Concentre-se!
Eu ordenava inutilmente à minha mente, mas ela insistia em fugir — escorregando para um mundo onde o tempo era suspenso entre o movimento dos lábios rosados à minha frente.
Sentada em roda, com aquele homem no centro, eu o observava como quem contempla um presságio. O contorno do seu rosto era feito de sombras e luz; e os olhos, antes castanhos, brilhavam num dourado reluzente, como se refletissem algo mais do que a fogueira — talvez a chama exata do que fazia seu coração pulsar.
Ou seria o reflexo do feitiço que ele lançava sem esforço?
A voz dele, envolvente, era uma ponte para um tempo distante, mas eu já nem ouvia mais as palavras — apenas sentia.
Imaginava suas mãos vagando pela minha pele como se fossem páginas a serem lidas com os dedos. O calor, o hálito, o arrepio.

Ele narrava aventuras, epopeias, gestas antigas…
Mas eu, ali, mergulhava em outra história. Uma que só existia entre o som da sua voz e os sussurros do que eu não ousava confessar nem a mim mesma.
Havia magia no modo como falava. Uma cadência, como o canto de uma criatura que vive entre o mar e o mito.
Seduzia sem querer — ou pior, sabendo exatamente o que fazia.
E então…
Seus olhos encontraram os meus. Um segundo, talvez menos. Mas foi o bastante.
Não era apenas um olhar — era leitura.
Como se ele folheasse tudo que se escondia em mim.
E, ao desviar os olhos, deixou a certeza: ele sabia.
A roda desapareceu. O mundo murchou ao redor.
A fogueira tremeluzia, mas o calor agora nascia dentro de mim — ou de algo que ele havia acendido.
Ele me conhecia. Como conhecia cada história que contava.
E eu percebia, com um arrepio lento, que não era ele quem se doava às narrativas…
Eram as histórias que se rendiam a ele.

Não sei se o desejava porque era belo…
Ou se era belo porque o desejava.
Mas soube, naquela noite, que eu não era a única que o escutava.
Minha pele, meu coração, meus sonhos…
Tudo agora fazia parte dele.
Parte do que ele colhia noite após noite, sem que ninguém percebesse.
Enquanto encerrava a narrativa com aquele sorriso enviesado — sutil demais para ser inocente, escuro demais para ser puro — a verdade me golpeou:
Ele nunca contava histórias.
Ele as colecionava.
E eu acabava de virar mais uma.
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