Por Everton Schultz
Quase seis anos atrás, vivi uma das maiores transformações da minha vida: me tornei pai. Naquele mesmo período, decidi também mudar de rumo na carreira, saindo de uma empresa onde atuei por quase uma década. Vi ali a oportunidade de crescer em várias frentes ao mesmo tempo, como pessoa e como profissional. Hoje, olhando para trás, os resultados não poderiam ser melhores.
Mas minha parentalidade não seguiu um caminho tradicional. Sou um homem gay, pai de duas crianças por adoção que chegaram em momentos e contextos diferentes. Formamos um núcleo familiar que raramente aparece em campanhas de Dia dos Pais ou em reportagens sobre criação de filhos. Esta realidade traz consigo um desafio: o da ausência de referências. A experiência homoafetiva na educação de filhos ainda é, muitas vezes, um território sem roteiros. Estamos abrindo caminhos com empatia, coragem e uma dose diária de resistência.
Além dos desafios comuns da criação, enfrentamos também a falta de espaços: social, simbólico e institucional. As barreiras não estão só nas birras, nas lancheiras ou nas noites maldormidas. Estão nos olhares que julgam, nos estigmas a serem rompidos, e na constante missão de sermos os primeiros nas relações com professores, com médicos, com outras famílias ou com colegas de trabalho.

Muitas vezes, a estranheza vem de que em nossa sociedade, ainda se espera que o cuidado venha das mães. Quando se é pai, e ainda mais em uma família com dois homens como casal, nossa presença é vista como exceção, como ajuda, como bônus. Mas aqui, nossa paternidade é ativa, diária, coletiva. Não é sobre nós. É sobre cuidar de nossos filhos, formá-los para o mundo.
Essa vivência transformou meu jeito de liderar. No fundo, estar à frente de uma equipe também é um ato de cuidado. E ser pai me fez um líder mais paciente, mais sensível a diferentes ritmos, mais aberto ao erro como parte do processo. Percebi como falamos de empatia e diversidade no mundo corporativo, mas vivemos pouco disso na prática.
Ser uma família construída pela adoção me fez sentir, na pele, as camadas de exclusão que insistem em perpetuar no nosso país. Também me fez ter certeza de que diversidade não pode ser apenas um slide bonito sobre racismo, equidade de gênero, LGBTfobia, capacitismo ou etarismo. Ela precisa estar presente nas conversas, nas reuniões, nas decisões sobre quem fala e quem é escutado. Entender isso me fez um líder mais atento e, acima de tudo, mais disposto a ceder espaço.

Ainda são tímidos os avanços no reconhecimento de diferentes formatos familiares no ambiente profissional. Mas acredito que estamos escrevendo uma nova história, que coloca o profissionalismo acima dos modelos tradicionais. Uma história que entende que famílias diversas não são exceção, são parte da sociedade.
Neste Dia dos Pais, mais do que comemorar, quero propor uma reflexão: sobre os grupos invisibilizados, sobre a ausência de políticas públicas e a forma como ainda jogamos sobre as mulheres o peso do cuidado, enquanto homens como eu precisam provar, todos os dias, que são pais de verdade. Se posso desejar algo neste dia, é que mais pessoas tenham a liberdade e a legitimidade de viver essa experiência da parentalidade.
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