A maçaneta

Que dor é essa que arranca a minha maçaneta?

Os artigos assinados não traduzem ou representam, necessariamente, a opinião ou posição do Portal. Sua publicação é no sentido de estimular o debate de problemas e questões do cotidiano e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo

Design Dolce sob imagem de Henadzi Pechan em Canva

Por Aline de Santi Arrebola

Trabalho com a Orientação Educacional há quase 3 anos. Minha paixão e interesse sempre foram voltados para os adolescentes, principalmente pela sua forma simples, introspectiva, mas que expressa tudo no jeito de ser – ou busca ser. Essa vontade de saber mais sobre esse universo me levou para a Orientação do Ensino Médio. Nesse meio tempo, algo de muito curioso aconteceu em todas as escolas que tive o prazer de trabalhar: a maçaneta da minha porta sempre quebrou do lado de fora.

Sempre, na metade para o final do ano, a maçaneta caía na mão de algum aluno que, em um tom irônico, me dizia: “ei, cuidado agora para não ficar presa aí, a maçaneta caiu”. Da primeira vez que isso ocorreu, comentei a metáfora dessa situação com a Orientadora que trabalhava comigo que, por sinal, foi a pessoa que me ensinou tudo sobre esse trabalho. Para quem trabalha com educação hoje em dia, sabe quantos atendimentos são feitos diariamente de famílias e alunos que, quase incessantemente, batem à nossa porta.

Um dia cheguei a contar e percebi o incrível número de 32 atendimentos em um período de 6 horas. Fazendo uma conta simples, percebi que havia atendido uma média de 1 aluno a cada 11 minutos. Uma história diferente, um problema diferente, um questionamento diferente, uma preocupação diferente, um choro diferente. Que dor é essa que arranca a minha maçaneta?

Realmente, nessa frequência, não há porta que aguente. Mas se nem a porta está aguentando, como estão nossos jovens? A cada abrir de porta, abre também um coração.

Por mais cansativo que às vezes possa ser, e é, que bom que abre. As questões hoje são tão grandes que precisam ser colocadas para fora. Uma sala com quatro paredes, um pufe e alguém, que no caso sou eu, bastam para se abrir um universo de questões que ultrapassam aquele espaço.

Design Dolce sob imagem de SDI Productions em Canva

“Posso ficar aqui?”. Essa é uma pergunta que ouço todos os dias. Às vezes, parece não haver questão nenhuma. Esses são os casos que não trazem nenhuma queixa latente, explícita, pedem apenas por um pouco de companhia e um espaço. Algo rotineiro, que ainda me surpreende muito, são os alunos querendo passar o intervalo na sala da coordenação. Isso mesmo, a temida ida à coordenação agora passa a ser o local de maior disputa para se aproveitar os curtos 30 minutos de descontração no recreio.

Até aqui estou falando de casos voluntários, de alunos que vêm à Orientação por vontade própria. Mas também existem aqueles que são encaminhados pelo professor por, na maioria das vezes, conversar demais ou ter um comportamento que fuja muito do esperado em um contexto de sala de aula. Esses alunos, quando chegam, muitas vezes, não sabem me dizer o porquê estavam fazendo o que fizeram ou o que os motivou a agir daquele modo. Com um pouco de paciência e interesse, o que se esperava ser transformado em uma bronca, passa ser uma conversa sobre uma vivência em casa, um sentimento, um medo ou uma angústia iminente. Na realidade, não importa porque o garoto jogou a bolinha de papel, mas o que está por trás dessa ação. É sobre isso que sinto que o trabalho caminha, e não pelo ato em si, pois ele é apenas um sintoma da causa.

Essa abordagem, porém, traz seus riscos. Desconfortos, por assim dizer. Muitas vezes, ao longo do meu trabalho, fui questionada pelos mais diversos profissionais sobre “o que tinha sido aplicado ao aluno?”. Por vezes, me sentia constrangida em dizer apenas que tinha refletido com ele ao encarar um olhar frustrado de alguém que havia se sentido desrespeitado. O que deveria eu ter feito no lugar? É claro que o educador tem a sua razão, ele está em uma posição em que o olhar individualizado, por mais acolhedor que seja, é muito limitado diante de 40 alunos ao mesmo tempo.

Imagem cedida pelo Colégio Anglo Morumbi

Mas, no um a um, é possível cavar mais. Aquele aluno que chegou como um menino indisciplinado, aos meus olhos, transparece como alguém que precisou expressar algo através dessa atenção, mesmo que negativa, que recebeu. Afinal, a atenção negativa também é uma atenção. Naquele momento, ele quis que algo fosse olhado nele, mas, no desajuste de compreender a si mesmo, buscou essa atenção de forma deslocada.

Deveria eu puni-lo de forma administrativa? Algumas vezes isso ocorreu, mas percebi que comportamento algum se alterava. Claro, havia faltado a reflexão. Eu havia agido no sintoma, mas não na causa.

A causa, porém, leva mais tempo para ser encontrada e digerida. Leva um tempo que, às vezes, enlouquece uma escola toda a ponto de a presença desse aluno não ser mais desejada e a coordenação ser questionada incessantemente sobre “o que será feito?”.

Aprendi, nesses quase 3 anos, que punição por punição não leva a nada. Nem mesmo as mais severas. É apenas no diálogo, reflexão e conexão que o sentido para algum comportamento pode ser encontrado.

Enquanto eu estiver na minha sala, espero que ela seja procurada. Esse é o sentido da minha profissão e da minha vocação para esse lugar. Não sei que lugar ocupo para esses jovens, mas, às vezes, me sinto como um depósito de pensamentos. Pensamentos esses que não cabem mais em uma cabeça só, que precisa ser compartilhada com tantas fórmulas matemáticas ou nomes de partes de células. Porque, afinal, ainda estamos em uma escola e outras informações estão correndo por lá. Esses pensamentos precisam sair para não implodir – explodir para dentro – e talvez por isso minha maçaneta sofra tanta pressão. Há algo que aparece só quando a porta se abre; então, sejam sempre muito bem-vindos.

Com amor,

Aline de Santi Arrebola é Orientadora Pedagógica no Colégio Anglo Morumbi

@aline.santi

Há 30 anos, o Colégio Anglo Morumbi vem transformando vidas e abrindo caminhos para um mundo em constante evolução. A proposta pedagógica é pautada nos três pilares: acadêmico (Sistema Anglo de ensino, treinamento contínuo de professores, Plataforma Bilíngue Cultura Inglesa (Imersão na língua inglesa), socioemocional (Líder em Mim, Parceria Unesco) e inovação (Cultura Maker, Sala Google, Aplicativos de gamificação).

Os alunos, desde a Educação Infantil, passando pelo Ensino Fundamental até o Ensino Médio, são incentivados a desenvolverem suas lideranças, responsabilidades e o protagonismo para sua formação. Recebemos o título de Escola Farol, um reconhecimento internacional da excelência atingida pela escola em termos de resultados escolares, desenvolvimento do senso de liderança, autonomia e autoconfiança dos alunos.

O Colégio Anglo Morumbi é Escola Google Referência, reconhecidos por desenvolver soluções curriculares inovadoras e tecnológicas, que colocam o aluno no centro do processo de aprendizagem. Os professores são capacitados e certificados para utilizarem as ferramentas Google, tornando a aula mais envolvente e dinâmica.

R. Diogo Pereira, 324
Vila Suzana, São Paulo – SP
Telefone: (11) 3740-1000

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