Crescendo e Acontecendo com Cynthia Wood Passianotto

Educar se dá na prática também, preferencialmente

A psicóloga Cynthia Wood Passianotto | Divulgação

Por Paulo Maia

Vemos sempre a questão da educação em nossa sociedade com grande importância, mas não raro, às vezes, a tratamos como a menor das prioridades.

Sempre julgamos que temos condições de melhorar a educação, mas geralmente vemos que essa é um trabalho do governo e esperamos que os políticos resolvam. Sim, eles deveria estar trabalhando nisso com mais prioridade e importância, com certeza, mas educar é uma tarefa gigantesca e que envolve uma série de variáveis que aos olhos leigos, tende a ser confundida com algo que poderia ser resolvido de forma mais simples.

Não é bem assim. Educação é algo sério que deve estar na pauta de todos nós, de forma que possamos, em nossas atitudes, desempenharmos nossos papéis como cidadãos, pais, mães, filhos, amigos etc. Educar se dá na prática também, preferencialmente.

É o que podemos tirar da conversa que tive com nossa colunista Dolce Criança, Cynthia Wood Passianotto. Psicóloga formada pela Universidade São Marcos, com especialização em Neuropsicologia e em diversas outras áreas que focam na formação infantil e adolescente. Mãe de dois filhos, casada com o também psicólogo Luciano Passianotto desde 2000.

Mineira de Poços de Caldas, diz que já sabia desde criança que queria ser psicóloga. Fora na convivência da família, sempre unida, e  na companhia de quase trinta primos, a maioria mais jovem que ela, que lembra ter tido um convívio muito bom com todos e que sabia lidar com eles no dia a dia, sempre conversando, entendo os pontos de vistas, agindo por vezes como intermediadora de conflitos, mas que no final, apontava sua inclinação em harmonizar situações com uma vocação para um ensino de como podemos conviver e aprender com todos. Uma habilidade reconhecida até hoje por todos. Vez ou outra, Cynthia ainda é procurada pela família que busca por seus “conselhos”!

Mas confessa que psicologia não era a preferência de seu pai. Ele queria medicina, mas a convicção de Cynthia falou mais alto e ela veio para São Paulo, então, cursar e estudar psicologia.

Foi na São Marcos que conheceu Luciano logo no primeiro ano. Um ano depois estavam casados! Fizeram a faculdade juntos e em 2004 se mudaram para Campinas, por conta do trabalho de Luciano, e lá, Cynthia abriu sua clínica Crescendo e Acontecendo.

Também em Campinas, ela teve uma forte experiência ao trabalhar com uma ONG que cuidava de crianças carentes e da periferia, especialmente aquelas em situações de risco em violência doméstica, sexual e de abandono. Este período a ajudou profundamente na sua formação profissional, não apenas com o trabalho diário, mas através dos diversos cursos e especializações que fizera, dando-lhe um conhecimento bem estruturado e base para as demais especializações e estudo que viria a fazer, dando ênfase justamente na infância e adolescência.

Em 2009 retornaram a São Paulo e Cynthia trouxe com ela sua clínica, já para o bairro do Morumbi.

Em quase duas horas de conversa, Cynthia não apenas me contou sua trajetória na sua formação em psicologia e o que a motivou a escolha dessa carreira, mas também expôs um pouco seus pensamentos sobre educação e um olhar bastante crítico ao atual momento em que vivemos.

Ela entende que educar está além de capacitar seres humanos com conhecimento. É essencialmente acompanhar e analisar o que se desenvolve físico e biologicamente conosco, na medida em que vamos ganhando idade, para entender se estamos aptos a sermos cognitivos, ou seja, entender em que momento de nossa infância temos condição de conhecer o que é possível.

Espaços da Clínica Crescendo e Aprendendo de Cynthia Wood Passianotto

Ela faz uma observação contundente, por exemplo, em relação à lei de 2010 que alterou a idade mínima para a criança começar sua vida escolar, como uma tentativa de evitar a evasão escolar. O ensino educacional brasileiro passou a admitir a matrícula de uma criança de 6 anos para o primeiro ano escolar, porém, essa é uma idade ainda não ideal para o início da alfabetização, no geral. “Até os 6 anos, nosso cérebro não está totalmente preparado, psicologicamente, para, por exemplo, ficar sentado em uma sala de aula olhando o professor escrever na lousa… sua atenção ainda é difusa… a coordenação motora ainda não está, também, totalmente pronta para a iniciação da escrita e leitura… a criança se perde no processo, fica para trás, tira notas ruins, cresce o desinteresse e mais para frente acaba abandonando a escola…”, comenta Cynthia.

Outro ponto importante é o processo da passagem dos anos escolares. Hoje, raramente reprova-se alguém por vários motivos. Um dos principais é a baixa nota média que se obtém. O contingente é grande e, portanto, reprová-lo é praticamente ter inchar certos períodos. E isso acaba por promover um processo nocivo. “A criança passa de ano, mas sem aprender nada! E, ao se defrontar com o conteúdo novo do período seguinte, é desestimulada por não entender e não aprender, acabando por, novamente, desistir da escola”, complementa.

O sintoma de tudo isso chega em seu consultório através das crianças. Ela percebe a distância entre muitas delas, assim como a grande preocupação dos pais que não fazem a menor ideia das várias e diferentes causas dos problemas de cognição dos filhos.

Outra grande questão que muitas escolas, especialmente as públicas, tentam lidar atualmente é com a chamada inclusão social. Crianças que apresentam deficiências das mais variadas tentam se adequar aos processos educacionais existentes e, consequentemente, ineficazes para eles. São poucas as instituições, a maioria particular, claro, que trabalham junto com a psicologia e a neuropsicologia no sentido de estabelecer projetos que lidem concretamente com deficiências congênitas ou de dificuldades cognitivas, como o TDAH, por exemplo.

Há escolas que criam programas bem adequados aos nossos diagnósticos e orientações quando apresentamos… Eles tem psicólogos e profissionais adequados para lidar com várias situações anômalas. Muitas dessas instituições investem em treinamento e conhecimento específico, mas são poucas… o ensino público não faz isso e sequer tem profissionais que podem ajudar”, comenta a neuropsicóloga.

Cynthia divaga e sugere que o professor, seja em qualquer nível, carece de um processo contínuo de certificação para o exercício da profissão. Algo como OAB ou CREA, que pudesse determinar se aquele profissional que se apresenta como professor está habilitado para tal. E que devesse ter programas de reciclagem, não apenas no conhecimento, mas na conduta, no comportamento etc., afinal, a sociedade é um organismo vivo que cresce, se transforma o tempo todo e se relaciona com uma realidade que se altera em uma velocidade muito grande, por exemplo, ao pensarmos em como a tecnologia nos afeta profundamente, mudando hábitos e relações sociais, para o bem e para o mal.

Mas Cynthia reflete que ainda que estruturas educacionais venham a se caracterizar por suas complexidades para atender às transformações da sociedade, ela chama a atenção de que ainda é o detalhe da interação humana que pode fazer a diferença, se não para muitos, mas para aqueles que respondem a estímulos na direção da educação e do aprendizado, não apenas em termos de conhecimento, mas principalmente no comportamento em que se dá as relações humanas.

Ela se sente ainda aquela menina que brincava com os primos em Minas Gerais, quando senta-se ao chão com as crianças para escutá-la, dando-lhes uma atenção genuína e mostrando que se importa. Qualquer pai, mãe e adulto que lida com crianças sabe quando elas estão prestando atenção e entendendo que o que estão ouvindo é importante.

Cynthia parece ter também uma vocação em perceber quando a inocência da infância se vai e dá lugar à dissimulação. Parece ser neste momento em que ela sabe como trazer sua atenção de volta e resgatar a vontade de aprender.

Sobreviver com dignidade e decência nestes tempos modernos exige uma destreza que vai além de nossas habilidades manuais. Viver em grupo, em sociedade, exige o uso de nossa inteligência e da capacidade de nossa consciência em conhecer e entender a realidade. E somente com o uso da cultura, da simbologia e de sistemas de significados, podemos aspirar ao convívio e às maneiras de se relacionar com o mundo, prestando atenção, claro, às mudanças que inevitavelmente surgem.

Mas sem educação, basicamente não há espaço para a civilidade e consequente oportunidades do desenvolvimento humano.

Crescer sem aprender nos leva a caminhos da barbárie e a sobrevivência fica totalmente comprometida. Crescer aprendendo sobre nossa condição, o mundo em que vivemos e como devemos nos relacionar com os outros, continua sendo a melhor, se não a única, maneira de ser o responsável por buscar fazer deste mundo um lugar melhor do que o encontramos.

Cynthia Wood Passianotto é psicóloga com especialização em neuropsicologia. Fundou e dirige o espaço Crescendo e Acontecendo e se dedica no trabalho educacional e de orientação à educação de crianças e adolescentes há mais de 20 anos.

Acompanhe a Cynthia também pelo Instagram:
@crescendoeacontecendo

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Foto por Renata Dall'Osto (@butia_fotografia)

Paulo Maia é editor do Portal Dolce Morumbi®

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