Já mudei várias vezes de casa, cozinhas planejadas diferentes, mas não adianta: a água da torneira que espirra na pia sempre corre para o canto oposto do ralo. A gente tenta educá-la com aquele rodinho, mas ela faz ouvidos de mercador.
E quando abrimos a gaveta onde guardamos fios de celular, fones de ouvido, tudo separadinho? Eles se embolam sozinhos, como se tivessem vida íntima.
Isso sem falar na meia que desaparece na máquina e reaparece meses depois, sem par e sem explicações — como quem não deve satisfação a ninguém.
Agora, o que realmente me tira do sério é a fila do lado andar mais rápido. Seja no supermercado ou no pedágio. Quando decido trocar, a antiga, vingativa, flui imediatamente, deixando-me para trás, acompanhada apenas do remorso.
Tento entender a lógica dessas rebeldias do mundo e começo a desconfiar de que não sejam falhas. Talvez sejam combinados secretos entre as coisas, uma forma discreta de me fazer companhia. Penso nisso quando saio pela esquerda em vez da direita, quando chego para embarcar no voo das oito da manhã com passagem para as oito da noite, ou quando chamo a namorada atual do amigo pelo nome da anterior.
No fundo, gosto de acreditar que as coisas erram por solidariedade. Um gesto silencioso para quem, como eu, também falha, esquece, tropeça — e tenta de novo.

































