Nosso deplorável preconceito de todo dia

La Dolce Vita

Paulo Maia

Amanhã é comemorado o Dia Internacional da Mulher. Uma data importante que merece reflexões profundas de viés social para entendermos que tipo de sociedade estamos construindo.

Foto de Klaus Nielsen no Pexels

Porém, infelizmente, essa é uma data que ainda é ignorada em grande parte do mundo. Apenas um pouco mais de 100 países comemoram a dia. Quando vejo contrapontos como este, percebo que toda a modernidade em que vivemos se apresenta como um embuste que nos distrai e adia reflexões sobre a condição humana e sua existência.

Muita luta iniciada no despertar do século passado trouxe, ao longo do tempo, diversas conquistas da participação das mulheres no campo político (direito ao voto), nas condições trabalhistas e nas relações matrimoniais e familiares, mas ainda estão muito longe de se entender como ideais ou igualitárias em relação às condições que os homens ainda hoje, por exemplo, gozam.

Ainda há muito o que fazer para se ter uma comemoração mais efetiva. Por ora, é uma data que precisa levantar mais revolta e enfatizar o que é preciso lutar, do que celebrar conquistas, ainda poucas diante do escárnio que ainda vemos em relação às mulheres.

O feminismo, infelizmente, tem ainda dificuldade em se fazer entender. Trouxe, é verdade, muita discussão e reflexão necessária, com esclarecimentos que ajudaram muitas mulheres a se posicionarem e assim criar condições melhores em sua participação social, mas não consegue evitar, por exemplo, que muitos posicionamentos exacerbados ou eloquentes de certas representantes do movimento, gerem mais discriminação ou indignação.

Como não sabemos direito até onde ir e o que falar, como em tudo, o feminismo e demais movimentos em pró do empoderamento das mulheres também sofrem com uma exposição demasiada ou desmedida de suas demandas. Em certos contextos, para muitos, são consideradas exageradas, sem propósitos ou simplesmente, absurdas.

Falta equilibrar discurso no qual o repertório seja compreendido pelo público. Não é fácil resolver essa equação, claro. Enquanto isso, escândalos, lamentavelmente, ocorrem diariamente.

Foto de Liza Summer no Pexels

E não é que nas vésperas da data do Dia da Mulher, um deputado paulista resolve expor declarações incrivelmente estapafúrdias e de um desrespeito e canalhice bem próprias de sua índole?

Mas não há nada de novo. Afinal, quem conhece o senhor Arthur do Val e o acompanha, sabe que ele transborda ignorância e estupidez em cada gesto e palavra que emite. Mas ainda fica a pergunta que não encontra resposta adequada: o que essa figura foi fazer na Ucrânia? O quão desocupado é este deputado ou entediado ele está com sua vida ganha com o salário que recebe dos cofres públicos, para ir a uma zona de guerra do momento e fazer troça com a população e, de quebra, humilhar mulheres, já humilhadas pela miséria da guerra e das perdas afetivas e materiais que esta provocou?

Nenhuma resposta dada até agora fez sentido. Difícil não concluir que ele, ou é doido ou é um completo idiota. O que há com esta pessoa?

Mas talvez a pergunta mais importante seja: o que há conosco? Por que damos relevância a pessoas como esta?

Pessoas como o deputado “mamãe falei”, não estão sozinhas. Este tipo de gente saiu das sombras e está em nossa frente com a prerrogativa de que é um representante do povo. 

Mas, quem ele representa de fato? Quem são essas pessoas que vota em figuras como essa?

Devemos ficar revoltados e indignados com declarações do deputado Arthur do Val. Mas não surpresos. Afinal, nos últimos tempos, temos lidado com essas figuras públicas, do mais alto escalão, incluindo o mandatário da presidência, munidas de poderes, demonstrando ignorância, falta de educação e criando desorientação a todos, produzindo absolutamente nada de útil para a sociedade, muito pelo contrário!  Um tipo de gente que só prejudica e envergonha uma nação dentro e fora do país.

Não nos deixemos enganar. Não se trata apenas de jogar pedras. Não há santos na terra. A cultura, inevitavelmente, também cria problemas e entre eles, o preconceito e o subjugo. Não dá para negar. As relações humanas são tão diversas e em tantas direções levadas especialmente pelas emoções e afetos, que nos moldamos com aquilo que nos é próximo e subjugamos o outro distante e diferente.

Mas, a mesma cultura oferece antídoto. É a educação e um recorrente debate sobre as relações sociais que vão fornecendo atributos e mecanismos com os quais conseguimos distinguir o certo do errado; o lícito do ilícito; o preconceito de nossas ações e pensamentos.

A prática do diálogo e da tolerância também se faz fundamental. E assim, somos mais soltos no privado (mas, nem tanto), e contidos no público. Falamos palavrão em casa entre os nossos, mas jamais em público (eu sei que presidentes agora falam palavrões e xingam pessoas em público, mas eu ainda consigo ver que isso é errado e que jamais poderia servir de modelo a comportamento de um adulto que sabe o que está fazendo).

Mas não se surpreenda você, minha cara leitora, se por acaso você descobrir que ao mesmo tempo em que você está postando uma homenagem ao Dia Internacional da Mulher, o seu pai, seu irmão, seu filho e mesmo o seu marido estiverem compartilhando mensagens degradantes e de mesmo tom misógino, desrespeitoso e preconceituoso em relação às mulheres, como o do tal deputado. E achando que se trata apenas de uma “brincadeira”, uma “piada”, que não há nenhum mal nisso!

O que, então, todos nós, homens e mulheres, àqueles que se olham no espelho e se consideram adultos e responsáveis, estamos fazendo para, não apenas repudiar, mas em contribuir para diminuir comportamentos e hábitos desprezíveis?

Temos que entender que o que muda situações são ações concretas e não postagens e mensagens tocantes em redes sociais. Precisamos fazer mais do que simplesmente dizer que nos importamos.

Datas como a de amanhã, devem nos lembrar não apenas das pessoas que estão em seu contexto e sua celebração, claro, mas sobretudo, nos alertar de que precisamos elevar mais nosso senso civilizatório, se de fato, queremos viver em um ambiente mais saudável, menos tóxico, menos bélico. E menos selvagem!

Devemos nos perguntar o que estamos fazendo para o bem da educação e convívio que possa servir de bom exemplo aos nossos filhos e gerações vindouras.

O futuro pode vir a ser qualquer coisa. Vai depender do que estamos fazendo no presente. Empenhe-se em fazer agora, do hoje, um dia melhor do que fora o de ontem.

Eu me pergunto todo dia de onde vem meus preconceitos para ver se há alguma maneira de, se não os eliminar, ao menos aplacá-los. E assim, correr o menor risco de me arrepender de algo que não se pode remediar uma vez feito.

E você? Faz o que em relação aos seus?

Foto de Klaus Nielsen no Pexels

Paulo Maia é publicitário, um pensador livre e morador do Morumbi que mantém sua curiosidade sempre aguçada

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