Dolce Sustentável
Eleine Béleváry
De uma semana para cá, dois fatos que considero chocantes tentaram abalar minhas crenças
Os artigos assinados não traduzem ou representam, necessariamente, a opinião ou posição do Portal. Sua publicação é no sentido de informar e, quando o caso, estimular o debate de problemas e questões do cotidiano e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo
Meu olhar para a sustentabilidade sempre deu match em duas questões: gestão de resíduos e liderança feminina, causas às quais prometi lealdade eterna. Mas haja fé… de uma semana para cá, dois fatos que considero chocantes tentaram abalar minhas crenças. A eles.
– Veio às claras que o Brasil compra muito “lixo”, apesar de reciclar menos de 5% dos resíduos que produz. Para cumprir a lei, empresas compram material reciclado importado para “cacarejar” práticas sustentáveis, e o governo quebra o galho facilitando a importação. Não é ilegal, mas para mim é imoral, porque ao fechar os olhos para a oportunidade que temos ao investir na cadeia de reciclagem, aculturando o brasileiro sobre a economia circular, proporcionando inserção dos catadores no mercado, e eliminando a utilização dos lixões, penso que não é que tem algo estranho no Patropi, tem é algo doente em nosso sistema. Governos facilitam e empresas se aproveitam – certeza de que todas alardeiam “responsabilidade ambiental” em seus relatórios. “ESG, check“. Ah, vá, literalmente, se catar!
– “Deus me livre de mulher CEO!”. O impacto dessa frase não teria sido tão grande se não tivesse sido escrita pelo CEO de um importante grupo educacional que ganha muito dinheiro vendendo formação para… gestores! A incoerência do posicionamento escancara o desafio que mulheres enfrentam ao se lançarem no ambiente corporativo, gerando valor com suas soft skills – tanto inteligência quanto múltiplas visões -, além de currículos técnicos (formações, experiências profissionais), mas o abismo do preconceito ainda se revela de onde menos esperamos!
Nada contra o moço querer ter uma esposa do lar… Mas ao dizer “Deus me livre de uma mulher CEO!”, revelou, na verdade, um defeito do cargo, e não de quem o ocupa. Mulheres podem ser CEOs, sim, todos conhecemos várias. Mas para ser o tipo de CEO a quem esse sujeito se referiu, talvez não valha a pena mesmo. Gente que compra o reciclado importado para dar check no ESG… Lideranças femininas podem muito mais do que isso! Então, um sonoro vá se catar, moço! Recicle suas ideias.
Mas nem só fatos chocantes deram o tom do momento. Semana passada, Telines Basilio, conhecido como Carioca, presidente e fundador da Coopercaps, uma das principais cooperativas de reciclagem do país, recebeu o título de Cidadão Paulistano por seu incrível trabalho junto a 5 centrais de triagem de resíduos. Foi ovacionado em um salão lotado, formado por catadores e autoridades.
A homenagem foi iniciativa da vereadora Sandra Santana, uma liderança feminina paulistana, que ao propor que um carioca se tornasse cidadão paulistano, mostrou o quanto a sensibilidade feminina faz por questões tão importantes quanto a reciclagem. Ao lado do Carioca no evento esteve Margarida, sua esposa, exaltada como a grande parceira de vida. Um salve ao Carioca, à Sandra, à Margarida e a todos que não escolhem o atalho (da importação de “lixo” ou do preconceito de gênero), mas empreendem a jornada certa.
Eleine Bélaváry é bióloga e diretora da Connexion Negócios Sustentáveis
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