Instrumentos como as Leis 12.318/2010 e 14.340/2022 são ferramentas de proteção das crianças e dos adolescentes que garante a igualdade entre pais e mães
Imagine a situação: você acorda todos os dias com o coração apertado, sem saber como está seu filho — se está bem, se sente sua falta, se ainda lembra dos momentos juntos.
A convivência, antes cotidiana e cheia de afeto, foi interrompida por decisões unilaterais e estratégias de afastamento, alimentadas por mágoas e disputas entre adultos. Você tenta se reaproximar, mas encontra portas fechadas, telefonemas ignorados, mensagens bloqueadas. Sofrer alienação parental é viver um luto diário por alguém que ainda está vivo, mas foi arrancado da sua rotina emocionalmente.
Pensado em contextos assim, nesta sexta-feira (25) é celebrado o Dia Internacional do Combate à Alienação Parental. O objetivo é conscientizar a sociedade sobre os danos profundos que a prática causa às crianças e adolescentes, além de alertar sobre a importância de preservar os vínculos familiares mesmo em contextos de separação. Instrumentos como as Leis 12.318/2010 e 14.340/2022são ferramentas de proteção das crianças e dos adolescentes que garante a igualdade entre pais e mães.
A quantidade de processos relacionados à alienação parental no Brasil aumentou mais de dez vezes em menos de dez anos, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em 2014, foram protocoladas 401 ações, enquanto, até outubro de 2023, esse número alcançou 5.152. O crescimento mais expressivo começou em 2016, quando os registros subiram para 2.225. O maior volume foi observado em 2022, com 5.824 ocorrências — um avanço de 1.456% em comparação com 2014.

Para que se compreenda de uma forma mais exata e prática o que significa o fenômeno da alienação parental, é necessária uma análise mais social e histórica com relação às mudanças das dinâmicas familiares na sociedade brasileira e mundial como um todo. De acordo com a sócia do PHR Advogados e especialista em Direito de Família e Sucessões, Amanda Helito explica a definição da prática da alienação parental:
“Trata-se da violência psicológica ou do abuso emocional cometido contra o menor por um dos genitores, de forma consciente ou inconsciente, com o objetivo de interferir, comprometer, impedir ou até mesmo impossibilitar o desenvolvimento do vínculo afetivo entre o filho (ou os filhos) e o outro genitor”.
Existem muitos exemplos dessa prática no cotidiano de quem atua na área. As formas de alienação parental são diversas, mas alguns comportamentos são mais comuns e recorrentes. “O exemplo mais típico e primário é a campanha de desqualificação do outro genitor. Essa campanha pode se manifestar por meio de verbalizações negativas ou, mesmo que de forma não verbal, por expressões e gestos de desaprovação diante dos filhos”, acrescenta Amanda.
Outra forma recorrente de alienação parental é a organização de atividades para os filhos nos dias destinados à convivência com o outro genitor, o que, muitas vezes, faz com que a própria criança opte por não estar com o genitor alienado, ainda que essa escolha tenha sido indiretamente induzida.
“Também se caracteriza como alienação parental a omissão de informações importantes sobre a vida do filho, como questões de saúde, escola e desenvolvimento escolar. Esse tipo de informação deve sempre ser compartilhado entre ambos os genitores. Além disso, decisões relevantes sobre a vida, a educação e a saúde da criança não devem ser tomadas por apenas um dos genitores, sem a devida comunicação ou consulta prévia ao outro. Mudar de domicílio sem justificativa plausível, com o intuito de dificultar o contato do filho com o outro genitor, também configura alienação parental”, diz a especialista.
Porém, são grandes os desafios, especialmente no legislativo. “A proposta de revogação da Lei da Alienação Parental parte, principalmente, de movimentos que alegam que a norma estaria sendo usada de forma distorcida para descredibilizar denúncias de abuso“, explica a advogada especialista em Direito de Família.
“No entanto, é preciso cautela: a lei existe para proteger o vínculo entre pais e filhos e coibir manipulações emocionais. O problema não está na existência da norma, mas em eventuais falhas na sua aplicação. Revogar, sem propor alternativa eficaz, seria um retrocesso social e legislativo em termos de proteção de crianças e adolescentes“, afirma Amanda.

Entenda os estágios da alienação parental
Diversos estudos, realizados ao longo das últimas décadas em diferentes países, analisam o fenômeno da alienação parental. Atualmente, há um consenso quanto à classificação da alienação parental em graus, de acordo com os efeitos causados na criança, que é a vítima da prática.
O grau 1 é considerado leve. “Nesse estágio, a criança pode demonstrar certa dificuldade no momento de ser entregue ao outro genitor para o período de convivência. No entanto, a convivência ainda ocorre com relativa tranquilidade e o vínculo afetivo entre a criança e o genitor alienado permanece preservado”, explica a advogada.
O grau 2 é classificado como moderado. “Nesse ponto, o genitor alienador utiliza diferentes estratégias para afastar ou dificultar o contato do menor com o outro genitor. A criança começa a se mostrar confusa e, em alguns casos, passa a colaborar com a campanha de desqualificação. É fundamental observar esse momento com atenção, pois é quando a criança internaliza o discurso negativo e começa a agir em conformidade com ele”, acrescenta.
Já o grau 3 é considerado grave. Nele, a criança desenvolve uma espécie de fobia ou pânico em relação ao genitor alienado, podendo apresentar comportamentos violentos, automutilação, agressividade com pessoas próximas e uma recusa veemente em conviver com o outro genitor. “Trata-se da forma mais extrema da alienação parental, e que, muitas vezes, representa um grande desafio para o Judiciário na tentativa de reverter a situação”, conclui Amanda.

Amanda Helito é advogada, professora, sócia e cofundadora do PHR Advogados, especializada e atuante em Direito de Família e Sucessões. Membro da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB/SP e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
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