Você produz provas contra si mesmo? Saiba que sim, mesmo sem querer ou saber

Dolce Justiça

Dra. Rita de Cássia Biondo

É inegável a presença da era digital no nosso cotidiano e de certo ela veio para ficar, sem dúvida alguma. Um exemplo básico disso são os aplicativos de comida e itens de supermercado. Alguém se imagina sem? Posso dizer por mim que já fazia uso deles antes da pandemia e hoje já fazem parte da primeira tela do meu celular!

E nesse contexto nem tudo são flores. Se as relações humanas já apresentavam uma série de conflitos, imagine nessa rapidez enlouquecedora trazida pela era digital, como ficou a “perspicácia” dos elementos que só vivem arquitetando golpes e mais golpes para benefício próprio?

Diante disso, é inegável também a necessidade de se assegurar de meios legais e úteis para provar os mais variados tipos de situações que ocorrem no meio digital.

Você já se deu conta de quantas são as situações diárias, em que mesmo sem querer ou saber, suas marcas são deixadas no mundo digital? Aquela perguntinha sobre permitir o uso de sua localização pelo aplicativo foram feitas quantas vezes no dia de hoje? E quantas vezes você conseguiu optar corretamente pelas alternativas? permitir o tempo todo, permitir durante o uso do app ou negar?

Por quantas portarias você passou na semana passada que exigia a sua digital para entrar? Quantos sistemas você acessou que prescindiam de um marcador corporal para liberar o uso? Quantas mensagens comprometedoras você trocou de forma individual ou em grupo pelo WhatsApp? Quantos posts você fez em suas redes sociais ou interagiu em posts de terceiros nas últimas 24 horas? 

Sem precisar entrar nos detalhes dos conteúdos, lhe digo com toda certeza de que, sim, você produziu um acervo de provas contra e a favor de si nessas circunstâncias descritas. Claro que no presente artigo o objetivo é discorrer sobre as provas digitais no âmbito jurídico, mas elas, no dia a dia, moralmente falando, são amplamente utilizadas também, haja vista a quantidade de setinhas e emojis de mãozinhas indicativas que utilizamos em nossas conversas ao puxar trechos anteriores para justificar algo, não é mesmo (risos)?

Inevitável associarmos a palavra provas com o judiciário. Pois bem, nessa seara é de grande valia salientar que a justiça do trabalho foi a pioneira em utilizar as provas digitais no seu dia a dia e algumas ferramentas são fundamentais para viabilizar essa utilização, tais como a geolocalização, postagens em redes sociais, biometria, busca nos navegadores por palavras chaves ou tags, conversas em aplicativos de mensagens e e-mails.

Nada mais interessante do que narrar alguns casos ocorridos na minha vida profissional para que você, leitor e leitora, possa trazer para a realidade essa importância da produção, consciente e/ou inconsciente, das provas digitais no cotidiano.

Um dia em uma audiência, estava representando o reclamante, autor da ação na justiça do trabalho. Era a primeira audiência. Nessa, inclusive, é de suma importância que a empresa seja assistida e representada pelo advogado, e no caso, só compareceu o advogado e o preposto estava ausente. Juntou-se aos autos um atestado “comprovando” que ele tinha tido uma crise de asma grave e por essa razão não pode estar presente naquele dia e horário.

Ora, alguém com uma crise de asma, grave, segundo o atestado, se dirige a um consultório e não a um pronto-socorro? O preposto, que seria o representante da empresa, se dirigiu a um consultório, o que já de pronto me pareceu bem suspeito. Bem, consultei o CRM e de fato a médica era a indicada e seu número de inscrição também era válido, me atentei ao endereço do consultório da médica e ao pesquisar no Google, por meio da ferramenta street view maps, vi que se tratava de um condomínio residencial.

Peticionei nos autos explicando o ocorrido, minhas suspeitas, a foto do mapa do endereço e fiz um requerimento ao juiz, que ele oficiasse a médica para que ela se manifestasse acerca do atestado e mais que esclarecesse se de fato atendeu o preposto, se o atendeu, para que esclarecesse sobre a gravidade apontada no mesmo e se isso era causa de impedimento para comparecer a uma audiência.

Adivinhem? O endereço era de fato residencial, a médica lá morava, bem como um parente do preposto, que ao acordar atrasado viu que não conseguiria chegar a tempo na audiência e pediu um “favorzinho” a médica amiga Ela respondeu processo administrativo no seu conselho de classe e a empresa do processo trabalhista em questão se deu muito mal.

Outro caso interessante, já na área cível, o pai alegava não ter condições financeiras para colocar em dia a pensão alimentícia da menor, atrasada a quase 5 meses. Juntamos ao processo fotos das redes sociais desse indivíduo ostentando uma condição social bem diversa da pobreza alegada no processo, fotos em viagens ao exterior, em restaurantes 4 ou 5 estrelas: prisão mantida.

E o último caso, não menos importante, uma das empresas que eu represento foi notificada com uma ação na qual um prestador de serviços pedia o reconhecimento do vínculo empregatício. Alegava que se dirigia a empresa todos os dias, e lá restava das 8h45 às 17h45 de segunda a sábado. Nosso requerimento ao juiz foi no sentido de provar, por meio da geolocalização do celular desse prestador. que ele eventualmente prestava serviços a empresa, sem dias certos, sem jornada etc.

Pois bem, a geolocalização mostrou com riqueza de detalhes, todos os dias e horários que ele ia prestar seus serviços na empresa, ou melhor, em que não ia prestar os serviços na empresa (risos). Ação improcedente, vínculo empregatício não reconhecido!

Produzimos ou não produzimos provas contra e a favor de nós mesmos? Tenho certeza de que a partir dessa leitura você olhará tudo com outros olhos!

Rita de Cassia Biondo Ferreira é advogada graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Cidade de São Paulo, Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Superior de Advocacia e Pós-graduanda em Direito Coorporativo e Compliance na Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito do Trabalho, Due Diligence Trabalhista, Direito Imobiliário, Direito das Sucessões e Prática Contratual atua como sócia-fundadora do escritório de advocacia D&B Advogados Associados e da empresa DBCOB Gestão de Créditos e Débitos.

Os artigos assinados não traduzem ou representam, necessariamente, a opinião ou posição do Portal. Sua publicação é no sentido de estimular o debate de problemas e questões do cotidiano e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo

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