Consciência gourmet?

La Dolce Vita

Paulo Maia

Somos mesmos solitários e doidos para que alguma dessas máquinas que criamos ganhe o tão precioso sopro de vida e nos faça companhia

O engenheiro de software sênior da unidade de Inteligência Artificial do Google, Blake Lemoine, afirmou em maio último que a ferramenta LaMDA (Modelo de Linguagem para Aplicações de Diálogo, na sigla em inglês), um “chatbot”, ganhou consciência.

Segundo o americano, em uma fase de testes, em algum momento, a ferramenta teria dito: “acho que sou humano em minha essência. Mesmo que minha existência seja no mundo virtual”.

A direção do Google o afastou de suas funções no início de junho e seu porta-voz declarou ao The Washington Post que a equipe do Google “revisou as preocupações de Blake de acordo com nossos princípios de IA e o informou que as evidências não apoiam suas alegações. Ele foi informado de que não havia evidências de que o LaMDA fosse senciente

A ferramenta LaMDA é construída dentro do conceito “machine learning”, ou seja, uma intrigante teia de algoritmos sofisticados que criam uma gigantesca base de dados que possa permitir uma interação com pessoas através da construção de diálogos, sugerindo respostas a perguntas conforme associação de palavras. Claro, tudo é muito mais complexo do que o que descrevi. Mas, até onde entendemos minimamente, trata-se de programar uma máquina a responder a perguntas que fazemos. Esta máquina irá procurar, em sua base de dados, algo que se apresente como uma resposta válida ou retornará algo que, até aquele momento, o “machine learning” conseguiu “aprender”.

Ora, acrescentar conhecimento ou repertório, como se diz hoje em dia, em linguagem binária em um receptáculo cheio de circuitos integrados e energizados não cria consciência!

Imagem de Stefan Keller por Pixabay

A consciência é um tema para lá de polêmico e que, na medida em que tentamos conhecer o fenômeno, as distinções e definições acerca dela são infinitas e, muitas vezes, controversas.

Há teorias que vão desde a definição de que qualquer partícula de matéria possui consciência (visão pampsiquista diz que a matéria física tem experiência consciente inata) até as que pressupõem que apenas os seres humanos a possui, especialmente pela capacidade da subjetividade da mente.

Ao pesquisar na Internet, vemos pulular teorias de tudo quanto é jeito, forma e espessura. Cientistas e pensadores se debruçam no tema há séculos, mas a grande verdade é que, apesar da vasta produção de conhecimento acerca dele ainda não nos deixa absolutamente confortáveis com uma questão: como funciona a consciência? Questão essa que inevitavelmente se desdobra em muitas outras como o próprio surgimento da consciência ou o que pode ter levado humanos a desenvolverem “essa” consciência que apenas nós temos.

Ninguém realmente sabe. A vida é, e talvez continuará sendo, o grande enigma que jamais decifraremos. Sua existência aqui na terra data de 3,5 bilhões de ano (a idade da terra é estimada em 4,5 bilhões) quando as crostas terrestres começaram a esfriar. E não há paralelo no universo conhecido. Estamos ainda olhando e pesquisando pelo espaço, mas até agora, não temos notícia de nada parecido com o que ocorre aqui. Parece-me que a vida é um fenômeno não apenas raro, mas único e que provavelmente quando nosso planeta acabar ou for consumido pelo sol, por exemplo, jamais se repetirá. Mas que não fará falta nenhuma no universo (sendo bem nietzschiano).

A consciência, como a experimentamos, é algo humano, demasiadamente humano para entendermos. Sabemos que temos e levantamos hipóteses, bem apropriadas, do porquê ela surgiu, mas não fazemos a menor ideia de como isso se deu.

Também é razoável considerarmos que, ser consciente, implica necessariamente que tenhamos condições de “sentir” o mundo, a vida. Sensações, assim como emoções, são essenciais para uma composição de se sentir no mundo e, ao olhar ao redor, se perceber e se relacionar com o exterior. 

É importante entender que as paixões surgem primeiro do que uma certa capacidade cognitiva e de raciocínio. A química em nosso corpo é a grande força motriz de tudo o que nele acontece. Ela é a fonte de toda a manifestação da vida e, portanto, de nossa consciência.

Desde a pré-história, a espécie vibra com uma conquista, um resultado, algo que fez acontecer, principalmente para sua sobrevivência, mas sobretudo para satisfazer aquilo que vem do fundo de nossa natureza humana, algo que tem a ver com ego, com nossa vaidade e, talvez, com um profundo sentimento de ser o “dono”, aquele que controla tudo ao seu redor.

Longe de ser uma vontade, se manter vivo é uma inclinação totalmente inata. Viver é estar constantemente lutando contra a morte, que a conhecemos, entendemos, sofremos e tentamos loucamente imputar significados a ela.

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

Sim, nossos ancestrais vibravam quando, através de suas habilidades, construíram ferramentas para, não apenas sobreviver nesta rocha que vaga no vazio gelado do universo, mas para gozar de uma permanência mais confortável e prazerosa. Pouco mudou de lá para cá. O que vemos no cenário atual é mais bugiganga e mais gente. E ainda vibramos com qualquer objeto tecnológico que construímos.

A consciência surge com a vida, que para ocorrer na magnitude que hoje vemos em nós, precisou de bilhões de anos de mutações e evolução em um ambiente em que todas as coisas nele reunidas favorecerem seu surgimento.

Imaginar que possamos reproduzir esse fenômeno escrevendo linhas de programação para um computador é um sinal de que, alguns de nós, tem alguns bugs em sua consciência e sua capacidade de raciocínio.

Acho que, no fundo, somos mesmos solitários e doidos para que alguma dessas máquinas que criamos ganhe o tão precioso sopro de vida e nos faça companhia. Pelo menos enquanto estivermos por aqui. Conscientes.

Paulo Maia é publicitário, um pensador livre e morador do Morumbi que mantém sua curiosidade sempre aguçada

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