Por Hellen Sousa
O rock já foi o ritmo da contracultura, o grito da juventude, a trilha sonora de protestos e transformações sociais. De Elvis a Legião Urbana, de Nirvana a Titãs, o gênero marcou décadas com letras densas, performances viscerais e uma legião de fãs apaixonados. Mas nos últimos anos, desapareceu das paradas, dos algoritmos e dos holofotes da indústria musical. A pergunta se repete: o rock morreu — ou só saiu do radar das grandes plataformas?
Essa sensação de “fim de ciclo” vem do silêncio nas listas de reprodução virais e da ausência nas listas de mais ouvidos. Mas a morte do rock, quando observada com mais cuidado, parece muito mais uma narrativa de mercado do que um fato. Há dados, shows, turnês e comportamentos que provam o contrário.
Os palcos dizem outra coisa
Em 2024 e 2025, o Brasil recebeu (e ainda receberá) uma série de grandes eventos com protagonismo do rock. Em 2023, o The Town levou Foo Fighters e Queens of the Stone Age a um público de mais de 500 mil pessoas, movimentando R$ 2 bilhões na economia paulista. Em 2024, o Primavera Sound trouxe The Cure e Pavement. E o The Town, que se realizará em setembro deste ano na capital paulista, já projeta impacto bilionário com atrações nacionais e internacionais do rock.
Turnês internacionais seguem esgotando ingressos ao longo dos últimos anos: Metallica, Guns N’ Roses, Red Hot Chili Peppers e Iron Maiden mantêm apelo de décadas. E o retorno do Oasis causou alvoroço: a turnê anunciada em 2024 tem datas já esgotadas no Brasil em 2025.
Entre os brasileiros, o Titãs retomou em 2023 à formação clássica (exceto Marcelo Fromer, já falecido), com a famosa turnê denominada “Titãs Encontro”, com todos os ingressos esgotados. O Paralamas do Sucesso anunciou show extra em São Paulo após esgotar entradas rapidamente para a turnê comemorativa de 40 anos em 2025. Nos dois casos, o público foi majoritariamente 40+, mas surpreendentemente, repleto de jovens da geração Z.

Por que o algoritmo não vê o que está nos palcos?
Plataformas como Spotify e TikTok priorizam músicas rápidas, com refrões curtos, produções dançantes e fórmulas virais. O rock, com suas letras mais autorais, músicas longas e menos repetitivas, perde espaço nesse jogo. A estética da rebeldia e da crítica, que antes impulsionava vendas, hoje é percebida como “densa demais” para o consumo instantâneo.
Isso não significa que não exista demanda. Significa que o modelo de recomendação não favorece o estilo — e isso cria uma falsa percepção de que o público não quer mais rock. Na prática, o gênero continua sendo trilha sonora de filmes, séries, comerciais e campanhas publicitárias. Está no inconsciente coletivo, mesmo fora do topo das playlists.
O rock virou nicho? Ou a indústria quis assim?
Mais do que falta de ouvintes, talvez o que o rock esteja enfrentando, seja uma tentativa de marginalização da indústria — que hoje investe em artistas mais moldáveis às lógicas digitais. O rock, por essência, resiste à padronização: é mais político, mais autoral, menos “marketeável” na era dos conteúdos curtos.
A nova geração não rejeita o rock — mas talvez não o encontre com facilidade. O acesso foi substituído por algoritmos, e o que não viraliza, simplesmente não aparece. Isso afasta jovens de uma sonoridade que poderiam admirar se a descobrissem.

E como ressuscitar o que dizem estar morto?
O caminho pode estar nos palcos. No boca a boca. Nos eventos. Nos tributos. E em artistas que mantêm vivo o repertório. O rock continua sendo uma das escolhas mais emocionais.
Quando toco e canto rock em casamentos ou festas corporativas, a resposta é imediata. As pessoas cantam em coro, choram, dançam. É uma catarse. O rock carrega memórias afetivas. A indústria pode ignorar, mas quem vive de música sabe que ele está ali.
O rock não morreu. Ele só saiu dos holofotes digitais. Foi empurrado para a lateral do palco, mas nunca saiu de cena. Enquanto houver emoção, memória e crítica, o rock seguirá tocando. Talvez mais baixinho. Talvez fora das trends. Mas ainda pulsando, firme e vivo.
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