Vemos no concreto uma realidade que não está ali, e que no entanto nos guia para a criação de uma vida com o máximo de harmonia e sentido possíveis
Olá caro leitor e querida leitora. Creio estarmos em tempos de provocações, então hoje decidi lançar uma aqui. Você saberia dizer quando vive uma realidade e quando se move em uma fantasia? Pois é. Há muito se discute essa questão. Muitos vão lembrar do filme Matrix (The Matrix, 1999), dirigido pelas irmãs transgêneras Lana e Lily Wachowski, que fala de um mundo controlado por uma inteligência artificial que simula uma realidade na qual vivemos. Ou que pelo menos entendemos viver. O filme foi um sucesso estrondoso e um marco em novas técnicas de efeitos especiais. Mas a história, também criada pelas diretoras, fora inspirada em diversos clássicos da literatura e da filosofia, como por exemplo, do universo do primeiro, Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, 1951) de Lewis Carroll e, do universo do segundo, A República (Politeía, 379 A.C.) de Platão, mais basicamente na parte da “Alegoria da Caverna”, na qual o filósofo grego busca exemplificar a metafísica dizendo que a realidade em que vivemos é apenas um simulacro da verdade das coisas.
Pois bem, também o escritor israelense Yuval Harari, este mais recente e deste século, sugere que os seres humanos só não foram extintos ainda, e mais, tornaram se a espécie predominante no planeta, por conta da capacidade de colaborarem entre si permeados basicamente por ideias e histórias pelas quais se identificam. Claro, não vamos deixar de fora os afetos. Emoções contam entre nós humanos, mas colaboração por afeto acontece geralmente entre aqueles que são íntimos. É o que ocorre entre outros mamíferos também. Os símios, por exemplo. Tudo bem, não é impossível, mas é muito mais improvável colaborarmos com estranhos confiando apenas em afetos, ou de quem não tenho nenhuma experiência íntima ou de convivência do que com aquela pessoa com a qual eu cresci e convivo há tempo e que, portanto, conheço suas suscetibilidades. E sentimentos são concretos. Eu sinto em minhas entranhas e em minha pele. Ora, o que isso significa? Que de fato, ao legarmos a uma ideia ou narrativa como único elo entre eu e um estranho, estou no mundo da fantasia. Ou pelo menos, de algo que não existe. Que não é concreto. Aquilo que não é, no sentido ontológico.
Alguns exemplos? Dinheiro, segundo Harari é o maior deles. É uma ideia que conecta o mundo inteiro. Todos acreditam que aquele pedaço de papel tem um determinado valor para obter coisas concretas, como alimento, por exemplo. Citando Harari mais uma vez, um macaco não troca banana por um pedaço de papel. Ele trocaria por outra fruta ou por sexo, ou até por apoio para lutar contra outro bando – neste caso o concreto é a força de outro elemento no confronto.
O que dizer então no campo de ideologias? É neste que vemos a nossa ruína como indivíduos encarcerados em realidades que transmutam entre épocas e definem vidas com base na ideologia ou na crença do momento. Entre as grandes narrativas que vivem somente na mente dos seres humanos, estão a Religião, Mitos, Nacionalidade e nas modernas ideias de Liberdade e Direitos Humanos. Esta última então é quase uma insanidade. Perdoe-me a colocação, não quero dizer que a ideia de “direitos humanos” seja uma bobagem. Não! Quero dizer que ela é inventada, não existe na natureza. Uma coisa é definirmos entre nós aquilo que é aceitável e desejável como atitudes, comportamentos e conduta entre seres humanos, no sentido de vivermos minimamente em paz e em condições de lidar com a verdadeira realidade concreta com oportunidades para todos da espécie. Outra coisa é simplesmente achar que temos esse ou aquele “direito” simplesmente porque achamos que somos “algo” mais importante entre todas as outras coisas no mundo ou que este ou aquele direito advém de uma designação “superior” – seja lá o que esse superior possa ser. Se você fizer, honestamente, uma investigação minuciosa de onde pode vir esse “direito”, verá que ele não veio de outra coisas se não de uma ideia que não tem absolutamente nenhuma ligação com algo concreto, natural. Ou seja, se não está na natureza, onde estará, se não nas nossas cabeças?
Outra coisa: já parou para pensar que, nós modernos, não temos mais como garantir nossa vida se não contarmos com toda a infraestrutura criada por toda a história humana? Já parou para pensar que não suportaríamos uma semana sem roupa, contando apenas com abrigos naturais contra o tempo, tendo que caçar e coletar alimentos por nós mesmos e travar batalhas contra outros animais por comida e espaço além de fugir de potenciais predadores? Não acha que devemos uma certa reverência àqueles que estiveram aqui antes de nós e que criaram toda a condição para que a nossa vida possa ser menos miserável que a deles? Lembre-se: pelo menos entre os sapiens, temos ai algo entre 200 a 300 mil anos de história (o que em termos de idade do planeta, significa cerca de 2 segundos numa escala de 24 horas – doido, não?)
Sem um mundo inventado, não estaríamos aqui. Imagine então toda a tecnologia que se encontra ao seu redor e que às vezes você dá de barato e acha que ela sempre esteve aqui, assim como a luz do sol e o brilho do luar? E não me refiro a este celular ou computador no qual você lê essas parcas linhas. Refiro-me à água e a eletricidade que chega até você que lhe permite matar a sede e se refrescar no calor. Básico assim.
Pois é. Não é minha intenção desprezar tudo isso. A realidade que inventamos é fundamental para nossa sobrevivência. Não vejo como possa ser diferente, pois funcionamos assim. Esse é o ser humano. Vê o mundo concreto e vislumbra algo que não está ali pensando no seu bem estar e em se perpetuar como espécie em um quase inexplicável senso de harmonia, de sentido. Sem isso agonizamos.
Por mais arraigadas que credos e narrativas estejam em você, faça um esforço para ver o mundo e a vida de outras, ou quem sabe, de novas perspectivas e evitar que a violência, a intolerância e a ignorância vigentes no mundo de hoje sucumbam e não criem raízes na visão das novas gerações. E claro, que produza algo dentro de você também. Afinal, mesmo contrariando Kafka, podemos ter esperança.
Talvez a consciência de que somos mimados com tudo o que temos e cremos, vindo dessa nossa característica humana, que é a de se mover por ideias e que é, em última estância, o que nos trouxe até aqui, possa nos fazer se ver no mundo e saber o quão privilegiados somos e reverenciarmos a experiência da vida. Concretamente única.
Paulo Maia é publicitário, um pensador livre e morador do Morumbi que mantém sua curiosidade sempre aguçada
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