Somos uma espécie profundamente social, programada para aprender, regular emoções e até manter a saúde física através da convivência com outros.
Um dos mais belos testemunhos disso é o longo estudo de Harvard — o Study of Adult Development, conduzido por mais de 80 anos — que acompanhou um grupo de estudantes do sexo masculino da mesma universidade e outro grupo de um dos bairros mais carentes e problemáticos de Nova York para entender o que realmente nos traz saúde, felicidade e longevidade.
O que emergiu com força esmagadora foi esta descoberta: mais do que bens, status ou conquistas individuais, relacionamentos positivos e íntimos são o pilar de uma vida plena. Segundo os pesquisadores, não foram os níveis de colesterol que apresentavam na meia-idade, mas cultivar amizades sinceras, laços familiares, um casamento de longa duração e relacionamentos comunitários, o que contribuiu para uma saúde física, mental e emocional mais estável aos oitenta.

A solidão — sobretudo a duradoura —foi apontada como uma das forças mais danosas à saúde, comparável a vícios pesados e causadora de doenças cardíacas. Porém, há uma nova realidade emergente em muitas sociedades modernas onde a solidão se instala não só como sentimento, mas como estilo de vida.
Em países como a Coreia do Sul, essa realidade não é só demográfica, mas social — muitos vivem em flats minúsculos, divorciados ou sem laços de comunidade, e enfrentam o risco do que se chama “morte solitária”. Dados recentes mostram que uma parcela significativa da população coreana vive em lares unipessoais: segundo estatísticas, quase 40%das casas em Seul são ocupadas por apenas uma pessoa.
Mais sombrio ainda, muitos desses lares silenciosos são palco de “mortes solitárias”: vidas que se apagam longe dos olhares, sem companhia, sem um abraço final.
Em particular, muitos dos casos mais tristes envolvem homens de meia-idade: segundo levantamentos, 90% das mortes sozinhas que certos serviços de limpeza pós-falecimento testemunham são de homens que viveram isolados após o divórcio, com pouco ou nenhum contato com os filhos. Para responder a esse cenário, Seul lançou um ambicioso plano de cinco anos, chamado Seoul Without Loneliness, para criar redes de apoio emocional, chamadas de acolhimento e espaços comunitários.
Também nasceram iniciativas curiosas e humanas: mind convenience stores — lojas que parecem minimercados, mas oferecem espaços para as pessoas prepararem um ramen instantâneo, usar cadeiras de massagem, conversar com voluntários ou mesmo aceder a conselheiros.

Também no Brasil, particularmente em São Paulo, não estamos imunes a essa mesma maré de solidão e moradias unipessoais. Segundo dados do IBGE (PNAD Contínua de 2024) 18,6% dos domicílios brasileiros são unipessoais— ou seja, quase 1 em cada 5 pessoas vive sozinha e em São Paulo, o percentual é semelhante: segundo esses mesmos dados, cerca de 18,4% dos larespaulistanos são de pessoas que moram sozinhas.
Uma pesquisa representativa (ELSI-Brasil) identificou que 16,8% dos adultos “sempre” se sentem sozinhos e outros 31,7% “às vezes” têm essa sensação. Sentir solidão, no estudo, está fortemente associado a morar sozinho, depressão e outras variáveis de saúde.
Por isso, é urgente lembrar que relacionar-se não é luxo, é sobrevivência.Se o estudo de Harvard nos ensinou que relacionamentos profundos são a chave da felicidade e da longevidade, então os dados contemporâneos da Coreia e do Brasil nos alertam: viver só, sem laços estáveis, sem comunidade, sem intimidade afetiva, pode se tornar uma epidemia silenciosa. A modernidade digital e a autonomia individual trouxeram liberdade — mas também o risco de uma solidão estrutural.
Se deixarmos que o isolamento se torne a regra, corremos o risco de uma sociedade onde o “morrer sozinho” deixa de ser tragédia só de jornais e se torna destino para muitos — em flats cada vez menores, em silêncios cada vez mais densos.



































