O Morumbi, quem diria, começou com Dom João VI

Engraçado como os fatos da História cruzam entre si. Pois não é que a expansão territorial que Napoleão Bonaparte desencadeou pela Europa, obrigando o rei D. João VI a se refugiar no Brasil há mais de 200 anos, de certa maneira ajudou a criar o que é hoje o bairro do Morumbi? Tudo começou assim…

Entre 1799 e 1815 Napoleão Bonaparte realizou uma série de batalhas com o objetivo de conquistar novos territórios para seu país. A Inglaterra, porém, opunha-se ao expansionismo francês e tornou-se uma ameaça. Para enfraquecer os ingleses, o Império Francês decretou o Bloqueio Continental em 1806, no qual Napoleão de- terminou que todos os países europeus deveriam fechar os portos para o comércio com a Inglaterra, debilitando as exportações do país e causando uma crise industrial. O governo português mantinha relações privilegiadas com a Inglaterra, sua principal parceira comercial, mas D. João VI estava sendo pressionado por Napoleão e, como não podia abdicar dos negócios com a Inglaterra, não participou do Bloqueio Continental. Em agosto de 1807, com a paciência esgotada e insatisfeito com a indecisão portuguesa, Napoleão ordenou a invasão de Portugal. Com as tropas francesas já em solo português, a coroa saiu de Lisboa para o Brasil de forma precipitada, no dia 27 de novembro de 1807. Além de pessoas do governo, vieram também nobres com seus familiares e criados, comerciantes ricos, juízes de tribunais superiores, entre outros. Os 19 navios portugueses foram escoltados por 17 navios da Marinha Inglesa carregados de móveis, joias, pratarias, roupas luxuosas e obras de arte, transportando, à época, metade do dinheiro em circulação no reino português.

D. João VI precisava desenvolver a colônia, por isso, ainda em janeiro de 1808, decretou a abertura dos portos às nações amigas e introduziu a liberdade de comércio, estimulando o comércio exterior e interno da colônia. Em abril, suspendeu o alvará que proibia a criação de indústrias no Brasil.

E O MORUMBi? Uma das vertentes mais disseminadas da História revela que junto com a frota portuguesa de D. João VI veio o inglês John Rudge, especialista no cultivo de chá. O rei português gostava muito da bebida, por isso doou terras da área atualmente conhecida como Morumbi para John iniciar uma plantação. A pro- priedade, construída pelo regente Padre Antonio Feijó em taipa de pilão e com feições coloniais, foi inaugurada em 1813 e hoje todos a conhecem como Casa da Fazenda do Morumbi. A fazenda de chá tornou-se próspera. Posteriormente, John Rudge plantou, também, videiras para produzir vinho, pois D. João cancelou um alvará que proibia manufaturas na colônia. O inglês Rudge formou grandes vi- nhedos de Isabel e Catawba na década de 1830. Nascido em Glou- cestershire, Inglaterra, em 1792, John Rudge desembarcou com a Família Real e dedicou-se ao comércio. Casou-se com Maria Amália Maxwell em 1831 e faleceu em 1861. Foi sepultado no cemitério dos ingleses, o mais antigo cemitério de protestantes do país, permitido após a chegada de Dom João VI. Depois de John Rudge, outras famílias tradicionais, como Muller e Trasmon- tano, habitaram a Casa. Nas décadas de 1940 e 1950, a Companhia Imobiliária Morumby dividiu os lotes da fazenda. A empresa contratou o arquiteto Gregori Warchavchick para restaurar as ruínas da Casa Grande e da capela, também feita em taipa de pilão. A região tornou-se um dos metros quadrados mais caros da cidade, dando origem ao elegante bairro do Morumbi. A última restauração durou quatro anos, aconteceu na década de 1990 e foi assumida pela Acade- mia Brasileira de Arte, Cultura e História (ABACH). No final de 2005 a Casa e a capela foram tombadas pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico) pela importância histórica das construções.

Partida do Príncipe Regente de Portugal para o Brasil. Gravura em metal, 39,5 x 53 cm Francesco Bartolozzi (1725-1815) Henri L’ Evêque (1769-1832). Acervo Fundação Maria Luisa e Oscar Americano
Em 1813 foi construída a Casa da Fazenda pelo padre Antônio Feijó.