Faça uma maratona em The Beatles Get Back

Paulo Maia

A essa altura você já deve ter visto ou lido alguma resenha ou crítica sobre o tão aguardado documentário The Beatles Get Back de Peter Jackson, disponível no Disney+, sobre um período em que os Beatles estavam buscando criar canções para voltarem em um show ao vivo e gravar um álbum. 

Se não sabe do que se trata, não perca seu tempo aqui. Muito provavelmente caiu nesta página por acidente. Só posso dizer que lamento, e sugiro que volte à alienação do seu mundo. Afinal, qual ser humano, que minimamente acessa algum tipo de mídia nos dias de hoje, ficou imune a esse evento?

Voltando então ao mundo dos normais, sendo ou não fã do quarteto de Liverpool, mas se ao menos gosta ou simpatiza de Rock ou música Pop, você deve algo a eles. E sem mais delonga, já digo aqui que o documentário, que tem 7 horas e 47 minutos de duração, dividido em três partes é mais que sensacional: é emocionante.

Digo emocionante, porque vemos em uma espécie de precursor do formato Reality Show (mesmo guardado há 50 anos, mas até nisso os caras foram os primeiros), vemos John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr, criando, tocando e produzindo suas músicas que escutamos e adoramos até hoje, passados mais de cinco décadas! E sem medo de errar, aposto que estarão aí nas próximas, e por que não, para os próximos séculos enquanto durar a cultura entre nós, disponíveis em qualquer tecnologia de reprodução musical que sequer imaginamos ainda.

Li várias matérias até agora que não escaparam à tentação de enxergar no documentário eventos e razões para explicar o rompimento da banda, que ocorreria um pouco de mais um ano depois do período retratado. Ou de examinar comportamentos na esperança de identificar quem era legal ou não, e em que momento. Ou de conferir se Yoko Ono foi, de fato, determinante na separação, já que fora por anos, o bode expiatório dela.

A meu ver, essas jornadas são infrutíferas, porque havia tanta coisa no contexto e tantas outras já haviam acontecido desde que os quatro se tornaram famosos e ricos (as sessões do White Album foram até mais conturbadas do que neste), que tentar estabelecer algo que faça sentido em uma simples e única linha de entendimento soa raso e tolo. 

Claro, há muito ali que pode ser interpretado de diversas formas sim, e em certa medida, acurados no sentido de terem contribuído para a separação que acabou acontecendo: vemos que George abandona as sessões por um período, muito por conta das discussões com Paul e de se sentir preterido em suas contribuições musicais; vemos um Paul que nitidamente passa a comandar a banda dizendo como se deve tocar uma das canções, causando uma certa tensão com John Lennon; vemos pequenas discussões e desentendimentos entre eles em vários momentos, muito próprios (e naturais) de amigos que se conhecem de forma íntima, compartilham afetos e trabalham juntos há bastante tempo. Mas não acho que seja possível encontrar no documentário, o que ou o porquê da banda vir a se desmanchar de forma concreta e definitiva.

O que é visível e tocante – em vários sentidos – é que eles mostram ali porque eram quem eram. Artistas de criações sem limites, mostrando que não havia espaço no mundo que pudesse acomodar tanto talento junto sem transbordar. Mas que quando estavam trabalhando, ou seja, criando, tocando, se divertiam e eram aqueles mesmos desde o início, que por suas músicas, já há muito haviam conquistado o mundo.

Lindo, gratificante e emocionante (de novo), é ver como clássicos nascem! Paul McCartney chega pela manhã, ajusta seu baixo e começa a arriscar alguns acordes e balbuciar alguns sons, sendo assistido por George e Ringo. Eles veem o colega tocar seu instrumento e logo começam a acompanhar com gestos e bastam alguns minutos para que os dois assumam seus instrumentos e passem a seguir as baladas de Paul. Logo chega John Lennon meio atrasado e, sem qualquer cerimônia, ainda de casaco, pega sua guitarra e entra na jam session. Vemos nascer ali a famosa Get Back! Isto é Beatles! Fascinante!

E outros momentos maravilhosos mostram o surgimento de The Long and Winding Road, quando Paul senta-se ao piano dizendo que teve uma ideia para uma canção e buscava ainda uma letra que se  encaixasse; ou quando John Lennon apresenta as primeiras versões para Across The Universe e George chegando com sua I Me Mine, inspirada em um programa de TV que viu na noite anterior. Isso sem falar nas demais canções que rascunham e dedilham a esmo, muitas que irão compor o famoso Abbey Road, gravado na segunda metade de 69. Ah! Além de covers de seus ídolos e quando brincam com seus próprios sucessos anteriores! Deleite absoluto!

A dinâmica musical entre eles e, depois com a participação de Billy Preston já nas sessões em Londres (o cara foi lá só para dar um alô e acabou ficando!), é o que vale ser apreciado nestas quase oito horas do documentário. Esqueça as intrigas! Let it be!

E tem toda a parte em que tocam no telhado dos estúdios da Apple. É apaixonante, pois mostra que até na última vez em que tocaram juntos, foram originais e ao mesmo tempo tiveram uma atitude transgressora! Puro Rock’n’Roll, Na primeira parte do documentário, há uma passagem em que estão conversando sobre onde realizar o show que planejavam, e Paul McCartney sugere tocar na galeria do Parlamento Britânico e, desta forma, seriam expulsos pelos policiais enquanto tentam tocar; isso seria o show para ele! Diga-me: deboche rima com Rock’n’Roll.

Em todo o Roof Concert, demonstravam que não estavam nem aí para quem estava assistindo. Tocavam para eles mesmos, para se divertirem, porque era isso que eles gostavam de fazer. Isso é o que o documentário mostra. Que gostavam de fazer e tocar música! Os rapazes de Liverpool, já na época, icônicos, se divertindo como crianças. 

O resto são detalhes que, claro, ajudam a dar um tempero e nos mostram o quanto eles, além de gênios talentosíssimos, também eram humanos cheios de tiques e demais defeitos como qualquer um,

Além dos filmes deles, eu já tinha assistido vários outros documentários e programas sobre suas histórias, incluindo a série Anthology, mas não tinha visto nada tão especial e ao mesmo tempo simples de quatro caras que, vejam, àquela altura, em janeiro de 69, já tinham feito muita coisa e conquistado o mundo, mas nem parecia terem ideia ou ligar para o fato de que o Rock e a cultura Pop já respirava suas influências e não poderiam ser imaginadas sem elas.

E outra coisa que me chamou a atenção e me deixou atônito enquanto assistia, era saber que ali, naquela época, nenhum dos quatro ainda haviam chegado na idade dos 30 anos! Em janeiro de 69, Ringo e Lennon tinham 28, Paul, 26 e George 25! Imagine: de pensar que nos dias de hoje, muitos nesta faixa ainda nem sabem arrumar a cama direito ou têm dificuldades em pegar uma condução! É de se espantar que os Beatles já haviam conquistado o mundo definitivamente e, nem sequer tinham noção de que o que fizeram e ainda estavam fazendo, seria sucesso e continuaria influenciando outros para além de sua época. E que provavelmente, continuará.

Desde seu estouro em meados de 62 até seu final, foram apenas 8 anos. Neste período gravaram 213 músicas e lançaram 13 álbuns de estúdio, fora os diversos singles e compilações. Quanta produção! E o que esses números nos dizem?

Enquanto juntos, num estúdio ou num palco e de posse de seus instrumentos, os Beatles gostavam mesmo era de fazer música.

Não deixe de assistir. Você pode se perguntar: mas, sete horas de documentário? E então, eu lhe respondo: o que é isso perto de uma maratona de qualquer série vagabunda que às vezes a gente assiste por aí?

Paulo Maia é publicitário, um pensador livre e morador do Morumbi que mantém sua curiosidade sempre aguçada

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