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Syrenia

Ela iluminava a escuridão com a pele alva perante a eles, tão magnifica quanto uma estrela do mar

Os artigos assinados não representam, necessariamente, a opinião do Portal. Sua publicação é no sentido de informar e, quando o caso, estimular o debate de questões do cotidiano e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo

Um conto de Simone Rodrigues

Adonis verificou o vento que agitava o tecido das velas.

Embora ele ouvisse desde pequeno sobre os perigos de navegar ao fim da tarde em águas como aquelas, nunca acreditou em uma só palavra daquelas histórias.

O velho Green, um pescador aposentado que vivia perto da praia, costumava aparecer na cidade proclamando seus delírios.

Muitos acreditavam no alucinado Green, dizendo assim como ele, serem testemunhas vivas das loucuras que o velho insistia em dizer que eram reais.

Monstros, criaturas fantasmagóricas e até sereias povoavam a imaginação fértil das pessoas daquele lugar.

Riu ao recordar a voz agourenta do maluco dizendo com olhos esbugalhados e fixos na praia: “Muitos mistérios cercam o azul profundo e inúmeros desaparecimentos inexplicáveis no mar“.

Muitos homens que trabalhavam com a pesca desistiam do ofício. Diziam ter vivenciado algo semelhante aos contos ouvidos.

Pescar era o ganha pão de Adonis, e até os dias atuais, ele jamais havia se deparado com nada do tipo.

Voltando para a realidade, o jovem considerou que aquele dia não havia sido muito proveitoso para seu trabalho.

Os homens estavam frustrados e precisavam de algo para alegrarem-se.

Então Adonis pediu ao timoneiro, Rael, que atracasse a embarcação para que se divertissem um pouco.

Adonis e os amigos festejavam ao som de um acordeom e embriagavam-se de vinho e rum.

A certa altura da festança, sem ter a mínima ideia do que viria dali a alguns instantes, Adonis desafia Ravi para um mergulho e juntos, os dois amigos, rumam mar adentro.

Embaixo da superfície das águas, Syrenia confere seu visual, em seu espelho d’água.

A impecável beleza sobrenatural que cruelmente ceifa vidas sem remorso ou piedade.

Seus olhos apesar de parecerem gentis e doces, estavam muito longe de possuir tais atributos.

Por de trás de tanta amabilidade, se escondia uma máquina de matar e devorar humanos.

Seu nado tem a desenvoltura e a graça de golfinhos, mas na verdade, Syrenia era tão horripilante quanto os seres hostis dos abismos.

“O Canto da Sereia”
Figura por Herbert James Draper, Public domain, via Wikimedia Commons

Uma criatura hibrida e imortal, a personificação dos pecados dos homens e a representação de um dos perigos existentes no mar.

Lábios carnudos e sensuais de sorriso aparentemente inocente, seios abundantes e desnudos, cabelos longos e macios, finos, e a voz doce e melódica de um anjo camuflavam sua calda de serpente, sua natureza sombria e a morte lenta e dolorosa infligida por sua maldade.

Em sua terrível caverna escura e fétida, em meio a um monte de ossos humanos, ela dorme sobre corpos em decomposição cobertos por peles podres e enrugadas.

Ao subir a superfície, a horripilante criatura nada na direção de onde soa o burburinho de vozes humanas. Seus olhos brilham.

Ela seleciona seus alvos. Dois jovens, homens que nadam despreocupados, longe de uma pequena embarcação: Adonis e Rael.

Seu ódio e rancor, na verdade, são porque ela jamais poderá ser como um humano. Nunca desfrutará do amor de um homem, como uma mulher comum.

Por essas razões ela é tão destrutiva, infeliz e cruel.

De maneira nenhuma poderia ter um homem como qualquer um daqueles. Homens dos quais ela tanto desejava.

Observando tudo, mergulha novamente arquitetando o seu plano e procurando a melhor localização para ser avistada.

Seus risos se findam quando abismados, eles a avistam e incrédulos como quem sonha. Inebriados, a admiram.

Diante deles e entre as rochas que os separam, estava a tal sereia, mito do qual ouviram tanto dizer pelo senhor Green.

Jamais imaginaram encontrar “algo” assim.

Ela iluminava a escuridão com a pele alva perante a eles, tão magnifica quanto uma estrela do mar.

Muito longe de ameaçar a vida deles“, pensou o pobre Adonis, já encantado pela formosura da sereia.

A tripulação avista os amigos distantes do barco e os encontram tarde demais, longe demais para salvá-los.

Diante do perigo eminente e tapando os ouvidos, o grupo da embarcação que está na margem, alerta aos berros para Adonis e Ravi fugirem.

Mas eles já estão enfeitiçados.

A voz aveludada de Syrenia, cheia de magia se derrama em promessas ilusórias.

Ouça dos meus lábios a voz que surge mais doce que o mel.
Não existe tempo e lugar, entre conchas e corais. Essa é a canção do mar.
Você procura pelo amor, entre o vento e as ondas.
Você procura pelo amor, entre a crença dos mares.
Conheça em meus braços, tudo aquilo que desejas.
O que anela sua alma, a vontade de seu corpo.


Imagem por Fernando Cortes em Canva Fotos

Magnetizados pela melodia e em completa excitação pela aparente beleza de Syrenia, eles se lançam a passos largos para morte.

Começam a nadar em direção as rochas enquanto a serpente feliz com sua conquista, os aguarda para que no momento exato ela se jogue nas águas.

A medonha Syrenia mergulha.

Eles ávidos a procuram, loucos em desfrutar do que ela enganosamente expressa oferecer.

Com um riso malicioso, ela submerge em frente ao rosto de Adonis e se dirigi em plena melodia, o envolvendo, o refletindo em seu olhar.

Antes mesmo de qualquer reação por parte do rapaz, ela o ataca e o beija rapidamente.

Ele retribui ardendo de desejo.

Sua língua feroz invade sua boca.

Dentes afiados como facas vão tomando formato.

O amigo Ravi, que aguardava sua vez de investir para enamorar a sereia, percebe com horror, o rabo escamoso da víbora chacoalhar dentro da bacia d’água.

Ela percebe a descoberta de Ravi.

Ele tenta fugir, mas já é tarde demais para qualquer um desses pobres homens.

Empenhada, Syrenia estica e enrosca a calda no tronco do esforçado fugitivo em várias voltas.

Tentando se desvencilhar, Ravi se agita, se debate, tentando em vão lutar, mas é estrangulado num abraço apertado

Não há quem ouça sua voz esganada, nem ao menos o som de seus ossos estilhaçarem.

Enquanto mantém o beijo narcótico e apaixonado do distraído Adonis, enlevado por Syrenia, ela submerge carregando-o consigo.

No breu do oceano, ela os lança em meio a pressão submarina. Seus corpos já não têm mais forças para nadar.

Não há gritos.

Adonis sente o peito ardendo implorando por ar, mas não há ar, não há oxigênio e seus pulmões são invadidos pelas águas pouco a pouco.

Sua vida vai passando como um filme diante de seus momentos de angústia. Por instantes se lembra do velho Green que contará sobre seu fim.

Sobre como foi tolo em achar que tudo o que Green tentou alertar fora ignorado por um arrogante Adonis.

Imagem de freepic.diller no Freepik

O desespero de Ravi e Adonis em face a morte vai se acalmando pela consciência de que se está partindo para sempre.

Seus corpos relaxam, repousam e os batimentos cardíacos falham.

A serpente gargalha feliz se aproximando dos cadáveres, carregando-os para sua morada.

Morbidamente e por instantes, ela olha os homens mortos, beijando-os com ternura, antes de os tragar.

Ela rasga-os com seus dentes e garras afiados.

Violenta e voraz, decepa seus membros e os destrincha como animais para o abate.

Insanamente, ela devora sua carne, vísceras e órgãos ainda quentes, onde o sangue nas veias corria lentamente entre as últimas pulsações.

Quando sua fome por vingança voltar, ela irá assumir sua forma angelical, inocente e sedutora para alimentar-se dos pobres homens, como o fez com Adonis e Ravi.

Aqueles que acreditam que seres como Syrenia fazem parte de fábulas e enganos.

São ilusões e contos bobos de pessoas em delírios, perdidas em suas demências.

O que mata os homens é o desejo ardente de possuir o impossível, de alcançar o inatingível para gabarem-se de suas obras.

Sendo por isso arrastados e seduzidos.

Ela continuará eternamente sua canção, à espreita entre as rochas, entre um pôr do sol alaranjado, ou a noite, na grandiosidade das ondas.

No mistério que só o mar pode ofertar.

Simone Rodrigues é nascida e criada em São Paulo e há mais de 20 anos é moradora da cidade de Guarulhos; é visagista, hairstylist e maquiadora cuja jornada vai além dos salões de beleza. Em 2018, conquistou o 5º lugar no Prêmio de Literatura Guarulhos com seu primeiro livro, abrindo as portas para uma série de cinco obras subsequentes. Enquanto seu talento se destaca na arte dos cabelos, sua verdadeira paixão se revela nas páginas em que escreve, repletas de histórias de amor e fantasia destinadas a inspirar mulheres. Seus livros não são apenas uma expressão artística, mas uma extensão dos seus sonhos e de sua vida, dedicada a encantar e transformar.
@simone_autora_rodrigues

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Imagem por Marcos Kulenkampff em Canva Fotos

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