Por Laura Brito
Tenho acompanhado com entusiasmo a proliferação de grupos femininos para discussão de obras literárias. Com frequência as amigas partilham que estão participando de algum clube com o projeto de consolidarem o hábito de literatura e as discussões profundas com as amigas. Até aí, sempre me pareceu um incentivo para a leitura.
Recentemente, tive acesso a um episódio de podcast narrado por Vanessa Bárbara, renomada autora brasileira (das minhas favoritas), sobre um relacionamento muito abusivo que sofreu. Nele, ela descreve episódios de violência psicológica que parecem um roteiro. Porque, guardadas as características pessoais, o script é o mesmo que ouço diariamente em meu escritório de Direito de Família.
Isso porque a violência psicológica é como areia movediça. Se a vítima se agita, a areia se torna mais viscosa. Ou seja, à medida que a mulher submetida a essa espécie de violência resiste, pior ela fica. E é isso que Vanessa Bárbara descreve. Que quanto mais ela confrontava o ex-marido, mais ele mentia e mais ela parecia desequilibrada, fazendo com que ela se afundasse. Ela louca, ele palestra.
É claro que não estou sugerindo que mulheres vítimas de violência psicológica não resistam e fiquem ali paradas. Mas é preciso se acalmar para poder escapar da armadilha. Porque areia movediça não vira terreno firme.
Sempre digo às mulheres que atendo no Direito de Família que, em casos de violência psicológica, não estamos organizando um divórcio e, sim, planejando uma fuga.
Mas o que mais me interessa aqui é anotar que o suporte do homem, como muito bem descrito por Vanessa, é a existência de um clube masculino que o apoia para ser violento. Esse clube pode estar no bar, em grupos de WhatsApp para pornografia, campeonatos de futebol amador ou outras formas de reunião tipicamente masculinas. Na história que ela conta, era um grupo de e-mail, tão comum na primeira década deste século. Nele, seu companheiro e os amigos – todos ditos progressistas – objetificavam mulheres e seus corpos, colocando lenha na fogueira (ou água na areia) e fortalecendo um ao outro para se sentirem confortáveis no papel de abusadores.
O que quero dizer com isso é que violência psicológica não é algo que acontece com uma determinada mulher dentro de uma casa. Ela é uma cultura decorrente do patriarcado e está no chão que pisamos e na água que bebemos. Os homens que não a praticam são a estrutura de suporte dos que a perpetram. As mulheres que não sofrem diretamente são incentivadas a acreditar que são mais espertas que as outras, abandonando-as à própria sorte, afundando enquanto se debatem. Só que submergimos todas juntas.
O antídoto para a violência psicológica está na união das mulheres em espaços seguros de partilha. Está, sobremaneira, na acolhida uma da outra, a partir da compreensão de que todas estão vulneráveis a episódios de abuso psíquico e, não, não somos malucas. Todas mesmo, independentemente da classe e da escolaridade, estão sujeitas. E, claro, está na permissão de nos dedicarmos à literatura quando tudo mais nos traga ao trabalho e ao cuidado dos outros. Por isso, grupos de leitura podem ser a mão que te puxa do atoleiro.
Mulheres de todos os clubes, uni-vos!
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