De São Bento a Paris

Dolce Contos do Chef

Chef Eduardo de Castro

A estação de comboios (trens) de São Bento, no Porto, foi o ponto de partida para descobrir o mundo

Estação ferroviária de São Bento, Porto, Portugal
Imagem por jad99 from Graz, Austria, CC BY-SA 2.0, via Wikimedia Commons

Para muitos da minha idade, a estação de comboios (trens) de São Bento, no Porto, foi o ponto de partida para descobrir o mundo. Impossível até hoje, ao entrar na estação, não se emocionar com uma das maiores coleções de azulejos do mundo.

Há pouco tempo a Condé Nast Traveler a elegeu como uma das mais impressionantes estações ferroviárias do globo. São cerca de 20 mil azulejos que ilustram um pouco da história de Portugal.

Neste dia chuvoso do final do mês de agosto, no ano de 1978, sabia que Paris seria o meu destino com uma parada ao final do dia na capital Lisboa. Os trens têm essa magia de podermos circular entre as carruagens e começar a conhecer os nossos companheiros de viagem. Um pouco depois de Coimbra, um casal de transmontanos decidiu abrir uma cesta de piquenique e me oferecer um pêssego. Começou ali a primeira grande coincidência da minha viagem internacional: eles também iriam para Paris. Rosa e Antônio estavam de volta depois de um mês de férias em Portugal e foram os meus primeiros professores dos hábitos e costumes que eu iria encontrar a partir do dia seguinte.

Vestíbulo da estação ferroviária de Porto São Bento, Porto, Portugal
Imagem por IngolfBLN, CC BY-SA 2.0, via Wikimedia Commons

Nessa época meu país não fazia parte ainda da Europa desenvolvida – e que futuramente daria origem à Comunidade Europeia. A Revolução dos Cravos de 1974 provocou um enorme movimento social e quatro anos depois ainda estava em plena transformação. Se viviam dias de liberdade e de recuperar o tempo perdido após uma ditadura de mais de 40 anos. A vontade de conhecer novos países e novas culturas fazia com que procurássemos destinos fora da Pátria lusitana.

Me lembro perfeitamente que levei dois livros comigo: As cidades e as serras, de Eça de Queiroz, e O Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco. Ao longo dos quilômetros vencidos pelo trem, Paris ficava mais próximo e o meu coração mais solitário.

Na parada em Lisboa, comprei as duas últimas cervejas Sagres e um sanduiche de queijo que me acompanharam até a França. A primeira grande emoção foi na fronteira com a chegada da polícia e a estreia do meu passaporte novinho em folha. Estava oficialmente na Espanha.  Pela primeira vez usei pesetas e tomei um café da manhã já com sotaque castelhano. Senti uma certa euforia porque o meu projeto em sair de Portugal estava dando certo. Fica aqui registrado que comi pela primeira vez um bocadilho de jamón ibérico (sanduiche de pão rústico com fatias de jamón e azeite tipicamente espanhol). Os olhos ficavam ligados nas paisagens bem diferentes do meu país natal. Para um garoto recém-saído do Porto, tudo era novidade e tudo era sonho numa viagem que terminou na Gare du Nord, porta de entrada dos milhares de imigrantes portugueses que procuravam um destino laboral para fugir das dificuldades econômicas.

Estação Gare du Nord, Paris, França
Imagem por Jeanne Menjoulet, Paris, França, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons

O ar frio me avisou que estava em Paris. Finalmente lembrei da minha professora Maria Rita e comecei a praticar minhas aulas de francês que acumulei no Liceu de Santo Tirso. Um pequeno bistrô, de nome Deux Freres, foi o local escolhido ao acaso para o meu primeiro almoço – e porque o prato do dia era barato para as minhas economias em francos.

A partir deste dia, o português foi substituído pelo francês e eu comecei a minha peregrinação num país que faz parte da minha formação até hoje. Mas isso é outra história e contaremos logo mais.

Beijo

Interior da Estação Gare Du Nord, Paris, França
Imagem por Mbzt, CC BY 3.0, via Wikimedia Commons

Chef Eduardo de Castro é jornalista de formação, mas foi na gastronomia que ele percebeu que o seu amor pelas panelas era maior do que pela escrita, mas mesmo assim trará seus contos quinzenalmente na Dolce Morumbi 

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