Eu odeio meu trabalho: uma epidemia silenciosa
A linha de amor e ódio com o trabalho por vezes é tênue: gostamos do respaldo que ele nos traz, mas o custo psíquico pode ser muito alto
Por Débora Gusmão Telles
Uma das queixas mais frequentes que traz um paciente para terapia é o próprio trabalho. Geralmente ele consegue colocar e até acredita ter outras áreas que talvez precisem de ajuda, mas o trabalho é, de longe, o ponto mais inflamado da vida. Se olharmos um pouco o contexto, há poucas décadas o trabalho era considerado parte da vida de alguém, mas não era muito imbuído de tonalidades afetivas: no máximo, dizíamos “fulano tem um bom trabalho”, como se fosse algo binário. Contudo, nos últimos tempos, o trabalho tem ganhado um papel mais sofisticado e passamos a sobrepor nele a necessidade de ser algo que nos preencha, alinhado com nossa missão ou propósito de vida e que venha a responder a uma demanda interna muito particular, que nem nós mesmos sabemos qual é. À essa mistura, somamos o fato de sermos o país que lidera o ranking de ansiedade do mundo.
Com esse bom conflito instalado, estamos passando por ondas de burnout, burnon, quiet quitting e uma série de outros sintomas que impactam diretamente a saúde mental. Recentemente, Sasha Meneghel revelou ser workaholic em uma entrevista. Esse tipo de dedicação extrema ao trabalho muitas vezes é romantizado, uma vez que vivemos em uma sociedade que parece atrelar o valor de alguém pelo título do cargo, faixa salarial ou por quanto tempo a pessoa trabalha ou se faz extremamente necessária em seu ofício. Estamos vivendo um tempo marcado por movimentos pendulares em que hora bradamos no peito o quanto trabalhamos demais e somos profissionais de alta performance muitíssimo dedicados mas, dali a pouco, um outro momento em que não conseguimos sustentar essa posição e vamos para o extremo oposto: onde não aguentamos mais o trabalho e a simples ideia de começar tudo de novo na segunda-feira nos causa uma angústia sem tamanho.
A linha de amor e ódio com o trabalho por vezes é tênue: gostamos do respaldo que ele nos traz, mas o custo psíquico pode ser muito alto. E a cobrança pode ser tanto externa – como no caso óbvio de se ter um chefe ou uma empresa bastante demandante – ou até mesmo interna, em que nós mesmos buscamos corresponder àquele ideal que temos plotado. Em ambas as situações, o trabalho deixa de ser uma parte da vida e pode passar a ocupar um espaço muito maior, consumindo energia, tempo e, muitas vezes, boa parte da saúde mental de alguém.
Quando alguém diz que odeia o trabalho, há de se analisar os aspectos envolvidos nessa queixa. Os fatores mais pragmáticos e superficiais também são importantes, dado que muitas vezes passam pelo esgotamento físico e mental, a sensação de estar preso em uma rotina que não faz sentido ou inserido em um ambiente hostil. Contudo, existe uma camada mais intrínseca, onde precisamos analisar a subjetividade de cada um, passando pelo conjunto de crenças, valores, projeções e todos os demais aspectos da psique de cada um, que na maioria das vezes não são conscientes.
Tanto o amor quanto o ódio pelo trabalho podem mascarar fugas, uma busca incessante por validação, vício em produtividade etc. De qualquer forma, nos dois casos, o resultado é o mesmo: desequilíbrio e sofrimento. E isso, se não elaborado corretamente, tende a ficar pulsando dentro de nós e gerando sintomas, que vão ressoar de diversas maneiras: desde sentir um cansaço constante, a dificuldade de se desconectar, a falta de tempo para amigos, família ou hobbies, até problemas físicos, como insônia, taquicardia, ansiedade ou até mesmo uma doença autoimune.
Sendo assim, o primeiro passo é identificar que de fato existe um problema e buscar redefinir o significado do trabalho e a relação com ele. Buscar autoconhecimento ajuda a identificar o que realmente nos motiva e quais são os limites que precisamos estabelecer para manter o equilíbrio.
Seja qual for o seu sentimento com relação ao trabalho, saiba que ele não precisa definir quem você é. O equilíbrio começa com pequenas mudanças e com a decisão de cuidar de si mesmo acima de tudo.
Débora Gusmão Telles é Psicóloga Clínica e empreendedora com ampla experiência no mundo corporativo. Formada em Psicologia pela PUC-SP e com CBA pelo Insper-SP, construiu uma carreira sólida em grandes multinacionais, em Recursos Humanos. Com mestrado em Psicologia Clínica e especialização em Terapia Familiar e de Casal. Desde 2015, concluiu mestrado em Psicologia Clínica e obteve o título de Especialista em Terapia de Casal e Familiar e abriu seu próprio consultório de psicologia, atendendo adolescentes, adultos e casais. Débora também é autora do livro Escolha Profissional: O que você precisa saber para não errar (2024), e co-autora dos livros Família e Comunidade: Interfaces da Psicologia Clínica (2022) e Com-vivendo com a adolescência nos dias atuais (2021).
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