Regras de silêncio são fundamentais para garantir o bem-estar e a convivência pacífica nos condomínios, mas, em muitos casos, elas ultrapassam o razoável e caminham para o autoritarismo e a ilegalidade. Proibições como “não falar alto depois das 20h”, “proibido andar de salto alto”, ou mesmo “proibido tocar instrumentos musicais em qualquer horário” têm se tornado comuns em convenções ou regimentos internos — gerando polêmicas, processos judiciais e insegurança jurídica.
Mas até onde vai o direito ao sossego? E quando a regra deixa de ser proteção para se tornar violação de direitos?
O que diz a lei
O artigo 1.336, IV, do Código Civil estabelece que é dever do condômino “não prejudicar o sossego, a salubridade e a segurança dos possuidores”. No entanto, esse direito não é absoluto, devendo coexistir com outros direitos igualmente protegidos, como o de propriedade, liberdade de expressão e atividade profissional permitida.
Ou seja, o condomínio não pode impor silêncio absoluto ou restringir o uso legítimo da unidade, salvo nos casos em que o ruído seja comprovadamente excessivo, recorrente e fora dos padrões normais de convivência.
Dados que ilustram o problema
Segundo o Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), em levantamento de 2024, 21% dos processos envolvendo condomínios em São Paulo foram relacionados a disputas sobre barulho e uso das áreas privadas. Em boa parte deles, os próprios tribunais anularam cláusulas que impunham regras excessivamente rígidas sobre silêncio, especialmente aquelas que restringiam atividades lícitas em horários permitidos por lei.
“O problema não está no combate ao abuso, mas na tentativa de transformar o condomínio em um espaço de silêncio absoluto — o que é incompatível com a vida em comunidade e com o uso legítimo da propriedade”, afirma o advogado Dr. Felipe Faustino, advogado especialista em Direito Condominial.

Horários de silêncio: o que realmente vale
É comum que os condomínios adotem, com base em leis municipais, períodos de silêncio noturno, geralmente das 22h às 7h em dias úteis, e das 23h às 8h aos finais de semana. Porém, isso não significa que todo e qualquer som seja proibido fora desse intervalo.
“O que caracteriza infração é o excesso. Uma risada em família, uma televisão em volume razoável ou mesmo uma criança brincando não podem ser tratados como perturbação do sossego”, explica Dr. Felipe. “O abuso ocorre quando há som alto, constante, que perturba o descanso alheio — e isso precisa ser comprovado”.
Além disso, muitos municípios seguem como base a NBR 10.151 da ABNT, que estabelece os níveis máximos de ruído em ambientes residenciais, considerando os períodos diurno e noturno.
Período | Nível Máximo de Ruído (ambiente externo)
Diurno (7h–22h) | 55 dB
Noturno (22h–7h) | 50 dB
(Fonte: ABNT NBR 10.151 – Acústica – Medição e avaliação de níveis de pressão sonora em áreas habitadas)
O que o condomínio pode e não pode fazer
O condomínio pode:
– Definir horários para silêncio, desde que razoáveis;
– Aplicar advertências e multas previstas em regimento, mediante comprovação de reincidência e excesso;
– Estabelecer normas de uso de áreas comuns (salão de festas, academia, playground), inclusive com restrição de horário.
O condomínio não pode:
– Impedir a realização de atividades cotidianas dentro das unidades;
– Aplicar multa sem notificação, prova e contraditório;
– Proibir sons ou atividades sem respaldo legal;
– Restringir direitos de forma discriminatória (como impedir o uso de instrumentos por músicos profissionais ou freelancers).

E se houver abuso por parte do condomínio?
O condômino pode recorrer ao Judiciário, especialmente quando:
– Recebe multa indevida sem provas;
– Sofre constrangimento por uso normal da sua unidade;
– É impedido de realizar atividades permitidas em lei.
“Temos atendido diversos casos em que moradores foram multados por barulho sem que houvesse sequer laudo técnico, testemunha ou gravação. Essas multas acabam anuladas judicialmente — e o condomínio pode ser condenado por abuso de poder”, alerta Dr. Felipe Faustino.
O sossego é um direito, mas não deve ser confundido com silêncio absoluto. A vida em condomínio exige equilíbrio: respeitar o espaço do outro sem impor limites que restrinjam a convivência saudável e o exercício pleno da propriedade.
Condomínios com regras bem escritas, baseadas na lei e aplicadas com bom senso reduzem conflitos, evitam judicialização e promovem um ambiente mais justo e tranquilo para todos.

Dr. Felipe Faustino é advogado especialista em Direito Condominial e sócio do Escritório Faustino e Teles
Ainda não há comentários para esta publicação