Liberdade de expressão e a cultura do cancelamento

La Dolce Vita

Paulo Maia

Ainda repercute na mídia e redes sociais, a história do “cancelamento” do apresentador do Flow Podcast, Monark, a respeito de suas declarações sobre o direito de se ter, no Brasil, um partido nazista.

Agora ele se vê impedido de criar uma nova conta no YouTube e tem postado sua revolta, dizendo estar sendo perseguido politicamente.

Entre tantos outros acontecimentos semelhantes, esse exemplifica bem a dificuldade que temos em identificar a realidade das coisas. Com tanta relativização, polarização e subjetividade, não sabemos direito as causas das doenças que sofremos.

Claro que ele não está sendo perseguido politicamente. Creio que ele confunde as coisas. Perseguição política é outra coisa. Ele não defendeu em seu programa e não defende politicamente, a instituição de um partido nazista e sua ideologia eugenista. Ele não é nazista, nem antissemita, como bem opinou recentemente o filósofo Luiz Felipe Pondé, em seu canal de YouTube. Monark foi apenas bobo usando a capa da tal “liberdade de expressão” para justificar sua total falta de bom senso.

E é por isso que ele está sendo cancelado. Por ter se tornado, como diriam os americanos, um “business hazard“, um risco para os negócios. Se há alguma perseguição, é do próprio dinheiro que, como diz o ditado popular, não leva desaforo. Na lógica do capitalismo, pela qual vivemos hoje em praticamente todas as instâncias da vida, investir nele, neste momento, é perder dinheiro. Além do quê, pelas suas infelizes declarações, tornou-se também uma “persona non grata“. Por ora, raros serão os que vão querer associar suas imagens à dele.

A realidade das consequências de nossos atos está sempre nos mostrando o quanto é importante tomarmos cuidado com o que fazemos e dissemos por aí. “Liberdade de expressão” é um termo que só pode ser entendido quando contextualizado. Sozinho ele não tem sentido.

Parece que ele tem sido muito usado, recentemente, como um refúgio para justificar violência verbal, falta de decoro, desrespeito e toda a sorte de descalabro que, geralmente, ressentidos sem muito repertório para argumentação e pouca capacidade de articular qualquer raciocínio, usam para defender suas opiniões, pontos de vistas e, principalmente, teorias de conspiração.

A expressão é usada também, às vezes, como uma pá de cal para relativizar ou acabar com um debate. Não importa se estou errado ou se falto com o decoro. Admitir a possibilidade de se estar enganado e reconhecer uma oportunidade de rever uma opinião ou linha de raciocínio, soa como humilhação e desprezo. Na verdade, tais atitudes vão na direção contrária: elas são magnânimas e demonstram que não somos o centro das atenções e nem nossa opinião deve ser a régua para todos. Mostram que devemos estar atentos à realidade para entender como ela funciona.

Outra coisa que acho importante avaliar é o próprio termo “liberdade”. Se pararmos para refletir, veremos que não somos inteiramente livres e, com certeza, não gozamos de uma liberdade total como se julga por aí. A maior prova é a realidade concreta e miserável na qual experimentamos a vida. Queremos tanta coisa, mas outras tantas nos constrangem e nos impedem de agirmos com a liberdade que achamos ter!

Durante o regime militar, havia uma censura de estado e de governo. Neste contexto, falar em liberdade de expressão, no caso, a falta dela, fazia sentido na medida em que significava a supressão de opiniões, especialmente políticas, contrárias ao regime. E muita gente deu a vida defendendo o direito a uma “liberdade de expressão”. Contexto é fundamental para podermos situar e entender sobre o que falamos, lemos ou ouvimos.

Hoje, o governo não é mais o único protagonista de ações ideológicas ou de tentar impor censura em setores da sociedade com suas narrativas (para usar uma expressão da moda). A própria sociedade criou mecanismos tecnológicos embalados pelo marketing do bem para tal. A visibilidade nas mídias sociais com sua (suposta) “liberdade de expressão”, podem levar alguma informação útil, mas o grande volume de postagens vão na direção de disseminar rancor, ideias sem sentido, estupidez, obtusidade, além de inveja e ressentimento. Ou somente são pura bobagem de desocupados.

A ironia da coisa é que o politicamente correto, cultura fomentada para evitar ofensas e amenizar opiniões, gerou seu nêmesis e agora todos nós temos que lidar com lastimáveis eufemismos óbvios que chegam a nos envergonhar em nome do convívio social. O rei anda nu e sequer podemos elogiar sua roupa que não está lá, por medo de ferir suscetibilidades.

Mas o cancelamento do Monark não fora por algo censurado pelo politicamente correto. Fora simplesmente pela falta de malícia em não perceber que o sucesso alcançado pelo seu programa exigia mais responsabilidade em suas declarações, pois fez dele um “influencer”. Faltou também entender que a liberdade de expressão não é um salvo conduto pelo que sua insensibilidade pode gerar.

Muito já fizemos, claro, deixando métodos selvagens para trás, mas a natureza humana, para o bem ou para o mal, se mostra ainda, em boa parte, impermeável a muitos avanços tecnológicos ou da produção de conhecimento que, supostamente, deveriam nos civilizar para convivermos socialmente de forma mais harmoniosa possível.

O mal ainda é aquele que sai da boca do ser humano.

Paulo Maia é publicitário, um pensador livre e morador do Morumbi que mantém sua curiosidade sempre aguçada

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