Quem nunca usou um filtro que atire a primeira pedra!
Todos já usamos e apreciamos muito o upgrade de nós mesmos com a pele mais lisa, sem olheiras, olhos simétricos, nariz afilado e as bochechas rosa. Costumamos ter uma visão irreal do que somos, do que aparentamos e, de uma hora para outra, todos acordamos naturalmente belos.
Se pensarmos bem, vemos mais a nossa imagem dentro do telefone do que fora dele.
“Será que preciso retocar o batom?”.
Em vez de sacar um espelho da bolsa, usamos a câmera de selfie do celular mesmo estando em casa. Tudo se modificou de acordo com esse espelho que está em nossas mãos quase que 24 horas por dia.
Só que diferentemente do espelho da Rainha Má da Branca de Neve, o celular se utiliza de inúmeros recursos artificiais para fraudar a verdade, mostrando a sua melhor versão através dos filtros.
As redes sociais nos coagem a sempre maximizar o que é belo. Se antes a beleza seguia elementos definidos e mais permanentes, agora essa superexposição cobra ainda mais do nosso corpo e rosto.
Nesse contexto, imagens surreais viram referência de beleza e afetam a autoestima dos usuários, resultando no consumo exagerado dessas imagens, especialmente entre jovens.
Segundo a psicóloga Rogéria Taragan, para algumas pessoas a percepção ou o sentimento é de que aquelas imagens são a realidade e que a perfeição existe e deve ser buscada a qualquer custo. “Isso revela uma dificuldade de entrar em contato com as próprias imperfeições e de aceitá-las como algo natural e humano”, analisa.
Essa busca pelo padrão estético resultante dos filtros criou uma situação paradoxal em que o usuário precisa esconder o seu “eu” verdadeiro, em troca da exposição do “eu” que gostaria de ser. Esse comportamento bastante recorrente nos jovens adultos vem gerando uma série de problemas de autoestima, emocionais, até mesmo levando à depressão.
A forma como as celebridades, a mídia e a internet influenciam as pessoas colocou a síndrome de Borderline no topo, causando distúrbios de personalidade.
É uma batalha de avatares que está afetando pessoas mais do que poderíamos imaginar. Hoje em dia tudo acontece na velocidade da luz e mal temos tempo para absorver as novidades, portanto seguimos com a correnteza da tecnologia sem dispender muito tempo raciocinando sobre as consequências.
Não são raros os pacientes de cirurgia plástica mostrando fotografias no celular, pedindo réplicas de imagens que não são reais: “gostaria que meu nariz ficasse exatamente como esse” ou “que minha mama fique dessa forma”.
Os filtros causam uma certa distorção do que é autêntico ou não, confundindo realidade e fantasia.
E os aplicativos de relacionamentos?
Se você está solteiro e quase “desaparecendo” por detrás dos filtros, saiba que você pode até estar perdendo chances de ter encontros – 9 em cada 10 (93%) dizem que se a pessoa parecesse alguém diferente em cada uma de suas fotos, isso os impediria de ir a um date com ela. 4 em cada 5 pessoas (81%) também admitiram que usar muitos filtros e edições são motivos para recusar a investida.
Além, claro, em caso de match, aguarde o mico titânico de ter que comparecer ao encontro com o rosto e corpo completamente diferentes do app. Saia justíssima, bonita!
Os maquiadores também são afetados pelo excesso de filtros. Um bom exemplo é o Halloween, a época mais esperada para manifestar todo nosso talento e criatividade.
Pois bem, ano passado eu fiquei mais de 3 horas fazendo uma maquiagem do personagem Morbius (um vampiro) e outras 4 horas replicando o amedrontador Gollum (Senhor dos Anéis), quando pessoas me perguntaram quais filtros eu havia usado.
Bonitas, confesso que me senti frustrada e insultada!
Mais tarde, comentando o ocorrido com meu filho, ele me explicou que eu deveria me sentir honrada ao ter uma maquiagem confundida com um filtro de IA. Cá entre nós, não há honra em ser comparada à uma big data inanimada e dotada de criatividade estéril.
Vivemos em uma sociedade superexposta, da hipervisibilidade. Publicar uma foto sem intervenção nenhuma, sem esconder aquela espinha no queixo, tornou-se um ato de coragem.
Claro que filtros não são a invocação do mal, nos divertimos muito alterando nossos rostos, dos nossos pets, cenários etc.
Mas cada pessoa carrega detalhes únicos, tanto emocionais quanto físicos, não devendo haver um padrão fixo e duradouro de beleza a ser seguido por todos.
Sabe aquele efeito manada do Facebook no Dia das Crianças, quando todos postam fotos da infância no perfil?
É isso! O mesmo ocorre com os filtros; usem, eles estão incorporados na nossa sociedade, mas não a ponto de não sentirem prazer ao se olharem no espelho, combinado?
Lembrem-se que o espelho de verdade sempre responderá com sinceridade!
Os artigos assinados não traduzem ou representam, necessariamente, a opinião ou posição do Portal. Sua publicação é no sentido de estimular o debate de problemas e questões do cotidiano e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo
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