Skip to content

Terceira idade online: conexão sem contato e o esvaziamento do tempo

Imagem em Freepik

Com o avanço da digitalização entre idosos, surgem novos dilemas emocionais: relações fugazes, validação constante e dificuldade de elaborar a própria história em meio ao ritmo veloz das redes sociais

Mais de 66% dos idosos brasileiros acessam a internet diariamente, mas esse avanço revela um paradoxo: estar cada vez mais conectados e, ao mesmo tempo, enfrentar a solidão, a efemeridade das relações e o desafio emocional da transitoriedade em um mundo acelerado.

Segundo a PNAD Contínua TIC 2023, o percentual de idosos que acessam a internet todos os dias subiu de 24,7% em 2016 para mais de 66% em 2023. Redes sociais como WhatsApp, Facebook, Instagram e YouTube oferecem novas formas de interação, mas também expõem vulnerabilidades emocionais.

A psicanalista Camila Camaratta observa: “A solidão do idoso, antes silenciosa, hoje se manifesta em notificações constantes. A rede ocupa o espaço do outro, mas muitas vezes falta escuta e afeto genuínos. É conexão sem contato”.

O uso diário das redes varia entre duas a três horas, podendo ultrapassar cinco em alguns casos, principalmente entre mulheres, aposentados e moradores de centros urbanos. Muitos enviam mensagens, vídeos e conteúdos como forma de buscar contato ou se fazer notar. A ausência de respostas rápidas, comum nesse ambiente, pode gerar frustração — o “vazio entre envios e retornos” torna-se difícil de suportar. A paciência da espera, típica da era analógica, cede lugar à urgência emocional digital.

Mais do que manter os idosos ativos, essa rotina digital funciona como estratégia de enfrentamento da exclusão social provocada pelo envelhecimento.

Do ponto de vista psicanalítico, envelhecer é um processo simbólico que envolve luto, ressignificação e busca de sentido — dinâmicas que o ritmo efêmero das redes pode dificultar. Camaratta remete ao ensaio Sobre a Transitoriedade (1916), de Freud, ao afirmar: “É justamente o caráter transitório da vida que confere valor às experiências”.

Imagem de Lifestylememory em Freepik

Publicidade | Dolce Morumbi®

Com o avanço da idade, a percepção sobre a finitude do tempo se intensifica. Por isso, muitos idosos passam a valorizar vínculos afetivos construídos ao longo da vida, buscando aproveitar melhor o presente e colher os frutos dessas relações significativas.

A velhice é o momento da colheita desses vínculos”, diz Camaratta. “É quando o essencial supera o passageiro. A experiência emocional se torna mais seletiva e profunda”, acrescenta.

No entanto, essa maturidade entra em choque com a lógica digital, marcada pela velocidade, estimulação constante e substituição rápida. Em vez de aprofundar experiências, o tempo online tende a banalizá-las: stories que somem em 24 horas, publicações soterradas por outras, afetos medidos por curtidas.

A transitoriedade, como Freud explicou, dá valor ao que é passageiro, finito e efêmero, pois a noção de finitude não empobrece, mas intensifica o valor das experiências, dos sentimentos e das criações humanas“, comenta a psicanalista

Para o idoso — que já lida com perdas, memórias e redefinições — essa lógica pode esvaziar o tempo subjetivo, minando o espaço necessário para elaborar a própria história. Em vez de um tempo de síntese e significado, essa fase pode ser invadida pela urgência de estar sempre online, dificultando viver plenamente memórias, afetos e aprendizados.

É como se a rapidez da rede roubasse o tempo que os idosos precisam para refletir e sentir”, resume Camaratta.

Além da invisibilidade social, mais frequente neste período, há também a pressão para se adaptar a um ambiente que valoriza juventude, velocidade e desempenho. Essa “dupla dor”, segundo Camaratta, leva muitos a buscar nas redes uma restauração do narcisismo ferido — com selfies, vídeos e mensagens motivacionais. No entanto, essa exposição pode causar sofrimento: comparações, sensação de inadequação, dependência de validação externa, além de aumentar a vulnerabilidade a golpes e desinformação.

Imagem em Freepik

Publicidade | Dolce Morumbi®

A constituição subjetiva passa pelo contato com o outro — alguém presente e acolhedor. Esse encontro é essencial para que o idoso se sinta inteiro e seguro. Mas as conexões rápidas e superficiais das redes não substituem esse vínculo real, podendo intensificar a solidão.

O “tempo da rede”, com sua velocidade e excesso de estímulos, pode ser angustiante para quem vive em outro compasso. A interrupção da conexão ou o silêncio virtual geram ansiedade, irritação e sensação de abandono.

Por outro lado, a exclusão digital também é um risco.

Camaratta alerta que “estar fora da rede é, muitas vezes, estar fora do mundo”.
Por isso, a alfabetização digital é essencial, não apenas para garantir inclusão social, mas também como forma de sobrevivência simbólica — e, em alguns casos, material.

A especialista defende o “direito à vulnerabilidade” na velhice — o direito de não performar, de não responder imediatamente, de simplesmente ser. Camaratta lembra que “talvez o maior gesto de maturidade seja se reconhecer nesse momento da vida, sem se cobrar tanto”.

O mercado e a tecnologia têm tentado responder com cursos voltados à terceira idade e planos especiais de telefonia. Mas o desafio central permanece: a saúde emocional.

Que o toque da notificação não substitua o toque humano. Que a presença virtual não ocupe o lugar do afeto real. Estar online é fácil. Estar verdadeiramente conectado consigo e com o mundo — esse é o verdadeiro desafio da terceira idade”, conclui Camaratta.

Camila Camaratta, é psicanalista graduada em psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) com formação em Psicanálise pelo Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre (CEPdePA)

@camilacamaratta

Demais Publicações

Grito de uma mulher traída

O que faço com a quebra de confiança, com o abandono, com o vazio que me inunda a alma?

O poder de recomeçar com leveza e sabedoria

Hora de se mostrar com mais liberdade, plenitude e sinceridade

Preparando os negócios para o período natalino

Dados de sua gestão e planejamento são muito importantes para garantir bons negócios com o final de ano

O sabor da tradição com um toque moderno

Chefs acrescentam com muita maestria, algo interessante dentro do que já é tradicional para inovar

Arear as panelas

Desgrudar do fundo o que, um dia, teve sabor, consistência, cor — mas que hoje deixou apenas resíduos opacos, prontos a roubar o brilho

Sua beleza brilhando no final de ano

Dezembro batendo as portas nos faz repensar no que vamos fazer para as festas de final de ano

Painel Dolce Morumbi

School of Rock e Morumbi Town Shopping celebram o Dia dos Pais com evento gratuito e aberto ao público

Além dos shows de alunos da unidade, o encontro contará com atividades interativas, espaço kids, gastronomia diversa, exposições temáticas e um encontro de carros antigos

Butantã Shopping celebra o Dia dos Pais com show gratuito da cantora Luiza Possi

Apresentação acontece no sábado, dia 9 de agosto, a partir das 19h

Ateliê Contempoarte realiza a exposição “ARTMOSFERA” em agosto

Em tempos em que o planeta clama por ser escutado, a arte responde

As Mais lidas da Semana

No results found.

Publicidade Dolce Morumbi

publ-gisele-ribeiro-reiki-16.10.25-1-1
PlayPause
previous arrow
next arrow
arte-painel-dolce-abtours_1_11zon
PlayPause
previous arrow
next arrow
Imagem por Marcos Kulenkampff em Canva Fotos

Seções