O que é intolerância? Trata-se de uma prerrogativa da humanidade.
Estamos todos imersos em erros e fraquezas: perdoemo-nos reciprocamente as nossas tolices, eis a primeira lei da natureza
VOLTAIRE (1764)
Intolerância é uma atitude mental caracterizada pela falta de habilidade ou vontade em reconhecer e respeitar diferenças em crenças e opiniões. Social e politicamente falando, também trata-se da ausência de disposição para aceitar pessoas com pontos de vistas diferentes. É uma condição humana que se expressa da sua própria natureza na busca de sentido, de significado para as coisas.
Eu vejo o mundo de um jeito no qual eu me sinto seguro e confiante em conduzir minha vida e meus interesses, e na medida em que surge algo que destoa dessa visão, recuso sua concepção, pois ela representa um perigo para o êxito de meus interesses e principalmente para a constituição do meu ser, pois preciso confiar em algo de forma que eu possa me organizar. E, quando as divergências se aproximam da minha realidade, pondo em risco o que eu já organizei à minha volta, me disponho ao conflito e à luta pelas minhas posições e razões.
Sendo uma condição da nossa natureza, parece que a intolerância está em nosso DNA e se expressa não apenas nas relações humanas, mas na nossa relação com a realidade e o mundo. A não tolerância, por exemplo, ao clima pode me levar à morte. A evolução adaptativa da espécie é, em si, uma constante acomodação do ser face à intolerância com determinados modo de existir no real.
Mas, afunilando um pouco a questão no cerne da civilização, no que tange às regras e condições que seres humanos compartilham para se manterem vivos no dia a dia, sentimos que lidar com a intolerância deve ser sempre uma batalha interna para que não ultrapassemos a linha que separa o civilizado do selvagem.
Ainda que saibamos que somos do reino animal, em alguma medida, também temos a consciência de que no estado de selvageria, estaríamos pondo a espécie em risco de extinção por atos dela própria. Provavelmente o alto nível de estresse por conta de estarmos totalmente à mercê de uma aniquilação por um semelhante, nos levaria à insanidade e poderíamos não mais suportar a vida. Sem a possibilidade de trégua, nos mataríamos até o último ser, para depois este morrer na, ou da solidão.
Em um ambiente civilizado, há uma necessidade de organizarmos o mundo à nossa volta, e para isso, significado e sentido são pilares essenciais à nossa psicologia. Portanto, buscar acomodar estes sentidos a modos de sobrevivência são essenciais e, ter atitude tolerante é fundamental.
Mas, utopias de um mundo organizado e pleno à parte, sabemos que temos recursos cognitivos e psicológicos para agirmos com tolerância às incongruências que surgem, porém, para termos um relativo sucesso nesta jornada, mais do que ter a atitude tolerante, temos que praticar tolerância. Pensar em uma convergência total de espíritos e mentes é patológico e passível de se buscar ajuda profissional. É uma utopia mais que delirante. É idiota. Por isso, conviver com diferenças e entender por que elas devem existir, é fundamental. Como podemos conhecer algo diferente quando tudo é igual? E como reconhecer se podemos melhorar nossas condições na vida quando nada muda e tudo se parece como no instante anterior? Se não reconhecemos diferenças, nem o instante anterior (o tempo) seria possível perceber.
Pensando mais no mundo das ideias e ideais, vemos a intolerância na sua face mais raivosa. A polarização política tem se acentuado muito nos últimos tempos no mundo inteiro e principalmente em nosso quintal. Racismo, ideologias identitárias, sociais, crenças e posições político-partidárias tomam agendas e se fazem presentes em fanatismos como vemos em torcidas de times de futebol e no messianismo a figuras, no mínimo, controversas e de caráter duvidosos.
Temos que nos recompor e se portar de forma mais adulta, harmoniosa, mesmo sabendo que é uma tarefa grandiosa. A experiência da vida é única e pode ser levada de forma a termos prazer, mesmo sabendo que o sofrimento nela é mais natural – e inato – do que se parece.
Entendermos que o absoluto da vida somos nós, pelo menos no que se refere à nossa sobrevivência em um mundo violente por natureza, é mais importante do que meros pontos de vistas, que, no fundo, no fundo, sabemos que são transitórios. Assim como nossa vida, claro, mas entre eles e a vida, o mais importante é a concretude da última. O resto são ideias e conceitos que construímos na imaginação e implantamos no mundo. E que por isso mesmo, muda de direção de tempos em tempos e de geração em geração.
A pregação de verdades incontestáveis e narrativas inverossímeis de forma desenfreada nas redes sociais, em grupos de WhatsApp e agora até em aplicativos de danças infantis é somente uma distração para momentos em que possamos estar entediados. Nada mais sério podemos extrair dela, porém tudo isso está adoecendo nossas vidas.
Sejamos mais tolerantes conosco e veremos que podemos aplicar o mesmo com os demais. Podemos, sem medo de errar, de que jamais concordaremos em tudo e com todos. Porém, da mesma forma, podemos ver que a experiência humana tem mostrado que colaboração nos traz mais garantia de sobrevivência e plenitude no viver do que conflitos e guerras.
Parece-me claro que o mundo sempre terá diferenças por todos os lados. Nossa produção cultural nos leva a um caleidoscópio de signos e a uma vastidão de sentidos. E, sabedores disso, fica uma questão.
Será que conseguimos ampliar nossa tolerância? Ou estamos agindo feito idiotas egoístas tentando, a todo custo, impor nosso ponto de vista? Longe de ser um relativista, mas não se engane: ninguém e nada nos legou a verdade. Sequer sabemos se isso é uma coisa, ou seja, se existe concretamente (recorda-se do meu artigo anterior?). E, se você acha que a tem por alguma razão, pode estar justamente no lado da ignorância onde você aponta que o outro está.
Considere um dia ouvir atentamente o que outros tem a dizer sobre o que você pensa ao invés de dar ouvidos somente àquela pessoa que você encontra todo dia no espelho. Não se surpreenda se, talvez, por algum momento, você se identificar com ela. Se isso acontecer, demostre um pouco de misericórdia e busque ser tolerante, afinal será o momento em que você se verá no mesmo barco em que estamos todos.
Boa semana!
Paulo Maia é publicitário, um pensador livre e morador do Morumbi que mantém sua curiosidade sempre aguçada
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