A verdadeira eloquência consiste em dizer tudo o que é preciso e em só dizer o que é preciso.
François La Rochefoucauld
A profusão de frases que pululam na Internet, especialmente nas Redes Sociais que vemos todos os dias, ilustradas em memes com a intenção de nos chamar a atenção, criticando ou saudando nossas posturas, opiniões e crenças sobre a realidade, a vida e até da consideração alheia, na maioria das vezes é uma aporrinhação total. Não as frases em si, exatamente. É mais pela invasão desmedida e a pretensa sabedoria que elas nos trariam. Difíceis de serem evitadas porque, infelizmente, vagam nos meios em que invariavelmente hoje precisamos usar em nosso cotidiano.
Entre risos, surpresas e decepções – quando não aborrecimentos – vemos, claro, que quando nos debruçamos sobre o que a linguagem nos traz do significado ou das contradições entre o que fazemos e o que pensamos, o resultado muitas vezes revela bastante sobre nossa natureza. Há uma imagem em nosso espelho nos dizendo a toda hora que não somos os mais belos do reino.
Parece que a intenção é sempre nos dar um puxão de orelha sobre possíveis pecados que cometemos, chamando-nos ao constrangimento em relação a desvios de uma suposta retidão. Ou de nos dizer o quanto pequenas são nossas ambições quando não percebemos as belezas da vida ao darmos atenção e importância tola a minúcias de nossas vaidades.
Minha crítica é pela insistência desse tipo de postagem, em muitos casos, pela repetição das frases, sempre assinadas por alguém famoso para impor respeito e validar o argumento. É como se dissesse “olha, quem está falando isso aí, sabe das coisas”. A pretensa inteligência ou epifania que a frase busca desvelar é o que deveria nos tirar do chão. Ou removê-lo debaixo de nós. Legado dos moralistas.
A corrente moralista ganha contornos mais consistentes entre os séculos XVII e XVIII entre os pensadores Franceses. A coisa meio que nasceu com Montaigne (1533 – 1592) quando ele inaugura um estilo de escrita com seus Ensaios. Nesta obra, ele critica instituições, opiniões e costumes da época, produzindo o que mais tarde seria chamado de Humanismo, uma vez que seus escritos focam em uma filosofia moral, a qual coloca os humanos em evidência em uma escala de importância.
Mas os moralistas ficam mais conhecidos como os grandes especialistas do comportamento, da alma e da natureza humana. Vigilantes e observadores, estavam sempre atentos à mentalidade e aos costumes da época. Entre os principais destacam-se François de La Rochefoucauld (1613–1680), Jean de La Fontaine (1621–1695), Blaise Pascal (1623–1662), Jean de La Bruyère (1645–1696), Stendhal (1783–1842) entre tantos outros. Nietzsche e Albert Camus foram leitores desses gênios e eles próprios cunharam suas reveladoras opiniões.
Frases como “A hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude” é sem dúvida uma pérola de La Rochefoucauld e parece nos deixar inteiramente nus diante dos outros e de nós mesmos, enrubescendo nossa mal lavada face. Ou como “o silêncio, tal como a modéstia, ajuda muito numa conversação”, de Montaigne, nos leva a reflexões imediatas e a um certo sorriso tímido que fazemos a nós mesmos, como se disséssemos, “e não é que é a pura verdade?”.
Segundo conta a história, seriam frases para serem ditas ao cruzar com alguém em uma festa. Sendo curtas e contundentes, podiam ser sussurradas brevemente nos ouvidos, provocando risos ou atitudes indignadas dependendo do peso e da relevância que a mensagem provocava. Cinismo e ironia quase sempre davam as cores aos comentários.
Quando bem construídas e realmente endereçadas às contradições ou peculiaridades da natureza humana, valem mais do que muitos compêndios filosóficos ou psicológicos. Na verdade, acabam sendo proposições que traduzem estes em termos leigos para nós, pessoas comuns.
Por isso ainda fazem muito sucesso em qualquer meio. Eu mesmo tenho começado meus textos com uma frase servindo, às vezes, quase como uma epígrafe. Claro, pode ser um vício de estilo e se não tiver propósito, se torna banal, eu sei disso. Sei também que corro o risco de pôr tudo a perder, seja lá o que for. Paciência. É o meu sussurro em seu ouvido, caro leitor e cara leitora!
Mas minha observação, que é na verdade mais uma reclamação do que crítica, não é pelas frases em si ou pelos seus significados, quando há algum. É mais, talvez, pela leitura que faço das ações das postagens nas Redes Sociais. Quando surgem em demasia e de forma indiscriminada, viram apenas ruído e poeira sufocando justamente quem precisa de espaço para apreender o que de significativo tem aquela mensagem sobre a anatomia da natureza humana.
Talvez tenhamos que compreender que o efeito de uma frase poderia ter mais força se usada em momentos adequados. Para criarmos um resultado desejado, temos que “pegar” nossa vítima em seu momento mais descontraído ou frágil. Ou seja, pegá-la desarmada. Para nosso deleite – e pecado inconfesso – ver nosso interlocutor nos segundos seguintes de total silêncio, surpreso e de olhos arregalados, refletindo sobre o que escutou, é o nosso prêmio.
Há lugar e tempo certo para tudo. Afinal, somos humanos. Demasiados humanos!
Paulo Maia é publicitário, um pensador livre e morador do Morumbi que mantém sua curiosidade sempre aguçada
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