quebrar a rotina, o clima, de papai e mamãe. Sempre em casa, nesta mesma posição, enjoa.
– Hoje estou querendo me sentir no pecado. Uma marafona querendo algo diferente que não conheço, quero me transformar na sua secretária putinha. Saber o que ela sente ao se entregar a você. Tire a roupa e vem.
– Você nunca foi diferente em aceitar esse esporte promiscuo. Não será hoje e nunca. Ponha a sua roupa de volta e vamos para casa.
– Estou, hoje, sentindo uma transformação esquisita dentro de mim. Quero conhecer a putaria que praticas com as outras. Dê-me duzentas pratas e vem deitar-se no sofá e fazer comigo o que faz com as outras.
– Nesse lugar, contigo, não dá faísca. É certo que vou brochar. Pensas que tenho um botão na barriga e basta apertar para pôr o bicho de pé. Ponha a roupa e vamos agora para casa.
Cláudia põe-se a rodar nervosa pela sala. Súbito para diante da cadeira. Pega as roupas da Leda, cheira-as, e atira de volta para o mesmo lugar.
– Aonde se escondeu a puta deste vestido?
– Essa puta é você mesma. O vestido é seu.
– Aonde foi parar o meu vestido que joguei no sofá? A piranha esteve escondida aqui o tempo todo. Na pressa, enquanto eu tentava fazer marafona contigo, a puta vestiu o meu e caiu fora.
– A poltrona estava vazia quando você chegou. Se houvesse outro vestido ali você teria visto.
– O meu era preto e esse é azul marinho.
– Azul marinho, quase preto.
– Como foi para na sua cadeira se o joguei no sofá?
– Eu mesmo levei para lá. Sabe que não gosto do meu escritório desarrumado. Vai me dizer que não viu?
– Vou!
– Ou ficou cega, ou é um caso de amnésia de fatos recentes. Veja a etiqueta, é da Rooths.
– É mesmo da Rooths, mas, o meu era preto!
– Desbotou. Virou azul marinho e você só percebeu agora.
– Essa ideia fixa de que te traio com a secretária está causando essa confusão.
– Pode ser. Tive um trauma terrível na infância, peguei papai em flagrante comendo a empregada.
– No fuque-fuque?
– No fuque-fuque, fui internada em estado de choque. Tive que fazer dois anos de psicanálise para engolir o fuque-fuque. Se te pego me corneando, como papai fez com a mamãe, juro, enlouqueceria.

– Mudando de assunto, como foi o Congresso?
– É uma trégua?
– Um ponto final neste assunto.
– Um sucesso! Ronaldo foi quem encerrou o Congresso com um belo discurso.
– Não quero ouvir falar desse Ronaldo. Quero saber é da minha linda diretora de vendas.
– Fechamos bons contratos. Um deles deve alto aqui no Banco que é Macarrões Frei Caneca. É um português burro e grosso que gosta de contar piadas indecentes de brasileiros. O gajo, aproveitando as piadas, deu em cima de mim.
– Camargo, irado pelo ciúme disse: Congresso é de alta periculosidade! Se eu apertar esse português, ele quebra. Está como o Brasil, devendo as calças.
– Tomou um bruto susto quando Ronaldo lhe anunciou que você é o meu marido. Tremeu nas bases. E eu, quando o português se referiu a você com o apelido de quinzinho. Não conhecia esse seu apelido.
– Neste país, onde as corrupções correm soltas, quinzinho virou gorjeta de garçom. Diga a esse português, que no próximo negócio com o Banco, passe a me chamar de vintinho.
– Não tem vergonha na cara de extorquir dinheiro desse jeito?
– Ficou na Suíça. Lá sou um homem probo, honrado, protetor dos desvalidos. Aqui, não!
– Para não desmerecer a sua fama, pedi quinze porcento. O gajo cuspiu uns marimbondos, mas concordou, desde que renove a dívida que tem com o Banco por mais um semestre.
– Tenho garantias suficientes para continuar a chupar o sangue desse trouxa.
– Sabia que meu Drácula não iria me decepcionar.
– Estou atrasado para a reunião dos banqueiros. Os desvios dos empréstimos, com garantias falsas, dadas ao BNDS voltaram à tona e está dando a imprensa o que falar. Alguém do Nordeste comeu demais e está passando mal com as críticas. Vai ter que vomitar o que comeu ilegalmente. Os jovens procuradores da justiça, não familiarizados com esses desvios, estão escarafunchando tudo e é capaz de sobrar algum lixo para os banqueiros. Temos que tirar essa garotada honesta do nosso caminho. Vamos tratar hoje de uma estratégia para fritá-los
– Este assunto não me interessa. Veja, até que esse vestido me caiu bem.
– Claro, queridinha, este vestido é seu que desbotou um pouco.
Camargo se retira apressado. Cláudia permanece na sala da presidência. Pouco depois Leda entra e dá um grito de espanto.
[7]
– Virgulina me disse que você já tinha ido embora… E que Camargo estava me chamando.
– Virgulina é minha aliada e fez o meu jogo.
– Ela quer o meu lugar, até mesmo de amante.
– Caíram as máscaras!… Então era você mesma que estava aqui levando “pau” do Camargo?… Mas, onde?
– Aí ao lado, na sala de reunião.
– Naquela ali? – apontou para a porta.
– É onde chupamos a simbólica manga, nosso código.
– Suponho que era uma manga espada bem grande.
– Média!
– Era por isto que o descarado te pedia manga na minha frente. Eu não maldei. Eu cheguei a lhe perguntar onde você arrumava tanta manga fora de época.
– Veja! O teu vestido me caiu muito bem.
– É de boa qualidade. É da Rooths.
– O meu também. Foi Camargo quem me presenteou. Comprou os dois e me deu esse que está vestindo de presente.
– O meu é esse preto que veste. Pode ir tirando que o quero de volta.
– Aqui!
– Vamos trocá-lo aqui e agora. Ao tirá-los, Cláudia comenta. Temos os corpos muito parecidos. O safado escolheu bem. Você é bem gostosa no olhar dos homens. Você chega fácil ao orgasmo?
– Tenho até múltiplos. Gosto de fazer sexo. É meu esporte preferido.
– Pois eu não sei o que é o orgasmo. Não consigo chegar lá. Camargo goza antes.
– Porque você é seca, arde e é frígida. Apesar de tudo é apaixonado pela senhora.
– Senhora é a periquita da sua mãe!
– Nossa, explodiu. E tudo isto por causa de uma trepadinha de descarga de adrenalina, de alívio de tensões, trepadinha puramente terapêutica.
– Uma trepadinha à toa que implodiu vinte anos de casamento!
– Que casamento! Chama essa merda de vida em comum de casamento? Nem sequer goza! Vai se catar, dona Cláudia. Não vem com draminha francês. Amanhã volta tudo ao que era antes, menos o meu emprego. Camargo certamente vai me despedir. Vou perder o emprego por sua causa.
– Precisa muito desse emprego?
– Como a terra da chuva. Sustento a minha mãe velhinha. É cardíaca e preciso do plano de saúde da empresa que vou perder. Nem eu e nem a senhora ganhamos um naco que seja com essa revelação.
– Proponho nós duas ficarmos caladas com tudo isto que aconteceu. Não sou vingativa, ou melhor, você não tem a menor culpa desse acontecimento. Se você sai, Virgulina entra no seu lugar.
– Vamos ficar caladas?
– Vamos! Só que vou me separar do Camargo. Não o quero mais para mim. Mas isto nós duas vamos manter em segredo. Combinado?
– Combinado! Camargo não é um homem que se presta para um casamento. Não é confiável. Separe em juízo para levar uma boa bolada de dinheiro em seu favor. Procure outro homem, pois a senhora ainda é charmosa e muito bonita, há muito homem de bom caráter por aí. Até lhe invejo. Qualquer dia faço o mesmo.
Camargo entrou no gabinete da presidência e encontrou Ovelino sentado em seu lugar e seus pertences juntados dentro de uma caixa de papelão.
– Que abuso é esse, Ovelino!
– Não leu a assembleia que foi realizada ontem? Você foi demitido da presidência e destituído do Banco. O Salafra não te quer mais, pois gostou dos lucros que realizei. Eu mesmo redigi a assembleia e ele já assinou. Passo a cópia dela para que tome conhecimento. A distribuição de lucro foi quase toda para o bolso do Salafra; você, e os outros cinco acionistas, receberam um pinguinho. Eu, como diretor, não recebi nada.
– Sem cumprir as formalidades legais?
– Cumpri as rotinas anteriores do Banco que você realizava. Não fiz nada de diferente.
– As leis que regem os Bancos exigem formalidades que não foram cumpridas. Aonde está a convocação da assembleia que não recebi; porque não foi levada a discussão dos acionistas na sala de reuniões, onde eu estava transando com a Leda. Sem cumprir essas formalidades legais ela de fato não existiu. Basta ele saber disso que quem vai ser destituído será você, responsável direto por essa lambança. Salafra assinou sem ler, só quis saber quanto ele botaria no bolso e mais nada. Já voltou para Dubai, para os braços da linda puta que arranjou, pela qual se enamorou. Vou repreendê-lo pelo que fez e, para resolver fora da justiça civil, vou tirar dele uma boa bolada para o meu bolso. Nesse mar revolto que está convulsionando os líderes de maior expressão mundial, numa guerra estupida, quero distância, com meu bolso bem recheado, para viver sossegado numa cadeira de balanço, acompanhando pela TV a derrocada desses falsos e vaidosos líderes. O povão, que está a sofrer com esse descalabro, vão liquidar com eles. O dinheiro, dólar, que é de circulação forçada, apenas pelo costume, não vai valer mais nada. Eu, Ovelino, com o dinheirão que vou arrancar do Salafra, comprarei uma bela fazenda em Bauru, para, com minha família, viver dela.

Bernardo J. B. Figueiredo é romancista e autor de “Em busca da eternidade”, conto já publicado aqui na Dolce Morumbi®
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