Ensaio sobre o Século 21

Uma carta aos novos moradores do planeta

Os textos, artigos e opiniões publicados nesta seção não traduzem ou representam a opinião ou posição do Portal. Sua publicação é no sentido de  estimular o debate de problemas e questões do cotidiano e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo

Imagem por Imagenavi em Canva Fotos

Por Lucas Atanazio Vetorasso

Podem me chamar de velho, mas confesso que já cheguei na fase de me pegar falando “no meu tempo, era assim…”. Ah, dizem por aí que já nasci ranzinza, mas ultimamente estou de parabéns. Acontece, caro leitor e leitora, que o tema deste artigo não pode ser tratado de maneira diferente, tem que ter uma pitada de limão e acidez. Prometo deixar somente na “pitada”. Mas, entrando no assunto de maneira mais séria, no panorama atual, um olhar crítico sobre as novas gerações torna-se não apenas relevante, mas essencial para compreender as dinâmicas sociais e profissionais que moldam nosso tempo. Coisa chata este negócio de tempo. Mas, não há o que se fazer. Longe de ser uma diatribe infundada, este meu manifesto busca refletir sobre as percepções, muitas vezes polarizadas, entre as gerações precedentes e as atuais e, é claro, como um bom e velho (quase literalmente) rabugento, vou puxar a sardinha para o meu lado. Este artigo é sobre isso. É sobre alguém se metendo onde não devia? Sim, conselho para quem não pediu. Mas, todos os artigos são baseados nisso, não é? Então, vamos lá.

As gerações contemporâneas, inovadoras, tecnológicas, pacienciosas e tantos outros adjetivos que lhes cabem, também possuem atributos insuportáveis para nós. Nós quem? Eu, tu, ele, nós… acho. Aliás, que até para eles. Vou começar pelo descarte contínuo dos compromissos. Pode ser? Pode. Sim, as relações são como móveis de lojas de departamentos. O que acontecem com vocês? (Isso, inclusive resolvi mudar o tempo verbal. Pronto. Tá feito (sic)).

A noção de compromisso para vocês parece mais uma roupa de ensaio fotográfico. Boa para o selfie da noite e descartável pela manhã. Na era do consumo rápido, até as promessas são fast-food – rápidas e feitas para preencherem a fome momentaneamente. Relações líquidas de compromisso. Propósitos? Ah, amanhã a gente vê. Lembra que falei sobre o tempo acima? Eu também achava que ele não passava para mim, mas passa, sempre passa. A firmeza de propósito não constrói apenas carreiras, mas legados, famílias. Constrói vida! Já começou a me ofender, oh, ser evoluído, pregador das diferenças? Fique calmo, guarde esta ansiedade no bolso que ainda terá outras oportunidades se continuar lendo.

Imagem por Ronnakorn Triraganon em Canva Fotos

Sobre as interações de vocês. Oh, Senhor. O que vocês chamam de interações são bolhas de sabão que brilham e estouram mesmo se ninguém tocar. Ora, se o máximo de conexão que você consegue é deslizar o dedo pela tela, não me surpreende a falta de conteúdo em uma breve conversa. Preguiça! E, por falar em conversa, confessem para mim. Vocês não são tão fãs do feedback (preguiça desses termos) como vocês tanto falam. O que parece é que foi todo mundo criado em uma estufa. Avessos às decepções, protegidos de cada adversidade, e agora, quando a vida sopra um vento contrário, o mundo parece que está desabando. Detalhei certinho? Pois, é! Não há crescimento sem percepção, dor. Talvez este seja o catalizador de todo o restante.

Qual nome sugeririam para um grupo de samba da sua geração? Façam uma enquete no insta. Eu voto em Inimigos do Trabalho. Sabe o que me parece? O trabalho, na visão distorcida de vocês, é um vampiro, um monstro embaixo da cama. No meu tempo (lá ele), fomos moldados para entender que é a única ponte para a dignidade. Esse papo de ‘trabalhe com o que ama e nunca terá que trabalhar’, é muito real! Mas, até a paixão exige suor, lágrimas e, sim, dias terrivelmente longos.

Enxugue as lágrimas e continue lendo que agora vamos falar de Energia, Horóscopo, Zodíaco. Parece que todo mundo nasceu quando os astros estavam em Libra. Capacidade de tomar decisão beirando ao nível de paciente em coma na UTI. Como a capacidade de entendimento às vezes peca, irei abrir um parágrafo para gritar ironia. Sou nascido no dia 15 de outubro, portanto, libriano. Se os astros estivessem certos, eu estaria morando embaixo de uma ponte, já que a minha vida é só tomar decisões. Mas, vamos voltar. A indecisão se tornou a norma, não a exceção. Tudo pode? Então não faremos nada. É mais ou menos assim o mantra. Mas, eu entendo, afinal, decidir requer coragem, comprometimento e, acima de tudo, aceitar que nem toda escolha vem com garantia de felicidade. Que medo.

Com toda certeza, há pessoas ofendidas por palavras tão duras e ofensivas, se você for uma delas, confesso que fico feliz por somar em seu crescimento. E, falando em crescer, a premissa da vida adulta é a autossuficiência, correto? Bota no Chat GPT aí: Autossuficiência. Tenho também a impressão de que este item é, praticamente, território desconhecido. A tamanha dependência da tecnologia faz com que não houvesse nem condição de voltar para própria casa, caso se perdessem – literal e figurativamente.

Imagem por View Apart em Canva Fotos

Já que você deve estar me chamando de um velho ofensivo. Espera, ofensivo não. Agora é tóxico. O tóxico gostaria de aproveitar o ensejo e pedir aos novos moradores deste planeta que olhassem um pouquinho apenas para o passado. Não histórica e teoricamente como adoram, mas de maneira objetiva. Lembrem-se de onde vieram, quem os cuidou, quem os manteve – se o verbo já puder ser usado no pretérito. Esquecer-se disso é navegar sem bússola, sem direção.

Está bem, somos seres diferentes dividindo o mesmo planeta ou devo dizer que somos todos iguais e nos suportarmos faz parte do show? Eu prefiro a segunda opção, mas diversidade, para vocês, é como um reflexo num espelho narcisista. Qualquer imagem fora do espectro é desfocada, e deixa de ser tão necessária assim, afinal, nesse baile medieval onde todos devem acertar os passos, o que vale é manter a zona de conforto intocada e imaculada de dentro dos condomínios e atrás de uma tela. A verdadeira diversidade dói, desafia e desconforta. Ela deixa de ser um slogan bonito, é um campo de batalha.

Mas, confesso que invejo esta síndrome de merecimento que foi geneticamente encapsulada ano após ano. Essa sensação de que o mundo lhes deve alguma coisa deve ser fantástica. Mas a vida não é uma vending machine onde vocês apertam ‘eu mereço’ e o universo atende. Merecimento é o final do caminho e não o começo dele.

Pronto, por hoje acho que a terapia está em dia! Só quero finalizar lembrando que devemos concordar em discordar, pessoal. É assim que seres evoluídos fazem até para que se conectem aos outros moradores deste grande vilarejo. Nossas conexões não podem ser frágeis quanto um sinal de Wi-Fi. A verdadeira conexão requer mais do que uma boa cobertura: exige presença, autenticidade e, acima de tudo, vulnerabilidade.

Lucas Atanazio Vetorasso é CEO do GRUPO ATNZO

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