Uma dança entre os afazeres e preocupações do dia a dia

Paulo Maia

A modernidade nos relega à vida administrada. Do nosso despertar ao nosso descanso nos vemos à turras com nosso cotidiano e todas as coisas que demos que dar conta, cumprir, concluir, satisfazer. A cultura da produção e de agregar valor é o que hoje nos define na civilização. Parece que em diversas instâncias – aqueles que interessam, claro – só temos valor se produzimos.

E nesta jornada, vamos criando significado em tudo o que está no caminho: edificamos uma vida de sentidos capazes de nos dar movimento e nos fazer sair da cama. E assim buscamos administrar e gerenciar qualquer relação que temos com as coisas. Do momento da troca da escova de dente até o quanto de afeto é necessário colocar nas relações pessoais, passando por colocar em prática os planos de carreira, família, lazer e, é claro, o equilíbrio fundamental da alma como alento em algum mundo espiritual.

Imagem por Amit Pal

Para muitos de nós, é um estar em um rio cuja correnteza e tão forte que parece ser impossível lutar contra, ou seja, buscar um outro sentido para a vida ou viver de outra maneira às vezes parece tão absurdo ou complicado que o melhor é se deixar levar pelas águas do que é considerado comum e normal, e se identificar com a maioria; aceitar para ser aceito.

Tudo bem, somos pó no universo que segue sua contingência sem maiores cerimônias, então, seguimos com ele na medida em que dá. Mas não é por causa disso que não devemos nos preocupar e dar uma certa dignidade à nossa existência e ao nosso cotidiano para além da banalidade e terminar o dia com um leve sorriso no rosto, se não de satisfação, então de relaxamento.

Tirar uma filosofia do cotidiano é tão importante quanto tirá-la de questões que podemos julgar mais nobres. Talvez as do nosso dia a dia sejam mais importantes, pois nos falam de relações que temos com as coisas das quais nossa vida depende inteiramente. Não apenas a nossa como indivíduo, mas a de grupos aos quais pertencemos como família e trabalho.

Para nós, animais que nos movemos por significados, a vida tem um nada como fundo e o vazio como espaço, então criar sentido é fundamental para dar opacidade ao fundo e criar movimento é importante para ocupar o espaço. E assim preencher o tempo com memórias que edificam uma vida.

Pensar o cotidiano é fazer a vida valer a pena. Mas essa atividade precisa considerar a amplidão da vida em si para não ficar presa à banalidade.

Imagem de Pietro Tebaldi
Imagem de Kelly Sikkema

Luiz Felipe Pondé, filósofo e colunista da Folha de São Paulo, lançou recentemente o livro “Filosofia do Cotidiano: um pequeno tratado sobre questões menores” (São Paulo, Ed. Contexto, 2019 – 128 páginas). É obvio que sua leitura me inspirou a escrever esse artigo e a recomendo, pois a considero necessária, especialmente para quem se sente esmagado pelo dia a dia: seu texto é direto, preciso, claro e contundente sobre nossa condição humana nos dias atuais. Lemos quase que em um piscar de olhos, pois a impressão é de que o livro fora escrito olhando pela fechadura de nossa porta.

Há uma sensação de calma interior quando se termina a leitura, algo como dizer à nossa alma que fique tranquila com a satisfação e o contentamento da consciência da existência – e das nossas questões menores que medem a altura de nossa importância.

No final, ao contrário do que Kafka supôs, temos a impressão de que a esperança pode haver também para nós. Ou pelo menos, podemos sonhar em tê-la.

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Paulo Maia é publicitário, um pensador livre e morador do Morumbi que mantém sua curiosidade sempre aguçada

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