Diante de uma obra de arte, palavras, às vezes, são meros ruídos que estão entre nossas sensações no momento em que estamos voltados para os nossos próprios pensamentos
Por Paulo Maia
É sabido que a luz interage com a matéria, sendo em parte absorvida e em parte refletida. É nesta interação que percebemos as tonalidades das cores. Básico, claro. Mas é importante para lembrar o quanto ela é fundamental quando estamos diante de algo que nos prende a atenção, especialmente quando estamos observando um objeto de arte.
Na série “Ripley”, lançada recentemente pela Netflix, baseada no romance de Patricia Highsmith, (“The Talented Mr. Ripley”, de 1955), o personagem título aprende e entende que, muitas das obras de Caravaggio causam maior impacto e são melhores apreciadas quando expostas à luz.
Claro que, ao afirmar sobre a necessidade da luz para apreciarmos uma obra de arte, não me refiro à obviedade de que precisamos dela para enxergar qualquer coisa. Mas, sim, às nuances que esta desperta em nossa subjetividade, criando novas leituras e significados naquilo que vemos.
A referência a Ripley me veio à cabeça para comentar sobre a obra de Carmem Bravo, uma artista jovem, que leva seu talento à técnica na concepção de seus trabalhos ao nos mostrar que diferentes significados sobre uma peça de arte podem surgir inequívocos, dependendo de nossa localização no espaço e de como a luz, natural ou não, incida sobre ela.
Nascida e criada no meio artístico, filha de Waldo Bravo, artista, curador e fundador do Ateliê Contempoarte, tem a arte em seu DNA: “Não me reconheço em uma casa que não tenha obras de arte”, comenta ao lembrar de sua infância no ateliê do pai, mexendo com tintas, brincando e rabiscando seus primeiros desenhos. “Sempre estive em contato com atividades e expressões artísticas e, naturalmente, fui caminhando e encontrando meus espaços”, acrescenta.
Nesta jornada de rabiscos e desenhos, despretensiosamente livres e ao sabor da criatividade que somente crianças possuem, como que descobrindo um prazeroso universo, foi aos poucos encontrando sua verve artística, até que um dia, entre tantas “produções”, seu pai identificou um desenho e a interpelou antes que ela pudesse descartar, disse: “não vai jogar fora este aqui!”. Era um pedaço de papel, no qual Carmen havia desenhado formas geométricas que já enunciavam, talvez, um ponto de inflexão, algo que embutia um significado do imaginário sobre aquele mundo que ela respirava. Daquele momento em diante, despertava a artista, e com isso sua formação.
Carmen estudou a arte em suas mais diversas manifestações e sobre sua história e logo foi identificando um certo estilo ao entender o que mais a atraia e inspirava. Conforme define o próprio Waldo, “são obras criadas e produzidas a partir de fragmentos repetidos e organizados que trazem fluidez e leveza nas poéticas visuais, sejam elas de ordem geométrica ou não”.
A obra de Carmem Bravo traz estruturalmente um espectro visual que se destaca em relevos, convidando o observador a “um campo dinâmico visual mediante percepções vibrantes e repletas de energia e expressividade”, conforme define Waldo.
Cores, formas e texturas são protagonistas na composição de suas obras. Ela trabalha com diversos elementos versáteis que possibilitam a construção de obras que promovem diversas leituras, justamente por serem tridimensionais, como o papel, PVC e outros que permitem serem moldados e assim, desafiar a imaginação e a vertigem da observação na medida da fluidez que esta sugere.
Amadureceu seu estilo e passou a explorar as possibilidades, especialmente da incidência da luz, com a qual, percebeu que era fundamental para dotar cada obra um certo volume de significado, fazendo dela, a luminosidade, também um elemento chave de sua expressão artística.
Seus trabalhos dialogam com a contemporaneidade, não apenas pelo material que utiliza, mas por trazer similaridade com o que vemos no mundo de hoje, na estética e na justaposição de elementos corriqueiros que reconhecemos em nosso cotidiano como, por exemplo, o simples ato de balancear ou equilibrar coisas ou mesmo nossa presença no mundo face à lei da gravidade ou nossa percepção daquilo que entendemos estar “fora de prumo”.
Ao observar seus trabalhos, não raro, nos movimentamos também na busca de um equilíbrio junto à obra, como se entendêssemos que um significado só é possível se também estivermos na exata localização e equilíbrio dela. É como se dissesse que o mundo, observado por nós, carece também de formas que remetem a um equilíbrio necessário para existir.
Está em sua trajetória profissional há dez anos produzindo e participando de diversas exposições e traz como referências, artistas como Hazel Glass, Matthew Shlian, Ariádine e muitos outros que, como ela, “dobram”, “esticam”, “aprofundam” e, claro, por que não, subvertem nossa subjetividade ao prazer estético e falam como nossa alma.
A arte, ao longo de nossa história, sempre fora desafiada a se definir e a mostrar para que veio. E, parece que sempre que estamos diante de uma obra de arte, palavras, às vezes, são meros ruídos que estão entre nossas sensações, e para as quais devemos pedir que fiquem em silêncio diante do momento em que estamos voltados para os nossos próprios pensamentos.
Gostaria de poder dizer mais, mas seguirei meu próprio conselho ao me silenciar e convidar você, leitor e leitora, a apreciar a dimensão do trabalho de Carmem Bravo.
Carmen Bravo nascida em dezembro de 1991, é paulistana e filha do artista Waldo Bravo. Artista visual, formada em Desenho Industrial (2014), estudou no Ateliê Contempoarte e foi criada em um ambiente em que respirava arte 24 horas por dia. Cresceu sabendo que a arte seria seu destino final, uma vez que sempre fez parte de sua vida. Já atuou nos campos da música, teatro, fotografia e pintura. Embaixadora da Tex Papel, parceria que fornecem material para suas obras
Conheça mais sobre seu trabalho:
Paulo Maia é editor do Portal Dolce Morumbi®
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