Divulgando Interesses

Dolce Justiça

Dra. Rita de Cássia Biondo

A palavra inglesa whistleblowing encontra relação com o uso de um apito para sinalização de algo prejudicial ao público em geral, podendo ser desde uma violação de regras até a comunicação de um crime, por exemplo, nada mais é do que o nome dado a um denunciante, um delator responsável por assoprar o tal apito sinalizador de problemas.

Supostamente seria a efetiva participação de um membro do setor privado ou público que, tomando conhecimento de práticas ilícitas ou antiéticas, leva-as ao conhecimento das pessoas que detenham poder para alterá-las, em suma seria “o informante do bem”.

A situação da pessoa que denuncia conduta imprópria numa empresa ou órgão público, o whistleblower, não poderia ser mais diversa, tanto no estrato legal quanto moral, a priori é inocente alguém que, sabendo de conduta irregular, a leva ao conhecimento da autoridade competente nas esferas pública ou privada.

Todo programa de compliance visa a criação, acompanhamento e eficácia dos sistemas que supervisionam as práticas coorporativas, na atualidade, uma das ferramentas de maior destaque, apesar de causar muita controvérsia, são sem dúvida alguma os canais internos de denúncia, ferramenta cada vez mais comum nos referidos programas de compliance.

Porém, deve se ter extrema cautela na criação dos referidos canais de denúncia do whistleblower, pois apesar de objetivarem o engajamento dos funcionários na vigilância intensificando a descoberta de irregularidades, se não forem implantados corretamente tendem a gerar um ambiente de trabalho hostil além de ser uma porta para tratar desavenças entre pessoas sem qualquer fundamento.

Especialistas de compliance consideram o canal de denúncia do whistleblower o mais eficaz para revelar condutas indevidas e o mais seguro aos interesses da pessoa jurídica, uma vez que por meio dele a empresa pode ser a primeira a ter o acesso à informação o que otimiza a tratativa que aquele determinado conteúdo terá.

Importante lembrar que de nada adianta uma empresa ter esses canais se ninguém se sente à vontade para reportar, por temer os efeitos da denúncia que vão desde a passividade da empresa até a retaliação do empregado denunciante.

Nós brasileiros, infelizmente temos uma percepção, baseada na realidade, de que reportar irregularidades provavelmente não levará à investigação e punição dos responsáveis e que, com certeza, resultará em represálias contra o reportante, que poderá perder o emprego, ser apontado como dedo-duro e ter seu nome “queimado” no mercado de trabalho, dificultando um novo emprego.

Mas como instrumentalizar o canal de denúncia do whistleblower na prática? Algumas empresas têm optado pela criação de um número de telefone com ligações gratuitas (0800), porém diversas outras formas podem ser usadas: disponibilização de um link específico na Intranet, contas de e-mail, contato pessoal com as pessoas do compliance, urnas distribuídas pela empresa para as pessoas depositarem as alegações em meio físico, entre outras.

Independentemente da forma e da fonte, alguns cuidados são imprescindíveis. O comprometimento na tratativa da informação deve ser sempre com profissionalismo e seriedade, assegurando sua confidencialidade. Proibir e punir qualquer tipo de retaliação, e o mais importante, garantir que a alegação seja investigada e as medidas cabíveis aplicadas, e claro, na medida do possível, noticiá-la.

E a pergunta que não se cala é por que o denunciante do bem não pode manter seu anonimato? Cumpre salientar que um potencial denunciante só se identificará caso se sinta confiante e protegido. Algumas empresas, a princípio, criam a figura do denunciante anônimo na implantação do sistema de denúncia e com a sua maturidade, ou seja, com a própria demonstração de seriedade e comprometimento com os propósitos anunciados, passam a naturalmente extinguir o anonimato referido.

A extinção do anonimato se faz necessária na medida em que a ferramenta pode se tornar um fim em si mesmo. O bom uso auxilia na descoberta de crimes contra o patrimônio, entre outros, e o mau uso ensejaria a “fofoca”, difamação, calúnias etc.

É uma realidade a existência desse risco e os números comprovam que realmente, em denúncias anônimas, a quantidade de alegações sem fundamentos é grande. Por outro lado, a quantidade de relatos pertinentes também o é, compensando assim, os registros inadequados.

A publicidade interna dos canais de denúncia e a efetiva campanha de conscientização voltada aos funcionários, terá sem dúvida, como fruto a utilização correta dos meios adotados, inclusive em relação a imposição de sanções àqueles que o utilizarem com má-fé.

Recomenda-se, a princípio, até mesmo como fase de implantação dos canais, a possibilidade do denunciante optar pelo anonimato, e com certeza, com o passar do tempo, mais e mais pessoas podem se encorajar a fazer denúncias, aprimorando gradativamente, tanto a parte técnica, quanto a familiarização com o sistema.

Uma vez efetivo, o canal de denúncias permite que a empresa passe a conhecer potenciais desvios e, a partir daí, engajar-se, obrigatoriamente, na apuração dos fatos, a fim de comprovar ou não as alegações feitas. Processos profissionais de investigação, entrevistas e análise de documentos são requeridos para assegurar a qualidade necessária para esse processo tão sério, tanto para a empresa quanto para os envolvidos.

É crucial assegurar que, de um lado, as medidas não sejam usadas para retaliar ou prejudicar injustamente alguém, de outro, que elas não sejam brandas ou de caráter protecionistas para beneficiar outrem. Não se pode esquecer que, além dos envolvidos, toda uma organização espera o resultado de uma denúncia ou de um desvio de conduta.

Somente a capacidade da organização de definir medidas justas e implementá-las rapidamente dará o tom para a credibilidade dos canais e mecanismos do sistema de compliance. Somente assim é possível garantir a aplicação sadia do código de conduta da entidade.

Mas não só de medidas disciplinares vive um sistema de denúncia do compliance. Outras medidas podem, e devem, se mostrarem necessárias, como a correção de um ou de determinados processos, treinamentos para pessoas, descredenciamento de parceiros de negócios, entre outras, a depender dos desvios de conduta, quaisquer que sejam, a organização deve assegurar a sua efetiva e pronta implementação.

O whistleblower teve papel fundamental na descoberta daquele desvio funcional que quase quebrou minha empresa. Ele deve ou não ser recompensado pela informação fornecida? Seria viável recompensá-lo? E tal manteria a sua isenção de ânimo? Com base na experiência dos países que adotam a prática de recompensa aos whistleblowers, é possível delimitar os mais importantes prós e contras da recompensa.

Favoráveis à implementação da recompensa, prevalece a tese de que tal prática encoraje as pessoas a tomarem posição contra ilícitos, e os programas de incentivo levariam à maior efetividade da atividade repressiva, uma vez que sem as informações obtidas por meio de programas de incentivo à whistleblowers, seria muito difícil ou até impossível de se detectar fraudes complexas.

Em sentido contrário, os negacionistas nesse sentido entendem que as exigências para remuneração dos whistleblowers são tão restritivas a ponto de premiar somente uma pequena parcela de reportantes, cujas informações efetivamente conduzam à ação repressiva bem-sucedida, proporcionando uma frustação de modo geral e a inviabilidade do sistema.

Fato é que na realidade brasileira, o incentivo financeiro pode resultar em denúncias maliciosas ou falsas, com efeitos colaterais danosos causados às partes inocentes. Impossível não esbarrar no raciocino raso norteado por atitudes geradas por situações como aquelas em que “manda quem pode, obedece quem tem juízo” ou a de “levar vantagem em tudo”.

Importantíssima tal discussão apresentada, pois compõe o alicerce necessário para amadurecer e fortalecer uma forma solidificada do whistleblower, no sentido de possibilitar melhor aplicabilidade e efetividade de sua atuação no Brasil, onde a ferramenta ainda é novidade e praticamente engatinha na cultura sobre a corrupção, que é bem peculiar.

O estigma de país explorado pode sim, um dia, sobressair ao país colonizado, porém é preciso começar, recomeçar e continuar tornando o seu local de trabalho um ambiente especial, harmonioso. Sua empresa como produtiva, enxuta e referência para outras, é valorada pelo material humano e quem não gostaria de fazer parte, ser proprietário ou acionista de uma empresa com selo Great Place to Work?

Afinal de contas, é impossível, sem ouvir o que seus colaboradores têm a dizer, conhecer a fundo uma empresa e o que ela cultua.

Rita de Cassia Biondo Ferreira é advogada graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Cidade de São Paulo, Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Superior de Advocacia e Pós-graduanda em Direito Coorporativo e Compliance na Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito do Trabalho, Due Diligence Trabalhista, Direito Imobiliário, Direito das Sucessões e Prática Contratual atua como sócia-fundadora do escritório de advocacia D&B Advogados Associados e da empresa DBCOB Gestão de Créditos e Débitos.

Os artigos assinados não traduzem ou representam, necessariamente, a opinião ou posição do Portal. Sua publicação é no sentido de estimular o debate de problemas e questões do cotidiano e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo

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