Por Madalena Feliciano
O desejo de crescimento é legítimo e natural em qualquer trajetória profissional. Pessoas buscam evoluir, conquistar melhores condições financeiras, ampliar responsabilidades e alcançar posições que reflitam suas competências. No entanto, a forma como as empresas respondem a essa expectativa pode gerar um efeito colateral perigoso: a chamada “síndrome do cargo fictício”.
Esse fenômeno ocorre quando organizações criam ou concedem títulos de cargos que, na prática, não correspondem a mudanças reais de responsabilidade, escopo ou remuneração. Ou seja, o colaborador ganha um novo nome em seu crachá, mas não necessariamente uma nova função ou um pacote de benefícios compatível.
Do ponto de vista estratégico, isso gera distorções sérias: expectativas desalinhadas, perda de engajamento, dificuldades de retenção de talentos e, principalmente, um enfraquecimento da cultura organizacional.
Por que essa prática acontece?
Na maior parte dos casos, a síndrome do cargo fictício surge como uma resposta imediata à pressão de profissionais por promoções, reconhecimento ou valorização. Também pode ocorrer em empresas que não possuem políticas estruturadas de cargos, salários e progressão de carreira, ou ainda em organizações que buscam “segurar” talentos sem ter orçamento para aumentar a remuneração.
Outros fatores comuns:
* Promoções simbólicas como alternativa a reajustes salariais;
* Estruturas hierárquicas frágeis ou mal definidas, que permitem distorções;
* Decisões subjetivas da liderança, sem critérios técnicos;
* Falta de planejamento estratégico para desenvolvimento de sucessores e líderes.

Como identificar um cargo fictício?
Alguns sinais são claros quando analisamos a função ocupada em contraste com o título:
Títulos inflados – “coordenadores” que não coordenam pessoas, “gerentes de projetos” que atuam como analistas ou “especialistas” que não dominam competências além das exigidas de um pleno ou sênior.
Descompasso entre expectativas e realidade – o título sugere liderança, mas não há autonomia ou poder de decisão correspondente.
Impactos na carreira – ao tentar se recolocar no mercado, o profissional pode se deparar com exigências que nunca exerceu de fato, prejudicando sua trajetória.
Distorções internas – desalinhamento de salários, sobreposição de hierarquias e confusão nos processos organizacionais.
Frustração e desmotivação – quando o colaborador percebe que a promoção foi apenas nominal, o engajamento tende a cair drasticamente.
O impacto na vida do profissional
Do ponto de vista individual, a síndrome do cargo fictício pode ser altamente nociva. Um título que não reflete a realidade pode até trazer satisfação momentânea, mas, a longo prazo, fragiliza a carreira.
Um “gerente” que nunca exerceu gestão real pode ter dificuldades em entrevistas futuras, quando confrontado com responsabilidades típicas da função, como gestão de budget, liderança de equipes ou tomada de decisão estratégica.
Por outro lado, quando há aumento de responsabilidade sem remuneração compatível, o colaborador tende a se sentir explorado e pode se tornar alvo fácil de empresas concorrentes que ofereçam o salário condizente.
O impacto na empresa
Para as organizações, esse tipo de prática mina credibilidade e pode afetar diretamente a produtividade. Entre os principais riscos estão:
* Perda de talentos estratégicos, devido à insatisfação;
* Queda no engajamento coletivo, já que promoções sem critério geram percepções de injustiça;
* Desorganização estrutural, criando camadas hierárquicas artificiais;
* Rompimento da cultura de meritocracia, essencial para sustentar crescimento de longo prazo.

Como evitar a síndrome do cargo fictício?
Para Madalena Feliciano, a chave está em construir políticas sólidas de gestão de pessoas, baseadas em clareza, coerência e estratégia. Algumas práticas essenciais:
Estrutura de cargos e salários transparente – definir claramente níveis hierárquicos, responsabilidades e faixas salariais.
Critérios objetivos de progressão – estabelecer requisitos de competências, entregas e resultados para promoções.
Investimento em desenvolvimento de talentos – preparar profissionais para assumir novas funções de fato, e não apenas títulos.
Planejamento de sucessão – mapear posições críticas e preparar líderes para assumir novos papéis de forma sustentável.
Reconhecimento genuíno – valorizar conquistas com feedback, bônus, projetos estratégicos ou capacitação, sem depender exclusivamente de promoções formais.
Cargos não são fins, mas consequências
No mundo corporativo, cargos e títulos não devem ser vistos como conquistas isoladas, mas como reflexo de competências adquiridas, entregas realizadas e contexto organizacional.
Criar cargos fictícios pode até parecer uma solução imediata para conter ansiedades, mas, no médio e longo prazo, enfraquece a cultura, desorganiza a gestão e frustra carreiras. A verdadeira evolução profissional acontece quando existe alinhamento entre as expectativas do colaborador, as necessidades da empresa e as oportunidades que o mercado oferece. Um título vazio não gera impacto real – o que transforma carreiras é a soma de propósito, aprendizado e resultados consistentes.