A vida entre utopias e fake news

Paulo Maia

Muita gente por aí chama esta nossa época de a Era da Informação. O falecido historiador britânico, Eric Hobsbawm, escreveu quatro obras centrais que descrevem épocas que ilustram como a cultura humana tem se desenvolvido desde o Renascimento. Em “A Era das Revoluções”, “A Era do Capital”, “A Era dos Impérios” e “A Era dos Extremos”, Hobsbawn dá uma aula de história dos últimos 500 anos com uma erudição e minúcia ímpar, apresentando quais foram os elementos sociais, econômicos e políticos que desencadearam acontecimentos que convergiram para os desdobramentos do capitalismo e de como a civilização foi se acomodando a tudo isso, entre guerras, tragédias e ciência.

Apesar de ter sido um marxista convicto e militante do Partido Comunista Britânico até o início dos anos 1990, sua veia de historiador era dominante e ajudava a evitar certas posições enviesadas, ainda que saibamos que ninguém está a salvo de ser parcialmente a favor ou contra algo quando nos manifestamos.

Mas suas obras ressaltam muito estudo e repertório, e suas observações escritas com bastante cuidado para buscar ser o mais fiel aos fatos e evitar confundir ou criar narrativas estranhas ou bizarras. Não sei se ele chegou a refletir, no final da vida (ele morreu em 1º de outubro de 2012), se já o início do século XXI poderia ser considerado como um período no qual vivíamos uma era da informação. Se sim, talvez tivesse concordado com o termo, afinal, dados são um grande ativo fundamental hoje e, desde o final dos anos 60, com a introdução de sistemas computadorizados no cotidiano de empresas, governos e população, informação – que sempre fora importante, claro – passou a ser extremamente valiosa. E não precisa ser informação, necessariamente, verdadeira.

Hoje, mais do que nunca, vemos que a veracidade de uma informação pode ser tratada com relativismo. Ela pode ser baseada também em credo. Não é preciso que algo seja verdadeiro no mundo real. Se ele for na sua cabeça, já vale alguma coisa! Se estiver na cabeça de um monte de gente, então, passa a ser muito valiosa e, concretamente, realizar coisas. Afinal, uma informação é uma peça de conhecimento que serve para ensinar, esclarecer, edificar e, também, confundir, enganar, atrapalhar e criar medo e insegurança.

É o que vemos hoje com as fake news. De forma escancarada e sem vergonha, milhares de pessoas fazem isso hoje de forma aberta, sem filtros ou freios e na frente de todo mundo. Até autoridades dão exemplos. O presidente Jair Bolsonaro é o nosso “newsfaker” mais famoso do momento. Paranoico total, é impressionante a destreza com que ele diz bobagens a todo momento.

No caso dele, e de tantos outros políticos do passado e do presente, e que virão, a questão é sociopatia mesmo. Ressentimento e grosseria que ele apresenta ao país quase todo dia, apenas indica uma pessoa sem empatia, desestruturada e de habilidades sociais extremamente pobres. O que resta é a truculência que se impõe o tempo todo. O perigo maior é justamente a falta de empatia, pois, sem ela, alguém pode ser capaz de coisas monstruosas e não sentir qualquer remorso. É assustador, sem dúvida.

Políticos dissimulam o tempo todo, disso sabemos. Mas até eles sabem que há limites para manter certas histórias no ar. Fenômeno sociológico bem antigo, A história humana é praticamente a história da manipulação em massa através de narrativas e sistemas de significado. E centenas de milhares de canalhas e monstros assombram pessoas desde sempre.

Veja, conhecimento em si não é bom, nem mal. É o uso ou não dele, que apontará para uma coisa boa ou má, sem necessariamente ter tido uma intenção primária. Muitas ações pensadas em fazer o bem, só trouxeram mais desgraças em diversos exemplos na história.

Somos bem suscetíveis à manipulação em massa, pois buscamos resposta no mundo para saber o que fazer no momento seguinte, mas o mundo, a natureza não fala conosco, nem emite sinais. Nós é que achamos que sim! Somente outro humano nos responde a alguma pergunta. Então, é nele que fiamos nossos passos. E, em muitas vezes, o resultado é o horror.

A tecnologia disponível e acessível hoje ajuda pouco, na verdade, a ter um cenário menos “fake”. Ao contrário: ela amplifica e leva com mais rapidez toda mentira cuspida em sua plataforma. Vivemos isso o tempo todo. Não é preciso dar exemplo.

Mas, o que realmente podemos denotar nesta chamada “Era da Informação”? Apesar de muita conquista positiva e de avanço científico, que trouxe muito benefício ao mundo, veio junto e insiste em se propagar, muita mentira, incorreção, confusão e equívocos de qualquer dado ou fato genuíno e de importância fundamental para nossas vidas. Isso sem falar nos efeitos colaterais de ações que, apesar de toda boa intenção, só trouxeram catástrofes.

É isso mesmo! Apesar de tudo o que já descobrimos, criamos ou inventamos de dispositivos materiais, códigos sociais, ritos espirituais e religiosos e, fundamentalmente, produção de conhecimento, para transformar nossos habitat e vidas em algo melhor, concluímos que, jamais poderemos dizer com certeza, de que sabemos mais ou melhor do que nossos ancestrais. Claro, criamos um pouco mais de conforto, mas nem por isso temos um mundo menos violento, inseguro e que produza respostas às nossas angustias.

Mas talvez tenhamos criado algo a mais, sim. Criamos uma utopia sobre nós, sobre nosso capacidade de sobressair no mundo e de resolver problemas e que, um belo dia, seremos harmoniosos e assim vivermos de forma plena.

Muita gente acha que há algo dentro do ser humano para ser descoberto e, que uma vez que isso acontecer, basta liberar tal “potencialidade” tudo na vida melhorar. Achamos que um dia as pessoas chegarão a uma tal nível de “consciência” das coisas, ficando tudo mais claro onde, finalmente, o mundo todo vai se entender.

Nutrir utopias de si próprio é, talvez, muito pior do que nutrir utopias sobre o mundo ou sobre ideologias. Conhecimento só é importante como recurso para a sobrevivência se sabermos o que fazer com ele. E, decerto, há muita coisa por aí que devemos simplesmente descartar.

Paulo Maia é publicitário, um pensador livre e morador do Morumbi que mantém sua curiosidade sempre aguçada

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