O capacitismo recreativo é uma das formas de capacitismo em que as pessoas com deficiência são alvo de comentários depreciativos, zombaria ou ridicularização. É importante reconhecer que esse tipo de comportamento é prejudicial e promover um ambiente de trabalho inclusivo, respeitoso e livre de discriminação
Discriminar é subestimar
Considerar pessoas com deficiência com menos importância, valor, habilidades ou capacidades do que realmente possuem é subestimar e optar pela perda da oportunidade de enriquecimento, comprovadamente, de diversas formas, inclusive por aumento de lucros (Deloitte, 2022). Ao subestimar uma pessoa com deficiência na contratação e na condução das atividades laborais, a empresa perde. Perde sempre e muito.
Capacitismo é subestimar a capacidade ou habilidade de uma pessoa com deficiência e, por tal razão, discriminá-la intencionalmente ou não. A discriminação contra a pessoa com deficiência é definida, desde 2006, pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), no seu Artigo 2º, da seguinte forma: “qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência que tenha o propósito ou efeito de prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Isso inclui todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável”. Desde 2015, essa definição também é adotada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência brasileiro (art. 4º, § 1º). O Pacto Global (2010), em seus princípios 1, 2 e 6, e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS, 2015), em destaque o 8º (Trabalho Decente e Crescimento Econômico) e o 10º (Redução das Desigualdades), previram a necessidade de combater a discriminação, embora também seja possível abordar outros objetivos, como o 1º (Erradicação da Pobreza) ou o 4º (Educação de Qualidade).
A discriminação da pessoa com deficiência pode se manifestar de diferentes formas de capacitismo, e hoje vamos dialogar sobre o capacitismo recreativo, sobretudo nas relações de trabalho e nos impactos das relações empresariais na visão ESG. Essa prática pode criar um ambiente hostil e desrespeitoso, perpetuando estereótipos negativos e minando a dignidade e o respeito das pessoas com deficiência. O enfrentamento envolve educar as pessoas sobre as consequências do capacitismo recreativo, promover a empatia e a compreensão, e estabelecer políticas e diretrizes que proíbam a discriminação e o assédio com base na deficiência.
"Mas, antigamente..." não é mais uma desculpa
O capacitismo recreativo é verbalizado ou realizado com ações manifestadas como piadas ou tom jocoso. Trata-se de uma violência contra as pessoas com deficiência, definida como discriminação e que é engraçada apenas para os assediadores e preconceituosos. Essa prática é passível de consequências judiciais tanto para a empresa quanto para os trabalhadores envolvidos, gerando danos de diferentes espécies a todos os envolvidos.
Apelidos, piadas, frases jocosas, brincadeiras ou traquinagens que utilizavam condições biopsicossociais inerentes às pessoas com deficiência eram repassadas socialmente, em ambientes privados, de relações de trabalho ou ambientes públicos. Eram normalizadas. Ou seja, tratar pessoas com deficiência como “anormais” ou “defeituosas”, passíveis de chacotas que desumanizam, também era normalizado. Era não, ainda é.
Alguns exemplos recentes demonstram que o capacitismo recreativo vem sendo combatido, o que nos faz repensar por que a condição humana do outro é motivo de riso. No Brasil, comediantes de stand-up frequentemente enfrentam processos judiciais e rejeição do público, como ocorreu com Dihh Lopes e Abner Henrique, que se retrataram publicamente após incidentes em 2020. No Oscar de 2022, o comediante Chris Rock agrediu o comediante Marcelo Duque fez um comentário sobre a aparência de Jada Smith, esposa do ator Will Smith, que sofre de alopecia, uma doença autoimune que causa a queda de cabelo. Mais recentemente, houve o caso do humorista Marcelo Duque, ao comentar sobre a participante Bianca do reality brasileiro “Casamento às Cegas”.
7 pontos de atenção na visão ESG para o enfrentamento
- Sensibilização e educação: promova a conscientização e a compreensão sobre o capacitismo e seus impactos. Forneça treinamentos regulares para os funcionários, abordando o tema do capacitismo, seus efeitos prejudiciais e as melhores práticas para evitar a discriminação.
- Políticas e diretrizes claras: estabeleça políticas e diretrizes que proíbam a discriminação com base na deficiência, incluindo o capacitismo recreativo. Certifique-se de que essas políticas sejam comunicadas de forma clara e amplamente divulgadas entre todos os funcionários.
- Sensibilização do uso de linguagem e comunicação inclusiva: incentive o uso de uma linguagem inclusiva e não discriminatória em toda a comunicação da empresa. Evite piadas, estereótipos ou linguagem ofensiva que possam perpetuar o capacitismo.
- Acomodações razoáveis e acessibilidade: garanta que a empresa forneça acomodações razoáveis para funcionários com deficiência e promova a acessibilidade física e digital no local de trabalho. Isso inclui a remoção de barreiras arquitetônicas, a disponibilização de tecnologias acessíveis e a adaptação de processos de trabalho para a inclusão de todos. A falta desses elementos pode levar a situações constrangedoras que incentivam ações de capacitismo recreativo.
- Promoção da diversidade e inclusão: promova uma cultura inclusiva onde todas as vozes sejam valorizadas e respeitadas. Crie oportunidades de desenvolvimento e progressão de carreira para todos os funcionários, reconhecendo suas habilidades e características individuais.
- Resposta a incidentes: estabeleça um procedimento claro para relatar e responder a incidentes de capacitismo recreativo. Encoraje os funcionários a reportarem qualquer comportamento discriminatório e tome medidas adequadas para abordar essas questões, incluindo ação disciplinar quando necessário.
- Líderes e gestores como exemplos: é importante que os gestores sejam modelos de comportamento inclusivo, promovendo uma cultura organizacional que valorize a diversidade e respeite os direitos e a dignidade de todas as pessoas, incluindo aquelas com deficiência.
Caroline Vargas Barbosa é advogada, docente universitária e pesquisadora. Doutorando em Direito pela UnB, Mestra em Direito Agrário pela UFG e especialista em Processo Civil pela UFSC. Atua em pesquisas e assessoramentos de diversidade, inclusão e ESG.
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