Apple Vision e o mundo que queremos ver

Ponto de Vista

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Não é novidade imaginar um mundo em que os aplicativos desempenham um papel de controle e mediação das nossas vidas

Divulgação Apple

Por Henrique da Silva Pereira 

O smartphone, tal como o conhecemos e utilizamos no nosso dia a dia, foi apresentado em 2007 com o lançamento do primeiro iPhone. Desde então, várias fabricantes têm desenvolvido tecnologias para aperfeiçoar este dispositivo móvel, que rapidamente assumiu um papel central nesta nova era. Ações como ir ao mercado, chamar um táxi, participar de reuniões, enviar mensagens… tornaram-se comuns na utilização desta tecnologia. Nos últimos três anos, com a pandemia e as medidas de prevenção, os celulares ganharam ainda mais protagonismo, tornando-se os principais meios de comunicação na sociabilidade. Estávamos (e estamos) “próximos” uns dos outros graças aos aplicativos de comunicação. 

Assim, não é novidade imaginar um mundo em que os aplicativos desempenham um papel de controle e mediação das nossas vidas. Trabalhamos, relacionamo-nos e vivemos a partir das interações estabelecidas com os softwares dos smartphones. Já estamos vivendo uma espécie de metaverso, no qual as nossas ações se estabelecem a partir e se dirigem ao espaço digital. 

No dia 5 de junho de 2023, a Apple anunciou o seu novo dispositivo: o Vision Pro. Trata-se de um óculos de realidade mista que combina o mundo real com a virtualidade dos aplicativos. Esses óculos promete uma imersão total ou parcial, dependendo da vontade do utilizador. Ele permitirá que o mundo que vemos possa ser completamente reprogramado e reimaginado. O cenário futurístico previsto por Yuval Noah Harari em “Homo Deus”, no qual a humanidade se transforma em ciborgues, está se aproximando. 

Apple WWCD23 Vision Pro | Divulgação Apple

Apesar dos benefícios que as tecnologias emergentes podem nos oferecer, chama a atenção o futuro projetado pelas grandes empresas de tecnologia. Anteriormente, a Microsoft e a Google apresentaram protótipos de óculos de realidade aumentada. Em todos os casos, incluindo o novo dispositivo da Apple, a realidade material é apenas o plano de fundo no qual os aplicativos operam. É um mundo no qual o próprio mundo é um computador. Ou, pelo menos, assim parece. Isso nos traz uma constatação sobre o sentimento do tempo atual: os dispositivos móveis são aparelhos individuais. Ao contrário da televisão e do rádio, por exemplo, nos quais o desfrute é coletivo, os smartphones são dispositivos individuais. Os feeds das redes sociais operam nessa lógica, apresentando o conteúdo que o usuário individualmente tem mais probabilidade de gostar. Um mundo, como prometido pelos óculos de realidade mista, que existe de forma virtual é um mundo no qual apenas o indivíduo existe. 

O mundo que se constrói para mim é um mundo que afasta o outro. É um mundo personalizado. O filósofo Byung-Chul Han, em “A Agonia de Eros”, discute que estamos vivendo em um mundo no qual o prazer é constantemente buscado, no qual procuramos evitar atritos e obstáculos. O narcisismo é enaltecido, fazendo com que a alteridade e a fantasia do diferente, que catalisam a libido, desapareçam.  

Estamos desiludidos com o outro. Afastamo-nos tanto do outro ao ponto de criarmos um dispositivo que pode ofuscar e fazer desaparecer visualmente aquilo que nos incomoda. Um mecanismo que permite esconder aquilo que é diferente. 

Divulgação Apple

Durante o lançamento do Vision Pro, uma das funcionalidades apresentadas pela Apple para o uso do dispositivo é a possibilidade de, ao usá-lo, imaginar-se em outros lugares. Posso estar fisicamente em casa, mas estou vendo como se estivesse em um cinema. Uma sala escura com uma grande tela projetando o filme. Estar em uma sala de exibição sem que o meu cotovelo encoste por engano no cotovelo da pessoa ao lado, ou estar em um cinema sem o cheiro de pipoca, sem pessoas conversando, sem um chão pegajoso porque alguém derramou refrigerante por acidente na sessão anterior. Escolher estar num mundo no qual afasto o Outro é escolher deixar de sentir. É diminuir todos os sentidos e dar protagonismo para visão. É acreditar que estar no mundo é apenas vê-lo. A estesia é uma condição estética, ou seja, para vivenciar o mundo, é preciso estar sensivelmente disposto a estar nesse mundo. 

Essa discussão está apenas começando, mas certamente é um tema importante no universo da comunicação e da sociedade. McLuhan já falava sobre os meios de comunicação como extensão dos sentidos humanos. Será que chegamos a um momento no qual terceirizaremos a nossa visão? Permitiremos vivenciar um mundo que constrói a sua imagem com base em cálculos e programação? Deixaremos o mundo ser reconstruído numa arquitetura codificada, com interesses comerciais? Essa é uma questão que precisará ser analisada de várias perspectivas, incluindo a linguagem e a comunicação. É por meio da linguagem que recortamos, interpretamos e criamos realidades. É por meio da linguagem que damos sentido ao mundo natural. Estamos sujeitos a isso. Qual tipo de mundo queremos viver e sentir? 

Divulgação Apple

Henrique da Silva Pereira é Doutor em Comunicação pela UNESP e Coordenador dos cursos de Comunicação, Artes e Design do CEUNSP 

Com 60 anos de tradição e dois campi – Itu e Salto –, o CEUNSP é reconhecido por seu ensino de qualidade, com ótimos indicadores comprovados pelo MEC, Enade e Guia da Faculdade e considerado um dos maiores complexos educacionais da região. Oferece cursos de graduação e pós-graduação em diversas áreas do conhecimento. Pertence ao grupo Cruzeiro do Sul Educacional, um dos mais representativos do País, que reúne instituições academicamente relevantes e marcas reconhecidas em seus respectivos mercados. Visite: www.ceunsp.edu.br  e conheça o Nosso Jeito de Ensinar.  

Colaboração da pauta:

XCOM Strategic Digital Thinking

Kaique Mercês | kaique.merces@xcom.net.br

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