Por Adriana Carvalho
Alguns amigos têm nos perguntado com frequência sobre a vida aqui na China neste momento de lockdown. Assim, escrever a respeito me pareceu bastante pertinente.
Moro em Changchun, na província de Jilin, localizada no nordeste do país, com uma população de 7 milhões de habitantes. Ela é considerada uma cidade “pequena” para os padrões chineses e estamos em completo lockdown.
Desde que se iniciou a pandemia, em 2020, a China implantou a política de “Zero Tolerância ao Covid”, que significa uma série de medidas restritivas e de tratamentos dos doentes, visando isolar as pessoas que venham a se contaminar de forma a não espalhar o vírus, num momento em que não se sabia nada ainda sobre o Covid e, também, não havia vacina ou medicamento eficaz.
Cada vez que um caso é detectado, o condomínio onde mora esta pessoa já entra em estado de alerta e todos os residentes daquele local são testados. A pessoa infectada é levada ao hospital para tratamento e isolada por, pelo menos, 15 dias. Diversos testes são realizados durante o período. Os contatos próximos são, também, isolados em hospitais de quarentena. Caso apareçam outras pessoas com resultado positivo no condomínio, este é totalmente isolado e bloqueado, num pequeno lockdown.
Conforme vão aparecendo outros casos na cidade, começa a valer o estado de atenção e se os números aumentam, os bairros são fechados, os condomínios entram em restrições e até mesmo a cidade entra em lockdown. Se você viajar para uma cidade em que, após seu retorno para casa, apareçam casos, além de você ter que ser testado algumas vezes, terá que fazer um monitoramento de saúde por 14 dias (varia de acordo com a província). Este monitoramento consiste em você reportar sua temperatura e condição de saúde por um aplicativo ao centro de saúde da região em que mora e evitar sair de casa.
Como funciona o lockdown? Como os fechamentos são, relativamente, gradativos, as pessoas já começam a se precaver, indo aos supermercados e fazendo os devidos estoques de alimentação e suprimentos, pois sabem que não poderão sair até que os casos cheguem a zero!
Algumas vezes, se os números se mantém “estáveis”, um tipo de permissão é emitido e uma pessoa da família pode sair a cada dois dias para fazer compras. Caso a situação piore, como é o caso do lockdown que estamos vivendo no momento, tudo é completamente bloqueado: comércios são fechados e as comunidades (os condomínios na China são muito grandes, verdadeiros bairros) devem controlar seus residentes.
Testes de covid são feitos em 100% das pessoas várias vezes durante o período. A cada dois dias, em média, todos são testados. Em 45 dias de lockdown, já fizemos 20 testes de PCR, além de termos recebido kits de autoteste a cada 3 dias, num total de 32 testes disponibilizados sem qualquer custo, pelo governo. Agora, de uma semana para cá, temos que levar o resultado do autoteste para poder fazer o PCR.
Com relação à alimentação, temos algumas situações distintas. Aqui em Changchun, como o lockdown foi gradativo, houve a possibilidade de nos prepararmos e estocar comida. No início, a cidade sofreu uma semana de desabastecimento. Os chineses têm por hábito se alimentar de muitos legumes, vegetais e frutas, que são itens difíceis de se estocar. O gerente de cada condomínio se organiza para ajudar os residentes a comprar os alimentos básicos de fornecedores cadastrados pelo governo e que precisam atender diversos requisitos sanitários. Tudo é devidamente recebido pelo escritório central, desinfetado e liberado para as pessoas retirarem.
Os chineses são verdadeiramente altruístas de forma geral. Eles não medem esforços para ajudar os outros e aqui no nosso condomínio, trocas de alimentos se tornaram rotina. Ou, se alguém precisa de algum item, basta colocar no grupo de wechat (o WhatsApp chinês) que logo alguém se prontifica a ajudar e ceder o alimento necessário. Até mesmo comida para gatos e areia acabou sendo disponibilizado por quem tinha “mais”. Dois de nossos vizinhos, que são médicos, se voluntariaram para testar as pessoas em nosso condomínio, de forma que não recebêssemos os agentes de saúde externos e, com eles, a possibilidade (mesmo que remota) de sermos infectados, além de desafogar esses profissionais que precisam percorrer a cidade, de comunidade em comunidade, e ficam exaustos.
Claro que não é nada fácil ficar por tanto tempo em lockdown. E a regra é clara: enquanto os números não caírem ao nível do que eles consideram “zero”, não podemos ser liberados e correr o risco de sermos infectados e infectar os outros, além de ninguém estar disposto a deixar o “conforto do lar” e ir para um centro de quarentena, que muitas vezes não são bem estruturados. Por causa da velocidade em que tiveram que se organizar desta vez, muitos dos centros estão sendo reportados como em condições muito ruins.
A China é um país de números gigantescos: com quase um bilhão e meio de habitantes, tudo se torna muito complicado caso percam o controle da pandemia. O sistema de saúde entraria em colapso, sem falar na economia que sofreria muito caso a população ativa adoecesse. Não à toa, quando a vacinação começou, os trabalhadores da saúde, da educação e a população produtiva foram privilegiados no recebimento do imunizante. Ainda hoje, os mais velhos são os menos vacinados, assim, estão sofrendo mais contaminações.
Não estamos com uma variante nova. Apenas, e justamente por causa dessa política de controle do vírus, a omicron só chegou agora no país, sendo a onda que já está no mundo há um certo tempo.
Sobre o lockdown de Shanghai, uma das mais importantes cidades do país, economicamente falando, a situação é bem complicada, pois o anúncio de fechar e isolar toda a cidade foi feito sem aviso prévio, já que em dois dias os casos aumentaram demais. Assim, os cidadãos não estavam preparados para ficarem trancados.
Muitos relatos de pessoas passando privação de alimentação (como não houve um planejamento, não houve preparo na cidade como um todo e o desabastecimento foi bastante severo). Shanghai tem quase 30 milhões de habitantes, então tudo lá é gigantesco. Os centros de quarentena centralizados para quem está assintomático estão, segundo os relatos, em condições bem precárias. As pessoas estão em um nível de stress muito alto com a situação e estão entrando em certo conflito com as autoridades, o que não é muito comum de se ver por aqui.
A esperança é a de que as políticas sejam revistas e que medidas adequadas à realidade do país e condizentes com os achados da ciência, que mantenham a segurança não só física, mas também a mental, sejam encontradas e que todos possam retornar às suas vidas e conviver de forma saudável com este inevitável vírus.
Adriana Carvalho é formada em Secretariado Executivo Bilíngue e Tradução – Inglês pela PUC Campinas e Pós-graduada em Gestão de Negócios pela FAE Business School em Curitiba. Atuou por 21 anos como Secretária de Diretoria em multinacional da indústria automotiva e conta com experiência em trabalhos no exterior. Hoje mora na China e coordena um grupo de mulheres expatriadas promovendo atividades culturais e de integração na comunidade. Casada, mãe de um rapaz de 17 anos, tem como hobby a fotografia e escreve para o blog “Por Aí, Viagens e Cultura” (www.poraiviagensecultura.blogspot.com) em que relata um pouco da história e cultura dos lugares que já visitou.
Também escreve para o Portal Mundi Secretariado Executivo. Confira!
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