A equivalência de direitos entre homens e mulheres, visando a constituição de uma cultura organizacional mais igualitária, é medida urgente no meio ambiente de trabalho brasileiro
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Por Arthur Felipe das Chagas Martins
Sou filho de uma mãe professora. Cresci circulando com ela pelas escolas de São Bernardo do Campo – a maior parte do tempo na Escola Estadual Professor Carlos Pezzolo –, visto que, naquele tempo, a tônica era a de que cabia à mulher o cuidado constante dos filhos. Assim, eu, menino de aproximadamente quatro anos, frequentemente estava dentro da sala de aula, convivendo junto com os alunos e bebendo daquele ambiente maravilhoso que eram as escolas públicas daquela época.
Minha mãe se dividia entre o magistério, a coordenação de turmas e o cuidado com este que vos escreve. Pode ser que este tenha sido um período curto, mas a memória dela circulando pela escola enquanto passava o olho na sua cria deixou em mim uma profunda marca do esforço que era necessário à mulher que não queria abrir mão de sua carreira após a maternidade. Ressalva necessária: meu pai não era ausente, em hipótese alguma. Mas, como dizemos por aí, os tempos eram outros.
Falamos aqui de fatos ocorridos entre as décadas de 80 e 90. Nesta mesma época, mais especificamente em 1988, era promulgada a Constituição Federal atualmente em vigor: através do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (art. 5º, I), a Carta Magna vedava a distinção entre homens e mulheres, além de estender direitos como proibição de diferenças salariais por motivo de sexo e a licença gestante de 120 dias após o parto.
A nossa Constituição Federal nasceu como uma das mais avançadas do mundo. E ela foi sucedida por inúmeros outros dispositivos de notável grandeza e importância na afirmação da mulher dentro do mercado de trabalho. A Lei 9.029/1995 proibiu expressamente a exigência de atestados de gravidez ou esterilização para fins de admissão ou permanência no emprego, atacando clara discriminação existente no mercado de trabalho à época.
Outros exemplos dessas garantias eram a proibição do trabalho de mulheres gestantes em ambientes insalubres (art. 394-A da CLT), assim como a garantia de intervalo antes do início de eventual trabalho em sobrejornada (art. 384 da CLT). Ou seja, todo um cenário criado para proteger a mulher em sua carreira, garantindo igualdade de oportunidades e condições paritárias na disputa laboral.
Entretanto, os anos não têm sido unicamente gentis com tais conquistas e presenciamos ataques a elas. A dita Reforma Trabalhista, promovida pela Lei 13.467/2017, acabou com o intervalo do art. 384 da CLT, sob o argumento de que este não refletiria igualdade nas condições entre homens e mulheres.
Apesar de respeitar tal entendimento, confesso que os julgados anteriores à tal reforma me apresentavam argumentos muito mais adequados. Cito, como exemplo, a defesa de questões como igualdade de condições, dupla jornada de mulheres e distinção entre compleições físicas que precisariam ser albergadas por medidas que mitigassem tais diferenças em favor de condições justas de trabalho.
Outro retrocesso pode ser presenciado na tentativa de alteração do art. 394-A da CLT, que visava permitir o trabalho da mulher gestante em ambientes insalubres (à exceção da insalubridade em grau máximo), condicionando eventual afastamento com apresentação de atestado médico específico. Felizmente, tal tentativa foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.938.
Agora, a alteração mais recente fala do advento da Lei 14.457/2022, que instituiu o dito Programa Emprega + Mulheres. Fruto da conversão da Medida Provisória 1.116/2022, a referida lei trouxe alterações à Consolidação das Leis do Trabalho, visando não somente tratar da inclusão de mulheres no mercado de trabalho, mas especialmente proteger a parentalidade, criar canais de denúncia e atribuir às CIPAs (agora Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e de Assédio) a responsabilidade de monitorar e combater o assédio sexual e toda e qualquer outra forma de violência no âmbito do trabalho.
Uma pena, entretanto, que somente haja CIPAs em empresas com mais de 80 funcionários. O assédio e a discriminação não acontecem somente em empresas maiores, mas igualmente em pequenas organizações. Ocorrem até mesmo entre mulheres: lembro-me de um processo onde conquistamos a rescisão indireta do contrato de trabalho de uma gestante que, ao comunicar sua superior (sim, uma mulher) de seu estado gestacional, passou a ser assediada com o intuito de forçar um pedido de demissão.
A equivalência de direitos entre homens e mulheres, visando a constituição de uma cultura organizacional mais igualitária, é medida urgente no meio ambiente de trabalho brasileiro. Deve decorrer não somente de leis, mas de verdadeira mudança na consciência do mercado de trabalho – e a função do operador do direito é exatamente fomentar esta mudança, como verdadeiro agente da transformação.
Arthur Felipe das Chagas Martins é advogado especialista em direito material e processual do trabalho e direito acidentário. Mestrando em direito do trabalho pela PUC-SP. Professor em cursos jurídicos voltados ao direito do trabalho e suas correlações com o direito previdenciário.
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