Solidão, um problema corporativo que já atinge oito em cada 10 pessoas

A solidão entra na pauta global de riscos de saúde e passa a ser um ponto de atenção nos departamentos de recursos humanos

Imagem por Elnur em Canva Fotos

Com os ajustes nos formatos de trabalho entre híbrido e presenciais, os profissionais, liberais ou funcionários de empresas, têm gerenciado sua jornada e suas entregas com mais autonomia. Porém, desde a obrigatoriedade do home office a qual o mundo foi submetido em 2020 e que, atualmente, passou a ser optativa, estar em casa, noutro local de trabalho que não seja efetivamente a empresa ou até mesmo no próprio local de trabalho tem gerado um aumento de pessoas se sentindo cada vez mais solitárias. E esse é um cenário que tem despertado a atenção dos especialistas em recursos e desenvolvimento humano. Além disso, muitas pessoas têm dividido as mesmas sensações nos consultórios terapêuticos e grupos de apoio.

O aumento é tão significativo que o tema solidão já está na pauta global de riscos de saúde. Antes da pandemia do Covid 19, 61% dos participantes de uma pesquisa realizada pela Cigna já se sentiam sozinhos. Esses números aumentaram quando a população mundial se viu obrigada a se adaptar a uma rotina praticamente 100% dentro dos seus lares. Sendo o Brasil o país que mais apresentou pessoas que se sentem solitárias, dado obtido pela Pesquisa dos Impactos da Covid-19, do Instituto Ipsos.

Embora seja frequentemente considerada um problema pessoal, a solidão também é uma questão organizacional. Mesmo os funcionários que trabalham regularmente no escritório podem se sentir solitários. E funcionários solitários são mais propensos a se sentirem insatisfeitos e esgotados profissionalmente. Tal descompasso tem acometido cerca de oito em cada 10 colaboradores (82%) de acordo com uma pesquisa de 2022 com mais de 5.000 trabalhadores em países como Brasil, China, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos, realizada pela consultoria EY. 49% do público pesquisado se sente mais sozinho hoje do que antes da pandemia por conta da perda da identidade social por conta do trabalho, pouca rede de apoio, falta de ferramentas de autoconhecimento e equilíbrio emocional.

Dentre os entrevistados pela EY, 46% afirmaram que deixariam o emprego devido à solidão. Esse sentimento teve mais relevância entre os membros da geração Z, com 54%, e dos Millenials, com 53%. As gerações X e os Baby Boomers corresponderam a 42% e 31%, respectivamente. 

A solidão, a angústia e o desconforto sentidos pelo ser humano ao perceber uma lacuna entre suas conexões sociais que entende como importantes, assim como a quantidade e a qualidade dos seus relacionamentos tem sido identificada, hoje, como um possível efeito colateral do trabalho remoto. E essa falta de conexão pode ser muito significativa quando a personalidade do indivíduo necessita mais de momentos junto de outras pessoas, seja para perceber sua presença ao redor no ambiente de trabalho, ou para socializar e trocar experiências e informações cotidianas.

No entanto, os motivos que levam o indivíduo a se sentir sozinho são diversos. Muitos já moram sozinhos ou longe de familiares, que vivem fora dos grandes centros ou noutros países. Outros se divorciaram durante a pandemia e tiveram que se readaptar a uma nova vida tanto pessoal, quanto profissionalmente, além de gerenciar guarda parental e outros temas cotidianos. Há os que mesmo não vivendo sozinhos têm questões de relacionamento com quem dividem o lar. Trabalhar no modo home office, nestes casos, desencadeia sensações ainda maiores de solidão e isolamento. O trabalho, aqui, possivelmente, era a principal válvula de escape social.

As queixas nos consultórios de psicologia são diversas. Desde situações pontuais até inícios de processos depressivos, nos quais o paciente não enxerga perspectivas e se sente cada vez mais desanimado. Nestes casos, cabe ao profissional entender em profundidade o que está acontecendo e quais os fatores o tem levado a se sentir solitário a ponto desse cenário se tornar algo quase que irreversível. 

Com a flexibilização não só dos ambientes de trabalho, mas da rotina pessoal, é possível minimizar tais sentimentos com a criação de novas conexões como grupos de atividades esportivas, início de novos relacionamentos, socialização com amigos, viagens, prática esportiva e cultural, entre outros meios que diminuem o mal-estar e o desconforto de conviver em um ambiente ao qual nada completa ou satisfaz aquele indivíduo. 

Em paralelo, é fundamental, com a ajuda do psicólogo ou terapeuta, identificar as fraquezas e as fortalezas neste cenário para direcionar o tratamento mais adequado para que a pessoa se fortaleça emocionalmente e também aprenda a conviver consigo mesma, independente da sua rotina profissional ou campos sociais. 

Imagem por aytacbicer em Canva Fotos

Corporativamente, a responsabilidade não é apenas do funcionário, mas também do empregador, seja ele pequeno, médio ou grande. A maneira como os líderes se colocam para dar suporte aos times é fundamental e capaz de deixar um impacto duradouro e mais produtivo. Colegas próximos também podem impactar positivamente a carreira de uma pessoa, além de aumentar a satisfação no trabalho, a sensação de pertencimento, entre outros fatores positivos.  

Um problema que pode exacerbar a solidão é a discrepância entre o que as pessoas acham que deveriam sentir, especialmente se estiverem servindo em muitas equipes. No local de trabalho, portanto, a resposta para a solidão não é colocar as pessoas em mais equipes, o que tornaria ainda mais difícil ir além de conexões superficiais, mas mudar como as equipes são formadas. 

Atitudes relativamente simples dentro do processo de gestão podem ser muitíssimo efetivas principalmente quando há situações de sentimentos de insatisfação, solidão e, naturalmente, impacto na produtividade: enfatizar o trabalho em equipe e permitir que os funcionários ou integrantes daquele time tenham voz e possam expressar suas ideias, iniciativas e até insatisfações para juntos chegarem a um consenso de melhorias ou adaptações positivas. Incentivar o retorno positivo e com cuidado e se mostrar atento ao bem-estar dos funcionários é outro caminho muito favorável e que abre um excelente canal para o diálogo saudável, a troca e o alinhamento das opiniões. 

Gestos autênticos e empáticos, sem foco em produtividade são necessários. Ter atenção ao time é muito importante para criar conexão com os integrantes. Um bom líder não precisa ter todas as respostas ou resolver todos os problemas. Mas basta se mostrar presente para que haja o diálogo entre a equipe.

Para facilitar conexões, as lideranças precisam ser transparentes com suas equipes sobre como estão se sentindo pessoalmente. Quando líderes são sinceros ao compartilhar seus próprios desafios e como os estão superando, permitem que aprendam mais sobre situações únicas e as necessidades de bem-estar de seus subordinados. Para todos esses processos, os gestores das áreas de recursos humanos e desenvolvimento de pessoas são as mais adequadas neste gerenciamento e processo de orientação tanto dos líderes e gestores, quanto dos gerenciamentos dos funcionários que apresentarem queixas e insatisfações sobre o sentimento de solidão.

Ana Gabriela Andriani é psicóloga formada pela PUC- SP (CRP 06/58907), Mestre e Doutora pela Unicamp, especialista em terapia de casal e família pela Northwestern University – EUA, especialista em Psicoterapia Breve pelo Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, e membro Filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise.

Colaboração da pauta:

Boutique Comunica | be on press

Ludmilla Santos | [email protected]

Assine nossa Newsletter

Inscreva-se para receber nossos últimos artigos.

Conheça nossa política de privacidade

Garanta a entrega de nossa Newsletter em sua Caixa de Entrada indicando o domínio
@dolcemorumbi.com em sua lista de contatos, evitando o Spam

Artigos recomendados

Ainda não há comentários. Deixe o seu abaixo!


Deixe uma resposta