Por Luiz Carlos Secco
Com a eliminação da seleção brasileira da Copa do Mundo de Futebol, a tristeza e a frustração que provocou em todo o País me fizeram lembrar de outra paixão brasileira, que são os automóveis. Por ser um profissional ligado à indústria automobilística, ao assistir à decepção dos jogadores no jogo contra a Croácia e sua imensa demonstração de tristeza, me lembrei dos sucessos e fracassos registrados pela indústria dos carros.
Para os engenheiros que realizam o desenvolvimento de um novo carro, o insucesso de vendas após o lançamento no mercado provoca a mesma profunda frustração, como reconhece o engenheiro José Fernando Campos, profissional especializado no processo de desenvolvimento de novos veículos.
Para ele, o relacionamento do homem com o produto cria um sentimento de afeição, como de pai para filho, pela total e plena dedicação ao produto que irá nascer após um longo período de gestação, fase em que é submetido a severos e meticulosos testes de rodagem e de laboratórios.
José Fernando salienta que durante mais de dois anos os protótipos provocam um intenso relacionamento como fossem seres humanos. Os engenheiros responsáveis por essa fase do desenvolvimento analisam o comportamento do produto e se empenham para que, quando for aprovado e começar a ser vendido, satisfaça o cliente além do que imaginam e, com isso, transmita aos seus criadores a satisfação pelo desempenho esperado.
E, quando o produto é lançado no mercado, com a ampla divulgação recebida comentam, com entusiasmo, missão cumprida.
O desenvolvimento de um carro é, praticamente, igual à preparação de jogadores de um time de futebol que disputam um campeonato, como a Copa do Mundo. Desde a convocação há um ritual necessário, para treinamento em busca da formação do melhor conjunto e todos são assistidos pelo departamento médico, massagistas, psicólogos, nutricionistas e tudo o que possa ser dado em assistência para mantê-los motivados e confiantes.
No desenvolvimento de um novo carro, as fábricas também trabalham febrilmente nos projetos para que atinjam o melhor nível de desempenho, segurança, conforto, economia, durabilidade e satisfação ao cliente. Como no futebol, transmitem aos engenheiros, mecânicos e motoristas de testes tudo o que precisam, para cumprir a missão no prazo estabelecido.
José Fernando salientou que o êxito de um carro no mercado provoca a mesma emoção, como da conquista da Copa do Mundo de futebol e de qualquer outro esporte e dá, como exemplo, o programa de desenvolvimento da linha de automóveis Corcel II, durante um trabalho intenso com uma reclusão de quase dois anos em uma fazenda próxima a Campo Grande, no estado de Mato Grosso do Sul, com revezamento das equipes a cada mês por respeito à convivência familiar.
O Corcel II foi a linha de automóveis de maior êxito da Ford no Brasil e, ao ser lançado, teve o nome mantido com o propósito de criar uma dinastia de produtos Ford no Brasil.
Para a equipe de engenharia o êxito do Corcel II teve o sabor igual ao de uma conquista de um título mundial porque o trabalho realizado permitiu que, em menos de um ano após o lançamento, as vendas proporcionassem um faturamento que cobriu o valor integral do investimento no projeto.
José Fernando acrescenta que na indústria automobilística existem momentos de alegria por projetos que alcançam êxito, mas que também ocorrem decepções quando não atingem o resultado desejado, como aconteceu com o Verona, produzido entre 1989 e 1996. Lembra também, que as mais fortes frustrações ocorreram durante a existência da Autolatina, entre 1987 e 1996, joint venture formada entre a Ford e a Volkswagen, que lançou veículos que o mercado não aceitou, especialmente clientes os fervorosos e fiéis às duas marcas.
Crédito das imagens: Arquivo José Fernando Campos
Decepção forte, mesmo, foi provocada por uma negativa decisão de não aprovar o projeto de uma pick-up com cabine dupla, inovador para a época, formado pela parte dianteira do SUV EcoSport com capacidade para cinco pessoas e a traseira da Courier, inclusive com o aproveitamento do sistema de suspensão, eixo e tanque de combustível que a Ford matriz não aprovou, mas que, recentemente, a Fiat lançou um projeto semelhante com o modelo Toro, um dos líderes de venda do mercado brasileiro.
Na época da Autolatina, a Ford lançou os automóveis Versailles e a perua Royale, que ostentavam no interior do cofre do motor a etiqueta que indicava ser produzido na fábrica da Volkswagen, assim como os automóveis Apollo, Logus e Pointer, da Volkswagen, mas com plataforma do Escort e com registro de produção na fábrica da Ford. A necessidade desse procedimento desagradou os clientes das duas marcas e a experiência revelou que o público não aceitou a estratégia da Autolatina de produção de veículos híbridos.
A criação da Autolatina foi uma estratégia equivocada em termos de imagem e de marketing, mas teve positivos resultados financeiros num momento em que a economia estava desfavorável para o mercado. Além desse episódio, os automóveis lançados foram produtos improvisados, com uma mistura de tecnologias, espécie de seres sem identidade própria.
Os automóveis Apollo, Logus e Pointer, com a marca Volkswagen sobre a plataforma Ford, como ocorreu com o Verona, embora criados por designers brasileiros e por estúdios internacionais, assim como o Versailles e a Royale, produtos Ford sobre base Volkswagen, foram frustrações tão fortes quanto a seleção brasileira no Catar.
Para o futebol e a indústria automobilística, o tamanho da frustração pode ser medido por uma pergunta muito simples: há quanto tempo vocês não veem pelas ruas de uma capital brasileira um desses modelos produzidos no período entre 1987 e 1996, em que existiu a Autolatina? E há quantos anos o Brasil não conquista a Copa do Mundo?
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