A redução de salários acabou; a suspensão do contrato acabou; e a pandemia continuou. E agora José?

Por Otavio Calvet

Parafraseando o poeta, precisamos dialogar sobre a necessidade de criarmos mecanismos a fim de que as empresas possam enfrentar as necessidades de isolamento social mantendo suas atividades, para de que também os trabalhadores possam manter suas ocupações e renda.

As regras excepcionais criadas pelas Medidas Provisórias 927 e 936, esta convertida na Lei 14.020/2020, precisam ser reeditadas, a fim de que os empregadores consigam novamente utilizar de alternativas para continuarem a existir e, assim, viabilizarem a sobrevivência digna dos trabalhadores a eles vinculados. Como se sabe, o arcabouço normativo trabalhista criado para enfrentar a pandemia do coronavírus não mais se encontra em vigor, limitado que estava, na melhor das hipóteses, ao estado de calamidade pública declarado pelo Decreto Legislativo até 31 de dezembro de 2020.

Como infelizmente a pandemia não cessou e, pior, seus efeitos se agravaram em 2021, cumpre indagar se seria possível hoje, sem nenhuma medida provisória excepcional em vigor, ou alguma regra jurídica específica, permitir que empregados e empregadores utilizem das mesmas medidas dos diplomas já revogados ou limitados temporalmente em seus efeitos.

A resposta é negativa. Não se afigura possível a utilização de regras de exceção por interpretação ampliativa, sendo certo que o principal instrumento (a redução de salários e a suspensão dos contratos) dependeria, para sua reedição, da participação do Poder Executivo através da concessão do benefício emergencial, que por sua vez necessita de orçamento específico. Espera-se, inclusive, que se consiga resolver o problema em breve, com as necessárias adaptações na Lei de Diretrizes Orçamentárias a fim de que haja novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, nos moldes da citada Lei 14.020/20.

Imagem por Matteo Jorjoson em Unsplash

Enquanto o benefício emergencial não vem, há algumas medidas que podem ser utilizadas por empregados e empregadores, seja por via da negociação coletiva, seja por acordo individual.

A primeira delas é a negociação coletiva para redução de salários de forma proporcional à redução de jornada, uma vez ainda existente o motivo de força maior que permite o uso desta medida. Da mesma forma, pode-se, via negociação coletiva, autorizar a transformação de regimes de trabalho de jornada integral para tempo parcial, desde que o empregado assim também manifeste sua vontade.

Individualmente há a possibilidade de se pactuar o labor em regime de teletrabalho, medida inclusive que deve ser interpretada como prioritária em razão da necessidade de isolamento social para se evitar a contaminação e, com isso, auxiliar na prevenção da saúde não só do trabalhador, mas de toda a comunidade. A fim de não haver prejuízo ao empregado, e partindo-se da premissa de que o trabalho remoto reduz despesas para o empregador, deve-se estipular uma ajuda de custo razoável em favor do empregado para que seja partilhado o problema social que enfrentamos.

Por outro lado, o teletrabalho deve ser utilizado dentro da ótica de uma nova forma de se trabalhar, onde mais importa o resultado, a produtividade, do que a rigidez no cumprimento de horários, tanto que a regra estabelecida pela CLT é no sentido de que o teletrabalhador não possui direito ao capítulo sobre Duração do Trabalho (art. 62, III), não tendo, portanto, uma jornada estabelecida e muito menos controle do empregador sobre ela.

Obviamente, tal circunstância não pode gerar abusos, lembrando que se o empregador cobrar o teletrabalho em jornada rígida, estabelecendo horário para que o empregado esteja trabalhando, a exceção acima mencionada não se aplicará, possuindo o trabalhador direito a horas extras e demais benefícios relativos à matéria.

Outra solução bastante interessante, para empresas que ficam ao sabor dos “lockdowns”, é realizar a contratação de novos empregados em contratos intermitentes, modalidade de trabalho que permite a alternância de períodos de atividade e de inatividade. Obviamente, tal medida somente seria interessante para aqueles que necessitam aumentar a força de trabalho, diante das incertezas dos próximos passos.

Por qualquer ângulo que se veja a questão, o importante é o empresariado saber se as medidas que porventura adotarem serão validadas perante o Poder Judiciário, o que toca em ponto muito sensível que vivenciamos: a insegurança jurídica. Do ponto de vista de quem atua na área há quase três décadas sugiro, antes de qualquer decisão, que o espírito não seja de se pretender obter nenhuma vantagem. Não há ganhadores no cenário da pandemia.

Da mesma forma que sempre se exigiu do Juiz do Trabalho o exercício de alteridade em relação ao trabalhador, para se colocar em seu lugar e compreender o drama de sua existência, é chegado o momento de expandirmos a consciência para abraçarmos também o empregador em seus dilemas e dificuldades. Muito estamos sofrendo com a pandemia; que aproveitemos para aprimorar e reavaliar nossos conceitos em prol de uma sociedade mais justa e solidária. Para todos.

Afinal, como conclui o poeta, “Sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja a galope, você marcha, José! José, para onde?”

Otavio Calvet é Juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho do RJ; Mestre e Doutor em Direito do Trabalho pela PUC-SP; Master em Direito Social pela Universidad Castilla La Macha – Espanha. Professor convidado de Pós-Graduação (ATAME, IEPREV, IMADEC, Faculdade Baiana de Direito, IBMEC, FDV, CERS). Coordenador Pedagógico da Pós-Graduação on-line da Faculdade ATAME. Coordenador Pedagógico e Professor do Atameplay. Membro honorário do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros).

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