Tragédia como a do Rio Grande do Sul cria um marco na vida das vítimas que perderam familiares, estruturas e referências
A tragédia no Rio Grande do Sul por conta do excesso de chuvas faz um outro alerta para além das questões ambientais, a questão da saúde mental diante das mudanças climáticas. Com a frequência de catástrofes, cresce também a necessidade de se olhar para a saúde mental das vítimas e das equipes de socorristas. De acordo com números recentes, pelo menos 143 pessoas morreram (até este domingo, 12/05), 134 municípios foram devastados e mais de 1 milhão de pessoas foram atingidas.
Os números, as notícias e as imagens/áudios que circulam nas redes sociais mostram um pouco do real impacto que o excesso de água trouxe, e ainda traz, ao estado gaúcho. Tristeza, angústia, luto e revolta são sentimentos comuns agora presentes na vida dessas pessoas que perderam familiares, casas e referências. De acordo com a doutora em psicologia pela PUC-SP e psicanalista Blenda Oliveira, tragédias como essas devastam também a saúde mental. “Não há como uma pessoa sair a mesma diante de uma dolorosa experiência como essa, nem mesmo se ela conseguiu sair a tempo, se ela conseguiu salvar seus familiares e pertences. As referências daquela pessoa, como a cidade em si, seu bairro e sua casa, já não estão mais ali“.
Segundo a especialista, o trauma acontece independentemente do que foi salvo ou não. “Um dos principais sentimentos que acometem essas pessoas é o da impotência, o de não ter o que fazer, algo inclusive que muitas vezes sente também os socorristas. Isso é angustiante“. Outro ponto que ressalta a doutora é o contato com a morte. “Perder um ente querido é algo doloroso, ainda mais em situações como essa”, explica Blenda.
Diversos estudos já são feitos dentro da ecopsicologia, vertente da psicologia que estuda a relação do ser humano com a natureza, que mostram como as mudanças climáticas estão afetando ainda mais a saúde mental das pessoas. Quadros como ansiedade, estresse, distúrbios do sono, nervosismo e depressão já passam a ser associados ao medo do que realmente pode acontecer com o desequilíbrio da natureza causado pelo ser humano. “Se o sono, a alimentação e a água são importantes para nossa saúde física e mental, como estão as vítimas agora?“, questiona a especialista.
“Estamos em um século ainda mais cheio de incertezas, o que envolve desde economia, política, tecnologia e chega também nas mudanças climáticas. É natural do ser humano ter medo e buscar a sobrevivência acima de tudo, mas isso se agrava ainda mais diante deste quadro que estamos vivendo. Com a frequência desses eventos, precisamos olhar para a necessidade de todas essas pessoas, vítimas diretas ou não, que estão envolvidas, que são atingidas. Precisamos discutir como salvar o meio ambiente e como cuidar da saúde mental das pessoas diante disso“, afirma Blenda.
Apesar do trauma, a psicóloga explica que há caminhos para superação. “É possível e necessário ressignificar experiências como essas para que a pessoa possa se reorganizar emocionalmente para seguir em frente a partir de novas possibilidades”, finaliza.
Blenda Oliveira, doutora em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). É autora do livro Fazendo as pazes com a ansiedade, publicado pela Editora Nacional, que foi indicado ao Prêmio Jabuti em 2023. A especialista também palestra sobre saúde mental e autoconhecimento e vem se dedicando ao tema do envelhecimento.
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