É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã

Eleine Bélaváry

A Finitude da Vida

Neste último ano, recebemos constantes notícias sobre milhares de mortes causadas pelo Covid-19 e isso nos tem levado a lidar todo dia com algo sobre o qual não gostamos de pensar muito: a finitude da vida, um pensamento essencial para vivermos uma experiência com mais significado.

Pessoalmente, este mês sofri a perda súbita de um familiar muito querido e, agora, acompanho a luta de dois outros entes muito importantes na minha vida que tentam bravamente vencer esse vírus. Os sentimentos que esses acontecimentos têm provocado em mim levaram-me ao tema deste artigo, que é muito baseado nos pensamentos da Profa. Lúcia Helena Galvão, uma renomada filósofa que acompanho há anos.

As únicas certezas que temos é de que vamos envelhecer e morrer. No entanto, curiosamente, fingimos que não é com a gente, como um mecanismo de defesa que criamos para não sofrer antecipadamente. Mas, se pararmos para pensar, todo dia morremos um pouco, deixamos algo de nós para trás, em constante processo de transformação. Nunca sabemos quando será a última batida do nosso coração. Assim, é fundamental encararmos a nossa finitude sem medo, mas com respeito e sabedoria.

Ter a morte como uma grande conselheira, principalmente para avaliarmos de que forma estamos vivendo, é uma verdadeira injeção de lucidez. O filósofo estoico Marco Aurélio declarava que devemos tomar a morte como aliada para reordenarmos a nossa vida e colocar os pés no chão, enquanto antigos pensadores diziam que viemos ao mundo essencialmente para elevarmos a nossa consciência a um patamar cada vez mais humano, cada vez mais próximo do Divino. Nesse contexto, as adversidades têm importante papel para a nossa evolução.

Fundamental também é termos clareza sobre o que realmente importa. Que virtudes nos definem, que atributos nos descrevem? Quais são os nossos sonhos de curto, médio e longo prazo? Quem somos e que recado viemos dar ao mundo? Ao estarmos conscientes de que tudo é transitório, passamos a valorizar a vida que a gente tem, as escolhas que estamos fazendo, as relações que estamos ou não cultivando, o sentido de nossa vida. Refletir sobre a nossa impermanência é um processo de autoconhecimento e profundo amadurecimento.

Do ponto de vista da filosofia budista, a vida acontece alternando-se entre as duas formas de realidade: matéria e energia. Mas como não conseguimos ver a vida no estado de morte por meio dos cinco sentidos, muitos sentem profundamente que, ao partirmos, desaparecemos completamente, quando na verdade, continuamos existindo, modificando-se apenas o estado de consciência.

Todos os homens morrem, mas nem todos vivem de verdade; apenas sobrevivem e desperdiçam a preciosa oportunidade da experiência humana. No entanto, a morte desvenda a mentira sobre a vida e, no momento derradeiro, somos invadidos por um amor incondicional, reconhecemos nossos erros, ficamos mais lúcidos sobre o que realmente nos acompanhará pela eternidade, que são as experiências e emoções vividas… e resolvidas!

Viemos ao mundo para agregar valor à humanidade, para viver com propósito, para nos tornarmos mais humanos e deixar um legado. Somente assim nos eternizamos. No entanto, muitos passam a vida na zona de conforto, com preguiça de buscar uma consciência maior, vivendo como zumbis existenciais, que não olham para si mesmos, não refletem sobre quem é nesse imenso universo, não se importando com as pessoas ou com o planeta. O conhecimento só vale se for para nos tornarmos melhores e, segundo um clássico budista, “mais do que mil palavras sem sentido, vale uma única palavra que traga consolo a quem a ouve”. Então pergunto: que palavra dará sentido à sua vida?

Muitas vezes, deixamos de usufruir momentos preciosos por manter o foco em conquistas materiais que, de verdade, não levaremos com a gente. Ficamos tão apegados a elas e não entendemos que são somente “empréstimos” temporários. Mas a nossa essência, a nossa identidade são valores permanentes, as impressões que ficam. Por isso o sábio filósofo Sri Ram nos aconselhava sempre: “Constrói a tua barca!”.

Você constrói a sua “barca” quando se mantém firme sobre uma verdade na qual você possui raízes profundas de percepção, mesmo que toda a humanidade a questione ou negue. Esta verdade é a sua “barca” através da qual a sua consciência poderá navegar pelas águas da eternidade, porque ela terá algo que transcende o tempo e nada nem ninguém poderá roubá-la de você.  Por isso, construa a sua “barca” com tábuas impregnadas de eternidade como o amor, a justiça, a compaixão, o altruísmo, o compromisso com a humanidade, entre tantos outros valores absolutos.

Saboreie cada segundo de sua vida como se fosse o último; medite e conecte-se com o todo; aprecie a beleza do pôr do sol; contemple a natureza; pratique a empatia; sinta a emoção de alimentar a alma e o coração das pessoas com o seu acolhimento; esteja onde for útil; diga “eu te amo”; enfim, viva a verdadeira experiência de ser humano. E ame como se não houvesse amanhã!

Eleine Bélaváry é moradora do Morumbi, bióloga e Sócia proprietária da Connexion Negócios Sustentáveis

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