Rotular ou estereotipar comportamentos e caracterizar pessoas por eles, pode levar à discriminação e ao bullying
A Dolce Criança traz hoje uma série de questões relacionadas ao tema, feitas por pais de crianças e adolescentes aos psicólogos Cynthia Wood Passianotto e Luciano Passianotto que buscam esclarecer e orientar quanto ao que pode ser feito.
O perigo do rótulo
Cynthia Wood Passianotto
Como inicia e se desenvolve nas crianças o hábito de “rotular” o outro pequeno? Começa com o aprendizado em casa? Ou na escola ou seguindo o exemplo de outros amiguinhos?
O fato de rotular é ligado à uma característica cognitiva humana, de criar estereótipos. As crenças generalistas sobre um grupo ou tipo de pessoa não são necessariamente negativas e isso ajudou nossos ancestrais a sobreviverem em inúmeras situações, mas quando combinado a sentimentos de medo ou hostilidade tende a se transformar em discriminação. Um ambiente permissivo com essa atitude leva crianças a agirem de forma não-consciente e automática, sem se dar conta do mal que podem causar.
Sabemos que os adolescentes, muitas vezes, aderem ao hábito de “zoar” com colegas fazendo coro aos apelidos maldosos dados, em geral, pelos mais dominantes, só para serem aceitos. Mesmo que isso vá contra o que aprendeu em casa. E nas crianças, essa ideia também prevalece? É mais fácil de trabalhar desde pequenos esse problema?
Pessoas são competitivas e as crianças não são diferentes quanto a isso. Alguns acreditam que precisam se impor frente ao grupo para garantir uma imagem de destaque ou consideração. A importância da construção dessa imagem pode em alguns momentos se sobressair ao que foi educado, mas existem também as falhas difíceis de se perceber na educação da criança, como por exemplo ensinar que não se deve falar de determinado modo com os pais ou com adultos é diferente de se ensinar que não devem falar ou agir dessa forma com todos, dando margem para à criança ter sua interpretação tendenciosa da educação recebida. De toda forma, quanto antes esses valores forem passados mais fácil será assimilá-los.
Como influencia a imposição de rótulos, gordo, feio etc., por um grupo em uma criança menor?
As crianças menores têm menos experiências que permitem conhecer melhor as formas de lidar com esse tipo de investida, portanto são mais propensas a serem mais afetadas por esses rótulos. Isso pode afetar sua autoimagem, autoconfiança e autoestima.
E quando é a família (pai, mãe, irmãos mais velhos) que começa a rotular uma das crianças com um “você é burro” idiota ou outros tantos adjetivos? Existem conseqüências para esse hábito que parece ser relativamente freqüente entre as famílias?
Sim, pode haver graves consequências. A família é o primeiro modelo usado pela criança para a construção da sua identidade e ela tende, pela falta de conhecimento natural da idade, a acreditar mais no que vem da sua família. Adjetivos pejorativos podem ser internalizados e tidos como verdade, o que dificulta inclusive seu desenvolvimento quanto ao que é criticado.
Como a criança “interpreta” o fato de ser chamado permanentemente de burro por seus pais ou irmãos? E como pode reproduzir essa hábito de ser sempre rotulado disso ou daquilo? Quais as consequências para o futuro, se é que podemos imaginar que possam existir?
A criança pode sentir isso como uma agressão gratuita e sentir que não é amada por não ser boa o suficiente. Isso cria dificuldades no desenvolvimento de vínculos e relações afetivas com outras pessoas no futuro. Pode também se “acomodar” com esse rótulo aceitando-o, não havendo, portanto, motivação para o desenvolvimento das qualidades criticadas. Isso piora sua postura frente ao que é criticado e afeta duramente sua autoestima. A estratégia para superar ou reverter essa situação é diferente dependendo de cada caso, mas um trabalho de conscientização sobre suas qualidades e defeitos é um excelente primeiro passo para se elaborar formas de lidar com a situação.
Essa criança “rotulada” com frequência pode se tornar uma futura vítima de bullying mais tarde ou até mesmo um agressor?
Caso a criança não consiga superar ou lidar com essa questão, ela pode ter reações muito inadequadas quando diante de situações que remetam a esses rótulos. Essas reações podem ser de desestruturação emocional, pânico, catatonia, descontrole, comportamentos autodestrutivos ou agressão. Como forma de defesa ela pode também tentar reverter papeis, vitimando aqueles à sua volta.
O que leva crianças pequenas, de cinco ou seis anos a perseguirem outras com brincadeiras maldosas, chamando os amigos de gordinhos, burros, feios e por aí afora? De onde vem essa tendência de rejeitar o que é diferente para ela?
Crianças ainda estão desenvolvendo sua capacidade de sentir empatia pelos outros e muitas vezes pequenas maldades são resultado da falta de experiências e associações e parte desse desenvolvimento. Reconhecer alguém como diferente pode levar a uma despersonificação do outro, relativizando sua atitude para com ele. Existem também casos de crianças com algum transtorno de conduta, com áreas do cérebro ligadas ao comportamento inibitório comprometida. Para estas o diagnóstico e tratamento precoce são muito importantes.
Como os pais podem atuar no sentido de prevenir esse tipo de comportamento em casa, desde que as crianças são pequenas?
Os pais devem ser ativos na identificação e pontuação de comportamentos inadequados logo nas primeiras ocorrências. Desconstruir depois um comportamento já aprendido é muito mais difícil. Os pais devem ser firmes e deixar claras as consequências de seus atos, mas sempre com carinho e amor.
Os papeis principais desse drama
Luciano Passianotto
Qual é o perfil de um agressor? Como se pode perceber em uma criança pequena se ela apresenta esse perfil ou os sinais só vão aparecer mais tarde, na adolescência?
É muito difícil avaliar se uma criança pequena, como menos de cinco anos, apresenta um perfil agressor, considerando que ela ainda está desenvolvendo sua capacidade de sentir empatia e de compreender as consequências de alguns dos seus atos. Mas alguns comportamentos chamam a atenção. Quando crianças ou adolescentes quebram regras deliberadamente, mentem, são violentas com pessoas ou animais, não têm a mínima tolerância a frustrações, tentam manipular os outros e acobertar seus desvios, é sinal de que algo possa ser grave. É mais comum que uma personalidade agressiva seja identificada durante a infância, mas existem casos em que isso só aflora na adolescência.
Por que, em geral, uma criança/adolescente tem uma tendência a ser agressor?
Existem fatores genéticos, neurológicos e bioquímicos que levam uma criança ou adolescente a ter um comportamento mais agressivo, mas em muitos casos essa tendência pode ser reflexo da experiência ou do ambiente, como dificuldades em controlar emoções, expressar angústia ou ansiedade ou chamar a atenção quando se sentem negligenciados. Podem também ser resultado de situações traumáticas ou ambiente inadequado, caso de famílias com muitas brigas ou disfuncionais.
Em casa ele apresenta o mesmo comportamento do que na escola ou não? Esse comportamento pode passar despercebido aos pais?
Pais ausentes, que não se envolvem na educação e desenvolvimento dos seus filhos e que não mantém comunicação com a escola podem não perceber que seus filhos estão tendo comportamentos inadequados fora de casa. Mas mesmo quando a criança age de forma dissimulada, buscando esconder esses comportamentos dos pais, é muito difícil não perceber quando há um envolvimento minimamente satisfatório, considerando a comunicação com a escola.
A vítima
Qual é o perfil da vítima? Quais são os sinais de comportamento?
Muitos sinais podem indicar que uma criança está sofrendo bullying como passar a evitar ir à escola ou mesmo falar sobre ela, mudança no seu humor passando a agir de forma estranha, evitar certas pessoas, aparecer com ferimentos ou hematomas sem explicação, ter problemas para dormir e mesmo começar a apresentar comportamentos agressivos.
Como se pode perceber em uma criança pequena se ela apresenta esse perfil ou os sinais só vão aparecer mais tarde, na adolescência?
Os sinais de desconforto são perceptíveis mesmo nas crianças bem pequenas. É importante estar sempre atento e investigar caso o comportamento dela sofra mudanças sem causa aparente. Conversar bastante com o filho e buscar entender como ele se sente ajuda muito nessa investigação.
Por que, em geral, uma criança/adolescente tem uma tendência a ser vítima de constrangimentos do grupo? Por que não reage?
Algumas características tornam algumas crianças mais propensas a serem alvo de constrangimentos, como crianças com problemas físicos, acima ou abaixo do peso normal, de etnias ou culturas diferentes ou simplesmente muito tímidas. Isso não quer dizer que elas irão sofrer bullying nem que não reajam de forma adequada e revertam a situação caso sofram. Mas em alguns casos a criança simplesmente não sabe como lidar com a situação ou tem medo de reagir e ser agredida ainda mais, física ou psicologicamente, impedindo a sua reação.
Em casa ele apresenta o mesmo comportamento do que na escola ou não?
A postura de vítima pode passar desapercebido aos pais ou pode ser confundido com timidez ou com outro tipo de comportamento, por exemplo.
Tanto as crianças como os adultos tendem a se comportar de forma diferente em ambientes diferentes, principalmente se a criança se sente acolhida em casa e não na escola. Muitas vezes a criança que não sabe lidar com a situação de bullying também tem dificuldade em expressar como está se sentindo em casa, por isso os pais devem sempre ficar atentos às mudanças de comportamento, para entender o que está acontecendo.
Como os pais/educadores podem agir quando uma criança/adolescente de sua família ou de sua sala na escola apresenta uma ou outra tendência: a de dominar ou agredir os outros, ou, pelo contrário, se submeter aos agressores?
É importante não minimizar nem relativizar o que está ocorrendo. O assunto deve ser levado a sério. Mantenha um diálogo aberto com as crianças, busque entender se estão passando por alguma dificuldade que o está fazendo agredir ou se submeter às agressões. Fale com os pais, professores, coordenadores e adultos próximos das crianças envolvidas, tentar resolver tudo sozinho pode não ser tão eficiente. Não acredite que a situação mudou só porque as crianças pararam de falar sobre o assunto, se certifique de que as coisas realmente mudaram. Por último, mostre sempre estar disponível e ao lado delas.
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Envie-as para o e-mail: crescendoeacontecendo@gmail.com
Cynthia Wood Passianotto é psicóloga e escreve quinzenalmente na Dolce Morumbi.
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@cynthia_wood_passianotto e @crescendoeacontecendo
Os artigos assinados não traduzem ou representam, necessariamente, a opinião ou posição do Portal. Sua publicação é no sentido de estimular o debate de problemas e questões do cotidiano e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo
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