No Brasil, o suicídio materno durante o puerpério é uma questão de crescente preocupação, embora os dados específicos sobre sua prevalência ainda sejam limitados
Por Vanya Sansivieri Dossi
Setembro amarelo, mês mundial de prevenção ao suicídio. Pensando nisso, decidi trazer para vocês um grupo de risco que não está listado entre os principais, mas que merece atenção. Estou falando de mulheres no ciclo gravídico puerperal. A perinatalidade abrange o período que vai do início da gestação até o primeiro ano após o parto, e é um aspecto fundamental do bem-estar materno e infantil. Durante esse tempo, as mulheres estão suscetíveis a mudanças físicas, emocionais e hormonais significativas, que podem aumentar o risco de desenvolver condições de saúde mental, como depressão e ansiedade e que pode ocorrer durante o pré-natal ou no puerpério.
O suicídio e a depressão estão intimamente relacionados, sendo que a depressão pós-parto (DPP) pode aumentar o risco de suicídio em novas mães. O que caracteriza a depressão pós-parto é a tristeza profunda, ansiedade, exaustão, e uma sensação de desesperança que interfere na capacidade de cuidar do bebê e de si mesma e de outros filhos caso os tenha. Se não tratada, essa condição pode evoluir para pensamentos suicidas. Estima-se que cerca de 25% a 30% das mulheres brasileiras possam experimentar sintomas de depressão pós-parto, o que é um fator de risco crítico para o suicídio, especialmente em populações vulneráveis e com menos acesso a cuidados de saúde mental.
Um outro distúrbio dessa fase é a psicose puerperal, que é uma condição psiquiátrica grave e que pode levar ao suicídio no período pós-parto. Embora seja menos comum que a depressão pós-parto, a psicose puerperal é uma emergência médica devido à gravidade dos sintomas e ao potencial risco de vida para a mãe e o bebê. Mulheres que desenvolvem essa condição podem experimentar uma rápida e intensa deterioração mental, que pode levar a tentativas de suicídio ou até infanticídio, se não houver intervenção imediata.
Vários fatores podem aumentar o risco de suicídio materno no período pós-parto, incluindo:
- História de depressão ou transtornos de saúde mental: mulheres com uma história prévia de depressão, ansiedade ou transtornos mentais graves, como o transtorno bipolar, estão em maior risco.
- Falta de suporte social e financeiro: mulheres que enfrentam isolamento social ou problemas financeiros estão mais suscetíveis ao sofrimento mental.
- Eventos traumáticos: experiências traumáticas durante o parto ou complicações médicas podem contribuir para o aumento do risco de suicídio.
- Transtornos de uso de substâncias: o abuso de drogas ou álcool também está associado a um risco maior de suicídio pós-parto.
- Falta de ambiente acolhedor e de rede de apoio, exigindo dessa mulher esforços para além dos cuidados com o bebê e si mesma, levando à exaustão física e psíquica.
Embora o suicídio no puerpério seja relativamente raro em termos absolutos, ele é uma das principais causas de morte materna, especialmente em países desenvolvidos, onde as complicações físicas do parto são mais controladas.
Estatísticas e Taxas de Suicídio Materno no Puerpério
Globalmente, estima-se que a taxa de suicídio materno no mundo durante o puerpério varie de 1 a 5 mortes por 100.000 nascimentos vivos. No entanto, essas taxas variam substancialmente dependendo do país e das características do sistema de saúde.
No Brasil, o suicídio materno durante o puerpério é uma questão de crescente preocupação, embora os dados específicos sobre sua prevalência ainda sejam limitados. A subnotificação e a falta de relatórios padronizados dificultam a estimativa precisa das taxas de suicídio materno no período pós-parto. Alguns estudos indicam que o suicídio é uma das principais causas, com foco especial no impacto da depressão pós-parto e de outras condições de saúde mental durante esse período.
Em relação à morte materna tardia, outro estudo realizado no estado de São Paulo, publicado em 2017, observou que cerca de “6% das mortes maternas tardias” (após 42 dias pós-parto) estavam associadas ao suicídio. Esse número é relevante e coloca o suicídio como uma das principais causas de morte materna tardia, juntamente com causas físicas evitáveis.
Alguns dos fatores que aumentam o risco de suicídio materno no Brasil incluem:
- Falta de acesso a cuidados de saúde mental: muitas mulheres brasileiras, especialmente nas regiões mais carentes, não têm acesso adequado a serviços de saúde mental durante a gravidez e o puerpério.
- Violência doméstica e abuso: a violência contra a mulher é um fator relevante no Brasil e contribui para o aumento do risco de problemas de saúde mental, como depressão e suicídio durante o período pós-parto.
- Desigualdade social e econômica: a pobreza e a falta de suporte social agravam os problemas de saúde mental, especialmente em mulheres que enfrentam múltiplas barreiras socioeconômicas.
- Baixo nível de conscientização: muitos profissionais de saúde no Brasil ainda não recebem treinamento suficiente para identificar e tratar de forma eficaz a saúde mental perinatal, o que pode resultar na falta de diagnóstico de depressão e outros transtornos mentais durante o puerpério.
Tratamento e cuidados
O tratamento pode incluir terapia, medicação, grupos de apoio e intervenções sociais. É essencial criar um ambiente de apoio e compreensão tanto para a gestante quanto para a nova mãe. A sociedade como um todo precisa reconhecer a importância da saúde mental perinatal e trabalhar para reduzir o estigma associado a esses problemas.
Se você ou alguém que você conhece está passando por dificuldades durante a perinatalidade, é crucial buscar ajuda imediatamente. Conversar com profissionais de saúde, como obstetras, pediatras e psicólogos, pode ser o primeiro passo para obter o apoio necessário e garantir a segurança e o bem-estar de ambas as vidas envolvidas.
Vanya Sansivieri Dossi é psicóloga formada pela UNIP e pós-graduada em Sexualidade. Trabalha com a população LGBTQIA+ e colaboradora do AMTIGOS – Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual. Também atua na área da reprodução assistida e sexualidade.
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