Skip to content

O fenômeno dos bebês reborn entre espetáculo, mercado e projeções psíquicas

Design Dolce sob imagem por Trigo em Canva

Não se trata mais apenas de vender objetos, mas de comercializar afetos, simular relações, performar vínculos

Os artigos assinados não representam, necessariamente, a opinião do Portal. Sua publicação é no sentido de informar e, quando o caso, estimular o debate de questões do cotidiano e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo

Por Kályton Resende

O fenômeno dos bebês Reborn, embora com aparência pueril e lúdica, revela muito mais sobre o espírito de nosso tempo do que parece à primeira vista. Trata-se de uma manifestação contemporânea em que o hiper-realismo da técnica se encontra com o hipercapitalismo das redes. Um boneco que simula com precisão inquietante os traços de um recém-nascido, mas que ganha vida – não no imaginário materno – no algoritmo, na monetização e no hype.

Narrativas como a da guarda compartilhada de um Reborn entre ex-companheiros — à primeira vista tragicômicas — são rapidamente classificadas como sintomas de um colapso subjetivo, patologizando o ato. Psicanalistas e psicólogos são convocados às pressas para interpretar o inusitado: estaria o feminino delirando, confundindo fantasia e realidade? Estaria a carência afetiva atingindo novos patamares de desespero? Mas essa leitura apressada pode ser não só reducionista, como também insidiosamente misógina. Quando se trata de um produto performado majoritariamente por mulheres, a linha entre crítica e desqualificação do feminino é sempre tênue — e perigosa.

Design Dolce sob imagem por Freila em Canva

O que está em curso, no entanto, pode não ser exatamente uma falha no princípio de realidade, mas uma operação mercadológica de sucesso. As “mães Reborn”, com perfis nas redes sociais, vídeos encenando cuidados maternos e roteiros melodramáticos, são, na maioria das vezes, produtoras de conteúdo. A monetização não é um detalhe: é o ponto de partida. O bebê hiper-realista se torna personagem de um teatro digital no qual o palco é o feed e o público, o mercado. Trata-se de um subgênero do entretenimento doméstico, algo entre a novela caseira, o cosplay do maternar e a arte performática digital.

Se há, como apontado, uma maioria de pessoas engajadas nesse universo com o objetivo explícito de ganhar dinheiro, o olhar clínico precisa refrear o desejo de interpretar demais quando o próprio mercado já está interpretando — e capitalizando — tudo. A fantasia não é sintoma; é roteiro. O afeto encenado é, antes de tudo, conteúdo. E o desejo de maternar, mesmo quando simbólico, é material de engajamento.

Mas isso não significa que não haja um campo psíquico operando nesse circuito. O capitalismo, como máquina de moer desejos, sabe como ninguém capturar fantasias e redirecioná-las para a produção de valor. O maternar idealizado, o bebê que nunca chora, nunca morre, não cresce e nunca exige a renúncia simbólica que a maternidade real impõe — tudo isso é matéria-prima perfeita para transformar o que seria um luto não vivido ou um desejo não realizado em performance rentável. A boneca Reborn é o bebê do gozo absoluto, sem castração.

Ao mesmo tempo, o fenômeno escancara um dado cruel: estamos dispostos a tudo por um pouco de visibilidade e monetização. Não se trata mais apenas de vender objetos, mas de comercializar afetos, simular relações, performar vínculos. É o afeto-espetáculo, em que o amor vira capital e a carência vira conteúdo. Um tipo de teatralização do íntimo que coloca em xeque os próprios limites entre o público e o privado, entre o brincar e o performar, entre o simbólico e o monetizável.

Design Dolce sob imagem por Freila em Canva

Por isso, mais do que questionar se essas mulheres estão “loucas”, é preciso perguntar: o que o mercado faz com a loucura? Como o capitalismo estetiza o sofrimento, transforma a dor em produto e ainda distribui likes e lucros para isso? O que revela sobre nós uma sociedade que prefere zombar da performance do maternar digital em vez de reconhecer que talvez o real seja insuportável demais – e que por isso o simulacro seja tão vendável?

Esse fenômeno não pode ser reduzido a diagnóstico clínico nem a espetáculo midiático. Ele é sintoma social, mas também tática de sobrevivência. É denúncia de um sistema que desampara, mas também faz uso criativo das brechas que o algoritmo permite. Não estamos diante apenas de bonecas, mas de fantasias encapsuladas, mercadorias afetivas e discursos sobre o feminino que seguem sendo tensionados entre o delírio e o empreendedorismo.

Como analistas, como intelectuais e como sociedade, talvez devêssemos parar de rir tão rápido – e começar a escutar. Porque, nesse teatro do Reborn, quem diz que está brincando pode estar apenas encontrando um modo de não enlouquecer de verdade. E quem diz que é loucura talvez apenas não queira admitir o quanto isso tudo é, na verdade, só mais uma engrenagem no jogo sofisticado da mercantilização dos afetos.

Kályton Resende, psicanalista e integrante do Fórum do Campo Lacaniano do Rio de Janeiro, é pioneiro nos estudos psicanalíticos sobre o Trauma da Pobreza e o sofrimento psíquico em trajetórias de ascensão social pela via da educação no Brasil. Mora em Buenos Aires (Argentina) e é o idealizador do podcast Neurose de Classe.

Colaboração da pauta:

Demais Publicações

Comidinhas para a criançada!

Comemorar pequenos momentos, além de trazer memórias para as crianças, trazem mais afetividade, convivência de qualidade e união na família

Posto, logo existo

Com as redes sociais, surgiu um novo tipo de invisibilidade

Libido, o desejo que nasce do propósito

Cada um de nós tem um motor que impulsiona o desejo — descobrir qual é o seu é o que torna a sexualidade viva e única

Outubro Rosa nos Salões de Beleza: uma campanha de conscientização e solidariedade

O Outubro Rosa é uma campanha global que visa conscientizar sobre a importância da prevenção e diagnóstico precoce do câncer de mama

Conheça o Jalapão

O tesouro dourado do cerrado brasileiro

Vestir-se bem na era moderna

A nova realidade da imagem pessoal

Painel Dolce Morumbi

School of Rock e Morumbi Town Shopping celebram o Dia dos Pais com evento gratuito e aberto ao público

Além dos shows de alunos da unidade, o encontro contará com atividades interativas, espaço kids, gastronomia diversa, exposições temáticas e um encontro de carros antigos

Butantã Shopping celebra o Dia dos Pais com show gratuito da cantora Luiza Possi

Apresentação acontece no sábado, dia 9 de agosto, a partir das 19h

Ateliê Contempoarte realiza a exposição “ARTMOSFERA” em agosto

Em tempos em que o planeta clama por ser escutado, a arte responde

As Mais lidas da Semana

No results found.

Publicidade Dolce Morumbi

tudo-comeca-voce-out25-pub-post-1-1
desperta-mulher-dolce-prazer
espaco-bela-morumbi-publ-25.04.2025_11zon
jornada-amor-com-prazer-banner-square-20.03.2025_11zon
publ-consultoria-de-beleza-24.02.25_11zon
gisele-marketing-banner_11zon
pulicidade-recanto-sta-rita-post_11zon
mentoria-juliana-2024.11.05-post_11zon
mentoria-beleza-juliana-souza-pires-banner-(4)_4_11zon
touchedigital-presenca-on-line-em-qualquer-lugar_11zon
espaco-bela-morumbi-publ-28-03-2025_11zon
PlayPause
previous arrow
next arrow
arte-painel-dolce-abtours_1_11zon
arte-painel-dolce-amanda-sanzi-arts_2_11zon
arte-painel-dolce-butanta-shop_4_11zon
arte-painel-dolce-butia-fotografia_11zon
arte-painel-dolce-cantiga-crianca_11zon
arte-painel-dolce-casablanca_5_11zon
arte-painel-dolce-chef-bruna_7_11zon
arte-painel-dolce-crescendo-e-acontecendo_8_11zon
arte-painel-dolce-dennyfotografia_11zon
arte-painel-dolce-espaco-bela-morumbi_9_11zon
arte-painel-dolce-paulodimello_12_11zon
arte-painel-dolce-preziatu_11zon
arte-painel-dolce-touchedigital_16_11zon
PlayPause
previous arrow
next arrow
Imagem por Marcos Kulenkampff em Canva Fotos

Seções