“Sonhar é acordar-se para dentro”
Mario Quintana
Quantos sonhos podemos ter enquanto dormimos?
Despertar é dolorido
O sangue ainda escorria pela testa quando acordei. Parecia ter visto um vulto dançando na janela de forma coerente, mas eram os pingos da chuva que escorriam pela vidraça. A manhã acordava com uma chuva fina acariciando o asfalto.
Eu não tinha muito tempo. Estava com pressa e tomei gelado mesmo, o café que fiz na noite anterior e que solenemente amargava no bule em cima da pia da cozinha.
Estava frio. O tempo. Fria manhã que me fez sutilmente alegre, mas ao sair de casa lembrei-me de que tinha que ter levado o guarda-chuva comigo. Também, paradoxalmente, esqueci o relógio de pulso. Era a pressa e agora eu não conseguia ver as horas, ou melhor, os minutos. Restava-me abraçar o dia da maneira como viesse, sem negociar.
O sangue na testa já estancara e eu seguia mais em paz. Atrasado como sempre, mas sem culpa.
Almas pela noite adentro
Ao pedir um uísque duplo com gelo, percebi que o garçom estava com tantos pedidos na mão, que de repente achei que teria de beber qualquer porcaria que me empurrassem. Pedidos trocados, seria desculpa. Mas, não! Veio deliciosamente o malte com sabor de cidade à meia-noite.
Tomei vários o bastante para que a embriaguez tirasse de cena a timidez e me colocasse diante dela. Tolices ditas com muita sinceridade e romantismo me recompensaram com seu sorriso e a concessão de lhe fazer companhia.
Estava inteiro e cheio de coragem. O medo ainda estava lá, mas eu tinha decidido não enfrentá-lo, mas tê-lo como conselheiro, como alguém que me segura pelo braço para não ser atropelado na rua.
Então a noite acabou sendo meu divertimento. Aventura amorosa entre a impetuosidade etílica e o medo infantil diante da garota mais bonita da rua.
Memórias por aí
Partes de uma canção vinham em minha mente, mas não me lembrava o nome, daí me ocorreu que isso não era tão importante. Era suficientemente prazeroso cantarolar a harmonia e inventar frases no lugar das que eu tinha me esquecido.
Música é importante. Ajuda a distrair e ao mesmo tempo dita o ritmo das coisas que fazemos cotidianamente. Nos faz também recordar as nossas melhores lembranças.
Cidadeando por aí, observo canibais da vida. Gente que retira o gosto do momento por uma simples obsessão. Sem pudor, buscam reconhecimento alheio para suas feridas narcisistas. Rostos sem faces, faltam lhes alegrias para narrar a tristeza de breve experiência que vivem. São hordas correndo em pânico de um shopping center
O tempo ainda como senhor do destino
Não devemos desanimar. O que vem por aí não se compra com ninharia. É preciso mais que desejo para acompanhar a ferocidade das novidades que chegam a todo momento. O mais adequado é manter os olhos bem abertos e o senso de observação aguçado para que se faça a melhor escolha.
Mas se não der certo, o que é um arrependimento a mais na prateleira da lamentação?
Vivemos de um vez só e a nossa estupidez pode ficar para sempre tatuada na tez da humanidade por séculos, até que o fogo da eternidade enfim queime de vez qualquer vestígio de nossa passagem por esta rua, suavemente escorregadia agora pela fina chuva que avança para uma tormenta que nos acordará pela manhã.
O sonho agora, e não mais o sangue, é que estará escorrendo na testa quando acordar.
Paulo Maia é publicitário, um pensador livre e morador do Morumbi que mantém sua curiosidade sempre aguçada
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