Minhas origens entre cheiros, paladares e texturas

Dolce Contos do Chef

Chef Eduardo de Castro

Fui moldado assim ao longo da vida; pelas palavras, vinhos, temperos e as pessoas que fazem da sua profissão uma entrega de amor e desejo no fazer bem

Foz do Douro, norte de Portugal | Imagem por Chef Eduardo de Castro

Sou filho de Alfandega da Fé, uma pequena vila encravada na Serra de Bornes, nordeste Transmontano.

Se dizia há muito tempo que tínhamos nove meses de inverno e três de inferno. Terra árida, boa para as oliveiras, amendoeiras, cerejeiras e um bom vinho que nunca faltou – seja na mesas dos agricultores ou nas tabernas. Fui criado assim. Comidas orgânicas antes de se falarem do orgânico. Frutas, legumes e carne de porco sempre abundantes, onde não faltavam queijos e azeitonas temperadas.

Gastronomia para mim era um belo prato da D. Filomena, minha mãe, ou mais tarde uma reunião de amigos onde com uma navalha, um pão e dois chouriços, fazíamos uma festa de final de tarde antes de saber que, no futuro, isto se chamaria de tapas e happy hour.

Com idade e a necessidade de continuar os estudos, Santo Tirso e o Porto passaram a ser os meus pontos de referência. Café nos anos 70, restaurantes de diferentes formatos, o Liceu, a escola de francês, e um jovem pronto para descobrir que afinal existia um mundo chamado gastronomia.

O jornalismo e a escrita me levaram à rua Santa Catarina e ao lendário (e muito visitado hoje) Café Majestic. Os seus espelhos, a sua arquitetura Art Nouveau entregam imediatamente ao visitante a inspiração francesa do princípio do século.

Me lembro de ter ficado completamente fascinado no primeiro dia que lá entrei. Já na época o café era o mais caro da cidade, os garçons os mais bem-vestidos, e o glamour era o que permanece até hoje. Naquelas mesas fiquei imaginando o futuro, lendo no cardápio expressões e pratos que jamais pensei existirem. Hoje visto à distância, penso que foi nas mesas do Majestic que sonhei um dia em viver em Paris.

Foz do Douro, norte de Portugal | Imagem por Chef Eduardo de Castro

O Porto é um livro de história aberta para quem o visita. O Douro – com a sua foz, dá ao visitante a possibilidade de se entregar aos gostos e paladares numa culinária rica em um misto de montanha e mar. As sardinhas assadas em junho convivem com as tripas à moda do Porto que deram alcunha de tripeiros aos seus nativos. Andando pela rua do Bolhão até a Ribeira, os odores de tabernas e restaurantes abertos nas calçadas entregam um passado de grandes receitas e temperos mil. Precisamos atravessar uma das três pontes do Porto para chegar à Vila Nova de Gaia e aos armazéns de vinho seculares que levam o nome da cidade.

Um dia, numa dessas maravilhosas caves, encontrei um inglês que me contava sua história de sua família e a razão pela qual os ingleses era os proprietários, em sua maioria, das casas de vinho do Porto. Nesta tarde, com o sol se pondo atrás da ponte Dom Luis, ouvi pela primeira vez uma música do Rui Veloso e bebi um drink inédito chamado Porto Tônico.

As histórias da minha vida são pontuadas entre a vontade de escrever e o desejo imenso de, através da memória do palato, lembrar os cheiros, paladares e texturas. Quem já foi ao Porto sabe que essa cidade chamada de invicta, por jamais ter sido invadida por qualquer inimigo em sua história, entrega experiências, cores e uma imensidão de experiências. Fico sempre com a sensação – quando volto – que algo de novo me aparece numa esquina daquelas velhas ruas do centro, onde permanecem vivas as tabernas mais antigas da cidade.

Foto de Alfândega da Fé, vista da casa do chef

Fui moldado assim ao longo da vida. Pelas palavras, vinhos, temperos e as pessoas que fazem da sua profissão uma entrega de amor e desejo no fazer bem. Quem é cozinheiro permanece ao longo da vida com esse sentimento de olhar para trás, recordar as tradições de seu terroir, e tentar perpetuar a história de uma vida. Sento aqui em frente ao teclado, abro uma garrafa de vinho do Douro, fecho os olhos e espero que o leitor neste primeiro conto sinta o cheiro de manjerico tradicional das festas juninas do Porto.

Vos convido a cada 15 dias a viajar comigo nestes mundos fascinantes da escrita e da gastronomia.

Um beijo.

Chef Eduardo de Castro é jornalista de formação, mas foi na gastronomia que ele percebeu que o seu amor pelas panelas era maior do que pela escrita, mas mesmo assim trará seus contos quinzenalmente na Dolce Morumbi 

Acompanhe o Che Eduardo de Castro em suas Redes Sociais

@casadochefeduardodecastro

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1 Comment

  1. Uma leitura deleitosa que nós faz viajar. Parabéns grande amigo!


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