Nestes dias chuvosos, me peguei pensando no meu guarda-chuva — aquele veterano de guerra que mora no porta-luvas do carro, dobrado com tanta dignidade que mais parece estar meditando. Faz tanto tempo que não o abro que desconfio que, se um dia eu tentar, ele vai chiar de protesto ou fingir que perdeu a articulação.
Ele é desses modelos moderníssimos, que se esticam e recolhem com um clique, como se quisessem provar que são a evolução natural da espécie. Tem até tecido UV, o que me faz pensar que ele deve se achar importante demais para lidar apenas com a chuva. E, sinceramente, quem pode julgá-lo? Se eu passasse anos fechado, também ia me achar especial.
Apesar da pompa, meu guarda-chuva leva uma vida pacata. Nunca foi convidado a grandes eventos meteorológicos. Quando a tempestade chega, eu costumo pensar: “Ah, vai passar rápido”, e saio no estilo “molha-mas-não-incomoda”. Talvez seja uma forma de rebeldia. Ou preguiça. Ou um pouco dos dois.
Outro dia, li que antigamente ele era usado só por reis e sacerdotes. Era como um trono portátil em forma de teto. Hoje, ele é democrático: cabe no porta-luvas, no fundo da bolsa e na fila do ônibus. Mas, no meu caso, acho que ele se tornou mais um amuleto que um utensílio. Saber que ele está ali já me dá uma sensação de vitória, como se eu fosse uma pessoa muito preparada — embora jamais comprove isso na prática.
E, no fim, percebo que guardo meu guarda-chuva fechado por pura convicção filosófica. Se a chuva cair, que caia. Se eu me molhar, que seja. Se o cabelo escorrer, paciência — afinal, ninguém nunca morreu por causa de um penteado tipo Lhasa Apso.
Como diz Raul Seixas, perdi meu medo, meu medo da chuva… e, de quebra, o medo de parecer meio estabanada, pingando pelos cantos. Porque a vida é isso: às vezes a gente se molha um pouco, mas também se diverte.
Ainda não há comentários para esta publicação