5 vertentes ESG na produção brasileira de cacau que você precisa conhecer

Diversidade Dolce

Caroline Vargas Barbosa

A produção brasileira de cacau pode transformar o cenário de consumo interno e ter protagonismo de mercado internacional. O caminho, parte de premissas como o reconhecimento dos produtores locais e familiares da matéria-prima, de acordo com a ODS-ONU (2015)

Imagem por Narong Khueankaew em Canva Fotos

Vamos entender o nosso cenário. O Brasil possui o maior branco ativo de material genético de cacau do mundo. São mais de 60 mil plantas coletadas no campo, abrangendo cerca de 30% da bacia amazônica.

A Bahia e o Pará são os maiores produtores de cacau no Brasil, cerca de 90% da produção nacional, o que já se observa a incidência do “S” social (ESG) devido as interseccionalidades e problemas estruturais que permeiam os estados.

Segundo a Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), lideradas por: Cargill; Barry Callebaut e Olam, que já possuem 95% da produção nacional; a capacidade da indústria ainda é maior, o que gera investimentos e projeções internacionais (2021).

Em, 2022, a AIPC, informou que o Brasil exportou, mais de 87 mil toneladas de chocolates e de derivados do cacau, gerando US$ 226 milhões de dólares. No mesmo período, importou cacau e derivados, cerca de US$ 320 milhões de dólares. Ou seja, um déficit real de produção, cerca de US$ 94 milhões de dólares (Forbes, 2021). O Ministério Agricultura e Pecuária (2022) visa atingir a autossuficiência na produção de cacau até 2025 e ampliar exportações até 2030.

O cacau é uma commodity. Significa, em termos gerais, que se trata de uma matéria-prima que pode ser produzida em diversos lugares do mundo. Com isso, espera-se que o mercado regule o preço sem diferença da origem dessa matéria-prima, o que não significa que não haverá os cumprimentos dos ODS. Aliás, parte-se da premissa, que para estar no mercado há cumprimento dos ODS/ESG.  

O cacau brasileiro é uma commodity negociada principalmente nas Bolsas de Nova York e tem o valor da tonelada balizado pelo pregão. São três fatores principais no preço do cacau nacional: cotação da bolsa, diferencial e taxa cambial. O diferencial pode ser verificado com algumas relações de oferta e demanda, custos com produção, logística de escoamento e tributações. E aqui, no diferencial, vamos refletir projeções e exemplos na perspectiva ESG.  

Imagem por Marci Paravia em Canva Fotos

1) O drawback do Brometo de Metila e o controle de pragas

A compra (importação) de cacau e derivados, tem como grande expoente o cacau africano. Costa do Marfim e Gana respondem a 70% do mercado internacional de produção. Em 2023, o Porto de Ilhéus (BA) recebeu 13 mil toneladas do cacau africano. E aqui reside o mal trato político com os produtores brasileiros, que reclamam de incentivos fiscais oferecidos a compra de cacau africano, o chamado drawback.

Drawback é o termo usado para um regime aduaneiro que suspende ou isenta tributos incidentes nos insumos importados. No caso do cacau africano importado, o benefício da isenção de tributos ou diminuição de barreiras para adentrar o produto em solo nacional.

Ocorre que em 2020, a Associação das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC) solicitou a então ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a Ministra Tereza Cristina, a revogação do uso do brometo de metila como exigência fitossanitária para importação da Costa do Marfim, alegando que o produto não é usado pelo país estrangeiro há mais de 10 anos. Asseverou que a medida era necessária para atender a demanda de produção da indústria moageira.

O MAPA, em 2020 e 2021 reduziu quaisquer barreiras à importação do produto africano. Em 2020, a IN nº 18 exigia que as amêndoas fermentadas e secas de cacau importadas pelo Brasil da Costa do Marfim fossem tratadas com brometo de metila. Em 2021, Instrução Normativa (IN) nº 125, eliminou a exigência de tratamento com brometo de metila para ingresso em território nacional.

Acontece que o brometo de metila é um produto extremamente tóxico e prejudicial à saúde humana (classificado na faixa mais perigosa de agrotóxicos – Classe 1, vermelha). A absorção pode causar depressão do Sistema Nervoso Central e lesões renais (Protocolo de Montreal, 1989). Vale destacar, que segundo a EMBRAPA, desde 2007 há tecnologias que substituem o brometo de metila na agricultura.

Além do mais, não se viu, por parte do governo durante esse período (2020-2022) a preocupação com a ODS (2015) no sentido de garantir a cadeia produtiva sustentável, visto que dados do Banco Mundial demonstram que a Costa do Marfim possui uma das maiores taxas de desmatamento do planeta. Estima-se que o país perdeu 80% da sua cobertura florestal nos últimos 50 anos, fruto da produção de cacau.

Há propositalmente a flexibilização para a importação em detrimento de melhores incentivos para a produção nacional, inclusive com a substituição do brometo de metila.  Uma vez implementadas as práticas ESG, o produto poderá receber recusas no mercado internacional, como políticas de sanção do próprio mercado econômico. Considerando, claro, que haja um engajamento coletivo e transnacional para a prática da Agenda ODS até 2030.  

Imagem por Alfio Manciagli em Canva Fotos

2) Chocolate sustentável: sem desperdícios, de rótulo limpo e sabor autêntico

Atentos a realidade do desperdício de 70% do cacau, visto que somente as amêndoas são processadas e há o descarte do restante, em 2021, o WholeFruit Evocao, do grupo suíço Barry Callebaut, criou um chocolate brasileiro feito do cacau 100% puro, sem açúcares refinados, lecitina, baunilha ou conservantes (Forbes, 2021).

Para tanto, foi preciso redesenhar toda a cadeia de produção e fornecimento, com foco na diminuição de tempo. Foi realizada a aliança com a Cocoa Horizons (Equador) fazendo com que 450 pequenas comunidades de cultivo de cacau, participantes do programa de sustentabilidade fossem integradas. O resultado foi a obtenção de frutos de alta qualidade e redução do tempo de colheita e o processamento (cerca de 5h). No entanto, a grama desse chocolate, perfaz o valor aproximado de R$10,90.

3) O terroir diferenciado

Assim como vinho, o cacau possui características de produção que trazem alterações sensoriais. O termo terroir (de origem francesa) significa que há um conjunto de informações adquiridas sobre produto que garantem distinção de qualidade. Essas informações são desde a localização geográfica, qualidade do manejo, clima, cultura, história e tradição, que influenciam nas características sensoriais.

O Brasil possui reconhecimento terroir, desde 2019, fornecido pela International Cocoa Organization (ICCO) garantindo o país como “produtor de cacau final de aroma para exportação”. Tal fato, foi possível ao incentivo de produções com tecnologia e capacitações para internacionalização da produção (ApexBrasil, 2021) e é responsável pelo aumento da competividade do cacau nacional no mercado internacional embora ainda bem distante do amplo acesso à população brasileira.

4) Projetos regulatórios e Políticas de Inovação

Existem três projetos em destaque. O primeiro Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 330/22 susta decisão da Secretaria de Defesa Agropecuária, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que revogou exigência fitossanitária para a importação de amêndoas de cacau oriundas da Costa do Marfim.

O PL 1.769/2019 define o percentual mínimo de 35% de cacau nos chocolates e também trata da informação do percentual total de cacau nos rótulos dos chocolates. Há também o PL 4.107/2019 visa ampliar o mercado de cacau e o fomento da produtividade, ele altera a Lei n. 13.710/2018, que institui a Política Nacional de Incentivo à Produção de Cacau de Qualidade. O último aguarda sanção ou não da Presidência. 

Em ambos os Projetos de Lei, houve a manifestação da Associação Nacional de Produção de Cacau (ANPC), reiterando a necessidade de apoio a produção nacional, com melhores implementos de políticas públicas aos produtores rurais locais. A ANPC sugere, por exemplo, a definição de cotas de cacau nos chocolates da merenda escolar e no fornecimento às Forças Armadas, o que beneficiaria, cerca de 93 mil produtores locais.

Imagem por kuppa cock em Canva Fotos

No âmbito da inovação, em 2022 o governo brasileiro lançou o Cacau Conecta AgTechs 2022 buscando pesquisadores, produtores, profissionais da indústria, investidores e AgTechs (startup com foco no agronegócio) que visam encontrar soluções com base na sustentabilidade para aumento produtivo e de qualidade do produto. São sugeridos estudos genéticos de controle de pragas e doenças, melhor gestão da cadeia produtiva e de manejos culturais, além de eficiência e otimização da produção. No mesmo ano, aprovou a Política de Inovação da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, da Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Sustentável e Irrigação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Portaria MAPA nº 462/2022). As medidas de incentivo foram prioritariamente para a produção com vistas à importação, asseverando ainda mais a desigualdade nacional ao ignorar produtores rurais locais e ANPC.

5) Ainda temos TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO e TRABALHO INFANTIL na produção de cacau

Empresas como Hershey, ADM Cocoa, Godiva, Fowler’s Chocolate e Kraft já foram indiciadas por utilizar trabalho análogo ao escravo. Em 2001 essas empresas até assinaram o Protocolo do Cacau que se comprometeram a erradicar o trabalho análogo ao escravo até 2008, depois passaram o prazo para 2020 e seguimos sem o cumprimento.

Nestlé e Mondelez respondem processo nos EUA por utilização do trabalho infantil em sua produção e a World Cocoa Foundation (WCF) reconheceu a situação do trabalho infantil na produção de cacau da Costa do Marfim e de Gana.

No Brasil, são cerca de oito mil crianças e adolescentes em condições desumanas em fazendas de cacau (Casara, 2021). O Ministério Público do Trabalho, identificou seis multinacionais que exploram trabalho escravo e infantil na produção de cacau. As empresas são: Nestlé, Mondelez, Garoto, Cargill, Barry Callebaut e Olam.

Estima-se que o preço do chocolate de 100 grama aumentaria em menos de US$ 0,20 (cerca de R$1) se os produtores de cacau recebessem salários dignos por sua produção (Inkota, 2021). Desolador…

Caroline Vargas Barbosa é advogada, docente universitária e pesquisadora. Doutorando em Direito pela UnB, Mestra em Direito Agrário pela UFG e especialista em Processo Civil pela UFSC. Atua em pesquisas e assessoramentos de diversidade, inclusão e ESG.

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