Sexismo e estrutura machista são empecilhos para ascensão na carreira federal, segundo 64,2% de entrevistadas
Estudo encomendado pelo Movimento Pessoas à Frente com lideranças femininas, na esfera federal, revela os principais desafios para essas servidoras e as estratégias para igualdade de gênero no setor
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45,7% das entrevistadas apontaram desrespeito no trato, incluindo o assédio moral, como entrave na ascensão profissional; e 71,4% declararam a dificuldade de conciliação da carreira com o trabalho de cuidado e a maternidade
Pesquisa “Mulheres em cargos de liderança no Executivo federal: reconhecendo desafios e identificando caminhos para igualdade”, encomendada pelo Movimento Pessoas à Frente e coordenada pela pesquisadora da UnB (Universidade de Brasília) Michelle Fernandez, ouviu 70 servidoras públicas em cargos de chefia na esfera federal para entender quais seus principais desafios para ascensão de carreira.
O resultado das entrevistas mostra um cenário ainda longe do ideal na perspectiva de igualdade de gênero. Para as lideranças femininas na burocracia federal pesam na ascensão da carreira, segundo 72,8% delas, a cobrança excessiva e a expectativa de excelência de seus pares, a dificuldade de conciliação da carreira com o trabalho de cuidado e a maternidade (para 71,4% das entrevistadas), a estrutura machista/sexismo do ambiente de trabalho no serviço público (para 64,2%), as relações interpessoais e indicações entre homens (para 48,5%), e o desrespeito no trato – incluindo o assédio moral (para 45,7%).
A pesquisa analisou as respostas das mulheres em cargos de liderança com base na categorização das respostas em temas, que emergiram da literatura especializada, e subtemas, identificados a partir das entrevistas.
“O que as pesquisas têm mostrado é que a presença de mulheres em cargos de liderança diminui na medida em que o nível hierárquico aumenta. Nesse estudo, percebemos que o desafio mais citado é o de não possuírem o direito de errar. As mulheres, especialmente as negras, relatam que precisam ser infinitamente melhores do que os homens para ocuparem as mesmas posições. Tudo isso em um ambiente onde, como mostra a pesquisa, elas precisam conviver com desrespeito e assédio moral diariamente”, destaca Jessika Moreira, diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente. “Além disso, todas as mulheres, inclusive aquelas que não são mães, reconhecem o impacto da maternidade e do trabalho do cuidado enquanto dimensões que as desqualificam diante de seus pares no poder e as colocam como impossibilitadas de ocupar cargos de chefia, funções nas quais supostamente deveriam estar integralmente disponíveis para o trabalho”, complementa.
Ascensão na carreira e a cobrança por produtividade e conhecimento
Outro aspecto analisado no estudo é a visão das lideranças femininas sobre os fatores considerados relevantes para a ascensão na carreira. O acúmulo de conhecimento técnico e a produtividade são apontados como importantes para quase todas as entrevistas – apenas seis delas não citaram essas habilidades como estratégicas para subir de cargo. Em segundo lugar, aparece o chamado “capital social” (rede de relações interpessoais), que foi citado por 60 lideranças (ou 85,7%) e identificado 123 vezes em suas falas.
“O conhecimento técnico e a capacidade de se relacionar e de construir redes interpessoais se tornam aliados fundamentais para a ascensão de mulheres a cargos de liderança, mesmo que os desafios como sobrecarga, exigências, estrutura machista e ambientes hostis não se mostrem superados”, diz Michelle Fernandez, professora do Instituto de Ciência Política da UnB e coordenadora da pesquisa.
Para entender quais as proposições que essas mulheres teriam para a igualdade de gênero no setor público, a pesquisa procurou saber a percepção delas sobre possíveis estratégias e ações. Para 51,4% das entrevistadas deveriam ter políticas afirmativas para mulheres em cargos de liderança, com reserva de metade dos cargos para elas. A oferta de capacitação e treinamento voltado para lideranças e mentorias entre mulheres é citada por 42,8% das entrevistadas; já a institucionalização de políticas de cuidado para inclusão de mães e gestantes foi mencionada por 28,5%.
Lideranças femininas no setor público
O Brasil ocupa o último lugar (15º) no ranking de participação feminina em cargos de liderança na América Latina, segundo um estudo do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) de 2022. Uma nota técnica do Movimento Pessoas à Frente, a partir dos dados do Observatório de Pessoal do Governo Federal (2023), mostrou que apesar de serem maioria na população, as mulheres ocupam 42% dos cargos de chefia no executivo federal. Nas funções de natureza especial, como secretários executivos e subchefias, elas são apenas 27%, contra 73% de homens. Considerando a questão de raça, o número se mostra ainda mais desafiador: somente 8% desses cargos são ocupados por mulheres negras.
Cabe destacar que o Brasil não possui atualmente políticas que garantam a equidade de gênero no serviço público. “Precisamos de um funcionalismo que espelhe verdadeiramente as características de nossa população, para que as decisões sejam tomadas de acordo com as reais necessidades dos cidadãos e cidadãs. Só com uma burocracia representativa será possível entregar os melhores serviços a todos os brasileiros”, finaliza Jessika.
Diante desse cenário, o Movimento Pessoas à Frente realizou o Grupo de Trabalho (GT) Mulheres no Serviço Público com objetivo de construir de forma colaborativa recomendações para melhorar o acesso, ascensão e permanência de mulheres na administração pública. “Unimos 80 pessoas, em sua grande maioria mulheres, todas referências em suas áreas de atuação, para trazer seu conhecimento e experiência à serviço da proposição de um governo mais representativo”, conta Luana Dratovsky, Coordenadora de Articulação do Movimento e do grupo de trabalho. Dez encontros ocorreram entre maio e novembro e culminaram no guia “Mulheres no Serviço Público – recomendações para acesso, ascensão e permanência”, que será lançado pela organização no dia 27 de novembro durante o XXIX Congresso Internacional do CLAD (Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento) sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública, promovido pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), em parceria com a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso Brasil) em Brasília.
O Movimento Pessoas à Frente é uma organização da sociedade civil, plural e suprapartidária, que elabora coletivamente diretrizes para uma gestão mais efetiva do Estado brasileiro. Com base em evidências, ajuda a construir e viabilizar propostas para aperfeiçoar políticas públicas de gestão de pessoas no setor público, com foco em lideranças. A rede de membros do Movimento Pessoas à Frente une especialistas, acadêmicos, parlamentares, integrantes dos poderes públicos federal e estadual, sindicatos e terceiro setor, que agregam à rede visões políticas, sociais e econômicas plurais.
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