Em nossa atávica ambivalência cotidiana

Paulo Maia

Estamos ainda um pouco atordoados pela pandemia. Ainda não sabemos direito o que é certo fazer, mas vamos nos virando como dá. O fato é que, mesmo em números mais baixos por conta da vacinação, pessoas ainda são infectadas e mortes ocorrem também  todo dia.

Tamanha é a violência da pressa que todos temos no mundo contemporâneo, seja para fazer qualquer coisa ou ir para qualquer lugar, que não estamos aguardando por um momento mais seguro. Por vezes, não é nem exatamente uma demanda nossa que nos faz ter pressa.

Mas vendo as pessoas para lá e para cá, nos deixa um pouco desconfiados de que nós podemos estar perdendo algo e ficando para trás. Por isso também nos mexemos e saímos correndo, muitas vezes, seguindo os outros ou buscando nossa sobrevivência, pura e simples.

Quando a pandemia começou a mostrar sua fatalidade, entre o pânico e a ignorância com a negação do que estava acontecendo, houve alguma sabedoria para buscar enfrentar a crise, mas não suficiente para conter a estupidez humana.

Em vários sentidos. Desde negligências diversas em coisas importantes e urgentes até a comportamentos infantis sugeridos por marqueteiros vagabundos e oportunistas. Um tal conceito sobre um “novo normal” surgia como exemplo.

Acontece, porém, que o verdadeiro “normal” surgiu no previsível comportamento humano. Quantos não quiserem se dar bem com a pandemia? E quanto mais alta a posição social, mais cruéis e impiedosas são as ações contra uma população sem muitas condições e mecanismos para se defender. Isso sem falar na sangria do dinheiro público com o aval de quem deveria zelar pela boa administração dele.

Para além do discurso ideológico e negacionista de muitos, principalmente daqueles que no momento governam o pais, está a ganância de lucrar e se capitalizar com a desgraça alheia e a procura por socorro.

Os casos de suspeita de oferecimento de propina para compra de vacinas, da parceria mequetrefe com farmacêuticas estrangeiras negociada por certo pastor evangélico de caráter duvidoso e de segundas intenções, além do escândalo do comércio de medicamento sem qualquer eficácia para tratamento para a Covid através de empresas que até então, gozavam de boa reputação, mas que se mostraram operadoras de esquemas mafiosos, mostra a verdadeira face do ser humano, justamente aquele que muitos de nós, com otimismo de crianças de 5 anos, achava que se tornaria melhor depois da pandemia.

Acho que não há muito mais dúvida de que temos que, enfim, lidar com o fato de que o ser humano é um animal que não tem solução, demanda cuidados, e não é confiável. A desconfiança é a atitude requerida como guia quando lidamos com ele, e não a esperança. Esta devemos ter com relação à nossa paciência na relação humana, no sentido de esperarmos um desfecho positivo ao final do dia. Mas consciente de que na manhã seguinte, tudo começa do zero e pouco do que se viveu no dia anterior servirá de lição, pois segue impressionantes índices de hábitos e comportamentos erráticos que, apesar do erro e da dor, continuamos a produzir.

E parece não adiantar muito tentar definir qual deveria ser a conduta ideal para uma vida civilizada e justa. Já produzimos muita teoria e ideologias que dizem dar conta da condição humana, mas a grande verdade é que parece ser mesmo impossível considerar tanta variável da contingência, da natureza e mesmo da cultura como condutor das relações humanas, para acomodar em uma fórmula ou uma receita a seguir, sem cair em uma grande utopia.

Não há muito o que fazer. Parece que temos sempre uma batalha com uma condição humana que não se altera e que reage à realidade como pode e nas condições que pode.

Mas, o diabo é que nossa imaginação frequentemente se rebela e nos enche de uma visão paradisíaca e convoca nos para persegui-la destemidamente! Nos enchendo de coragem e otimismo para enfrentar o mundo.

Talvez seja esse mesmo o espírito que está por trás de toda a nossa essência: sem a ilusão de que algo em algum momento lá na frente, ou seja, no futuro, possa ser melhor do que aquilo que é agora, no presente, a espécie não estaria aqui.

Acho que, no final das contas, parece que precisamos acreditar que, somos ou podemos vir a ser, alguém bem diferente do que realmente somos para poder seguir em frente. Claro, isso significa seguir iludidos, mas é verdade também que, apenas aceitar o fato, simplesmente, de que não temos jeito, não vai trazer nenhum conforto e segurança. Pelo contrário: poderá nos deixará muito mais suscetíveis à extinção.

Como citei acima, temos que saber lidar com a conclusão de que não temos jeito, mas não se acostumar a ela. Uma certa dose de autoengano, em alguma medida, sempre será necessária para que consigamos lidar com o fato de não termos solução, no sentido de seguir em frente na experiência da vida e a narrando para outras gerações.

Quanto mais cedo alguém entender de que não é nem anjo, nem demônio, poderá ter uma experiência mais significativa da vida e, talvez, mais condições de observar e aprender com a contingência e assim ser mais bem sucedido no que se propôs a realizar. Aqueles que continuarem a idealizar o ser humano e lamentar o que jamais poderão ser, estarão mais propensos a desperdiçar a experiência da vida ao se trancarem numa jaula da especulação, onde não há vida, apenas ilusões.

Paulo Maia é publicitário, um pensador livre e morador do Morumbi que mantém sua curiosidade sempre aguçada

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